sábado, 28 de junho de 2014

28 DE JUNHO - SUFOCO. E ERA UMA VEZ UM FANTASMA

Cresci ouvindo uma historinha que dizia assim: era uma vez um fantasma. Trajava camisa azul. Garboso. Calou o Brasil num 16 de julho de 1950. Estádio do Maracanã. 200 mil torcedores. O mais longo minuto de silêncio já visto numa Copa do Mundo. A tragédia que reforçou nos brasileiros o maldito complexo de vira-latas. Estamos fadados à derrota. Jamais. Imaginem na Copa de 2014, saíram de lá dizendo nossos avós. Choro. Celeste. Raça. Schiaffino. Ghiggia. Barbosa crucificado. Jogadores condenados ao panteão dos fracassados. Vice-campeonato em casa. Maracanazo. Toda vez que a gente jogava contra o Uruguai, lá vinha a assombração atormentar. Ganhamos muitas vezes. Em Eliminatórias, em Montevidéu, no Centenário. Goleando. Em amistosos. Na Copa das Confederações. Em Copa América. Em final de Copa América, num mesmo 16 de julho, em 1989. Romário. Até em semifinal de Mundial. México. Não adiantava. O canto ecoava. Maracanazo. Maracanazo. Maracanazo. Reverencio a história da Celeste. Faz parte do Olimpo do futebol. São gigantes. Mas... Sessenta e quatro anos depois, diziam que o tal fantasma tinha voltado. Para escrever mais um capítulo desse livro, agora versão adulta. Ainda mais assustador. Implacável. Ouvi dizer que já tinha até comprado ingresso para a final, 13 de julho, no mesmo (ou não) Maraca. Estaria sentadinho na cadeira 28, fileira A, portão M, setor 1. Bem atrás do gol onde Ghiggia marcou. Assento reservado. Boatos fortíssimos de que, dali, veria o gol do terceiro título. No cantinho esquerdo baixo do goleiro. Tri. Maracanazo. Em Fortaleza, na estreia da equipe do camarada Mujica, cantavam "seremos campeões como da última vez". Maracanazo. Lá, o que vi foi Castelazo. Exibição de gala da Costa Rica. Quis o destino, esse brincalhão caça-assombrações, que o Uruguai voltasse ao Maracanã, numa Copa, para enfrentar um escrete de camisas amarelas e calções brancos. Com um 10 que é o maestro máximo desse torneio. Mata no peito estufado, com estilo. Gira o corpo. Olha. A pelota vai caindo lentamente. Ao alcance de um sem pulo de esquerda. Petardo. José Silvério narraria "ela ficou pedindo me chuta, me chuta... Ele encheu o pé". Muslera voa. Trisca. A bola estufa as redes. ângulo. Que maravilha! Golaço. Mais um. James Rodríguez já tinha anotado tento lindíssimo contra o Japão. Com todo mérito, é agora o artilheiro da Copa. Cinco goles. De craque. No Maracanazo às avessas, teve mais um gol. Da Colômbia. É a Seleção que encanta. Alegria e ousadia. Cuadrado. Armero. Zuñiga. Ospina. Alguém viu o fantasma por aí? Dizem que saiu de fininho, sem fazer alarde, disfarçado, antes de a partida terminar. Não viu a festa colombiana. A essa hora, deve estar desembarcando em Montevidéu. Para nunca mais voltar. Depois do mimimi do "complô contra a Celeste", os uruguaios foram bravos. Mais uma vez. Chega um tempo de Copa, porém, em que, diante de futebol vistoso e bem treinado, só raça não basta. Adiós. Outros fantasmas? Estão por aí. Ariscos. Sorrateiros. Dissimulados. Dementadores. Comensais da morte. O futebol os adora, flerta com eles a cada passe. Cada dividida. Cada decisão por pênaltis. O do Maracanazo, no entanto, foi-se. O último capítulo de um dos livros da minha infância foi escrito hoje. Página infeliz da nossa história. Agora virada. Maracanazo. Estou vivo. Os pênaltis? Vi abraçado ao Daniel, cabeça apoiada no ombro dele. Respirando aceleradamente. Só nós dois. Pai, estou com medo. Gritamos no do David Luiz. Mais alto ainda no primeiro defendido pelo Julio Cesar. Soltamos palavrões para o Willian. Trememos no primeiro convertido pelo Chile. Ficamos aliviados com o do Marcelo. Bateu na mão do goleiro. E daí? O que vale é que entrou. Explodimos na segunda defesa do Julio. No cantinho! Mandamos o Hulk à merda. Pai, estou com medo. Apertou minha mão. Estávamos de joelhos. Só nós dois. Também senti medo no quarto dos chilenos. Gol deles. Foi isso? Sei lá. Perdi as contas. Nossos corações quase pararam no do Neymar. Valeu, Moleque! Atordoado, só vi a quinta cobrança chilena explodindo na trave. Achei que tinha sido na direita. Acabei de ver que foi na esquerda. A imagem ficou turva. Ainda consegui mirar os jogadores brasileiros correndo para pular no Julio Cesar. Abracei o Daniel. Pulamos, pulamos, pulamos. Como se não houvesse amanhã. Descarga de adrenalina. Abraçamos meu pai. Minha mãe. E desabei. Fiquei caído no chão. Meia hora depois, a pressão despencou. Sal na língua. Tudo sob controle agora. Ainda escrevo com o corpo todo moído. Dores nos braços e nas pernas. Como se um caminhão na ladeira tivesse me atropelado. Daniel, fiel escudeiro pé quente. Luiza, minha princesa da sorte, ligou. Corrente de comemoração. Mensagens trocadas com irmãos, primos. amigos. Preciso de uma boa noite de sono. Vou dormir aliviado. Mas preocupado. O Brasil teve lampejos de bom futebol nos trinta minutos iniciais do primeiro tempo. Vacilou em lance amador. Gol do Chile. Apagão. O segundo tempo foi show de horrores. A Seleção foi dominada. Neymar sumiu. Uma das piores jornadas da carreira dele. E que se reconheça que o Chile jogou bem. Sampaoli estudou o Brasil. Neutralizou nossas virtudes. E mostrou boa coleção de atributos futebolísticos - jogo coletivo, troca rápida de passes, volantes habilidosos, atacantes perigosíssimos. Belíssima geração de boleiros chilenos. Dilma e Lula, que compraram a Copa para o Brasil, esqueceram de apresentar o recibo para o árbitro. Sua senhoria anulou gol legítimo de Hulk. Não foi mão nem no Mineirão, nem Lagoa da Pampulha, nem no aeroporto de Confins. Peito. Quem disputa aquelas peladas de final de semana sabe bem que, pela trajetória da bola, foi matada no peito. Como manda o manual do bom futebol. Nota lamentável: imbecis nas arquibancadas do Mineirão vaiaram o hino chileno. Boçais. Beócios. Em campo, a Seleção avançou. Aos trancos e barrancos. Com esse futebol, ficamos na Colômbia. Arruma esse time, Felipão! Já passou da hora. Enquanto o técnico da Seleção quebra a cabeça e vira a madrugada matutando o jogo de sexta-feira, quarta-de-final, coloco ponto final e vou descansar. Com as luzes apagadas. Porque não tem mais fantasma uruguaio vagando por aqui.            

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