domingo, 29 de junho de 2014

29 DE JUNHO - A SELEÇÃO BRASILEIRA NO DIVÃ

As manchetes já estavam prontas. Faltava só apertar o ENTER. Copa cada vez mais América. Holanda amarela de novo. Holanda joga como nunca, perde como sempre. O caminho da Argentina para a final cada vez mais fácil. Hermanos podem comprar passagens para o Maracanã, 13 de julho. Como diria o sábio Mané das pernas tortas, faltou combinar com os holandeses. Uma bola espirrada, aos 43 do segundo tempo. Balaço do Sneijder. Não tem deus asteca, Montezuma ou Ochoa (já tinha feito milagre) que pegue um petardo daqueles. Seis minutos de acréscimo. Deram espaço para o carequinha da perna esquerda que é especialista em cem metros rasos entrar na área. Corta para lá, não deixa escapar pela linha de fundo. Pelota grudada na canhota. Que lance infantil, Rafa Márquez. Que desagradável. O Robben valorizou, é verdade, pulou, fez cena. Rolou, se contorceu. Ator padrão FIFA. Imagina se fosse o Neymar. Apesar da ceninha patética, foi pênalti. Bola na marca da cal. Huntelaar em dia de Aloísio Boi Bandido faz e sai dando voadora na bandeira de escanteio. Virada e classificação da Holanda. Nos minutos derradeiros. Magia de uma Copa do Mundo que só faz confirmar que jogo de futebol é sempre uma caixinha de surpresas e que só termina quando o juiz apita. Peço desculpas pelos clichês. Quem mandou abrir mão do jogo, México? O torcedor laranja que saiu antes do estádio, triste, decepcionado, se arrependeu. Voltou correndo enrolado na bandeira para participar da festa. Editores saíram pelas redações gritando 'atenção, cuidado, cuidado, muda essa manchete, corrige. Não dá enter! Não dá enter. Nada de Mario Sergio Conti!". Elisa aproveitou o domingão preguiçoso, que começou quente e foi ficando friozinho, para brincar com os meninos na festa junina da pracinha que fica perto de casa. Feliz coincidência, encontraram por lá a Vania Ferreira, o Bruno Vergueiro, a Marcia Midori, o Mauricio Rigatto. Amigos queridos. Porque a vida só tem graça com eles. A condição do Daniel foi explícita: a gente sai três da tarde. Se não tiver prorrogação e pênalti no jogo da Holanda. E volta antes das cinco, para ver a Costa Rica. Garoto esperto. Teve quentão. Forró. Fogueira. Refuguei. Abri mão da quadrilha. Defendo que se acrescente à Declaração Universal dos Direitos Humanos um artigo a estabelecer que todo domingo será usado para ficar morgando em casa, sem compromisso, cultivando a arte da preguiça. Ócio criativo. Aproveitei o tempo livre para organizar pastas e envelopes com provas e listas de assinaturas, acertar últimos detalhes de diários. Material que será todinho entregue amanhã, na universidade. Que rufem os tambores e comecem as férias. Na solidão, aconchego do lar, o diabinho cutuca. Vem sempre uma ideia. Ou muitas. E lá se foram meus neurônios, a elucubrar sobre a Seleção Brasileira. Sem a tensão dramática dos pênaltis. Com a preocupação de quem reviu o jogo contra o Chile inteirinho na madrugada. Maluco total. Não vou apedrejar o time de Felipão. Fácil. São apenas angústias ao vento. Torcedor. Até porque é um bom time, com qualidade. O fato é - o Brasil não está jogando bem.  Não há saída de bola. Falta meio de campo. A equipe não tem quem pare a bola e pense o jogo. James Rodríguez vestiu uma camisa amarela e saiu por aí, desfilando sua elegância sutil pelos gramados nacionais. Mas não é Bobô. Não é brasileiro. Pena. Cairia como uma luva. Felipão deve ter passado as últimas madrugadas em claro. Ponteiros do relógio rodando, ele divagando. Porque muitos dos boleiros de confiança dele e que fizeram boa Copa das Confederações não estão jogando bem agora. Daniel Alves, Marcelo, Paulinho, Oscar, Fred. Todos podem jogar muito mais. Restam Julio Cesar, Thiago Silva, David Luiz, Luis Gustavo e Neymar. É pouco. Sobretudo quando o craque brasileiro não joga. Aí fica duríssimo. Os reservas, pontualmente, estão entrando bem. Sem brilho, no entanto. Sem conseguir resgatar o equilíbrio e a estabilidade que a equipe tinha. O que torna o caldo mais confuso ainda. Há que se reconhecer a qualidade de nossos adversários. Nem sempre a gente lembra disso. O México foi muito competente. O Chile é um time muito organizado, com eficiência coletiva e talentos individuais. Verdade também que as outras seleções aprenderam a jogar contra o Brasil do gaúcho de bigodes. Nas Confederações, o Brasil era franco atirador, escrete em formação. Havia o elemento surpresa. Marcação sob pressão no ataque, Neymar livre, Oscar e Hulk caindo pelas pontas, laterais atacando, volante cão de guarda. Ficou previsível. Aí é que precisa entrar o dedo do técnico. E algo chamado treino. O que, não me parece, seja a rotina dessa Seleção. Jogo ontem. Folga hoje. Reapresentação no final da noite do domingo. Treino leve na segunda. Jogadores cansados. Não vamos forçar. Para não estourar. Na terça, atividade mais forte, específica, pensando já na Colômbia. Na quarta, viagem para Fortaleza. Treino de reconhecimento no Castelão na quinta. Jogo de quarta-de-final na sexta. É muito pouco. Quando a gente era moleque, sempre aparecia um técnico que distribuía bolas e fazia ficar chutando a pelota, de primeira, na parede. O famoso paredão. Com a direita! Agora com a esquerda! Bate forte! De lado! De peito! De três dedos! Agora quero a bola aqui! (e apontava um círculo na parede, no alto). Tínhamos depois que treinar passes. Corridas com a bola dominada. Cobranças de faltas. Mata e toca! Só dois toques! E tudo isso era muito mais por brincadeira, nada sério. No máximo final de um campeonato interno, torneio inter-clubes, competição entre escolas. Imagina numa Copa do Mundo. Precisa treinar, Felipão. Para aperfeiçoar e corrigir, com a repetição. Para ensaiar jogadas. Para usar a bola parada. Para aprender a sair de marcação sob pressão. Para pensar em variações táticas. Para sonhar em ganhar a Copa do Mundo. Do lado de cá da cerca da Granja Comary, arrisco palpite: esse é o nó gordo da Seleção. Muito mais que a instabilidade emocional - que existe, mas que vem sendo agora cantada em verso e prosa como vetor inexorável de possível fiasco. A Seleção é jovem. Os que lá estão, no entanto, não são novatos inexperientes. Já jogaram finais de Champions, de Libertadores, de Mundiais. São cascudos. Mas eles choram quando o hino toca, quando estão no túnel de acesso ao gramado, antes de bater pênaltis. Eu também. E daí? Seres humanos que são, extravasam emoções. Sentem. Não deve ser fácil mesmo jogar Copa em casa própria, num país acostumado a ganhar e onde o segundo lugar vale nada. Imagina ser desclassificado nas oitavas. Baita pressão. Ah, eles sabiam disso. Verdade. Mas o bicho pega mesmo quando a bola rola lá nas tais arenas. Até então, é tudo só expectativa e vontade. A perna treme mesmo. Ainda que não se queira, que se tente controlar. Quem aí não teve tremedeira no pezinho esquerdo, bem o da embreagem, quando foi fazer exame de auto-escola, dezoito anos recém-feitos? O carro morreu. Era só carta de motorista. Então. Jogadores de futebol não são máquinas infalíveis inovadoras da Apple de Steve Jobs. Chico, eles ganham muito bem para fazer o que deles se espera. É obrigação. Não é. Ganham rios de dinheiro, ninguém nega. Quem quer ser um milionário da bola? Mas não me consta que nos contratos deles esteja escrito que estão obrigados por alguma determinação divina a levantar o caneco. Se não for assim, queimarão nas fogueiras da inquisição, labaredas acesas pela tal opinião pública futebolística. OK, também fiquei ressabiado quando vi o capitão Thiago Silva sentado na bola, linha lateral, a mirar o infinito, abatido, quando a prorrogação terminou no Mineirão. O que passa, capitão? Não acabou. Que apatia é essa? Aí apareceu o Paulinho para, na roda final, bater no peito de cada jogador e chamar os caras para cima, em bom português boleiro. Foi quando o David Luiz disse 'bato o primeiro'. Foi quando o Neymar chamou o Felipão e mandou: 'O último é meu'. Concordo, é preciso tomar cuidado com o tom. Não pode chegar ao volume máximo. A emoção não pode atrapalhar desempenho em campo. O time não pode virar exército napoleônico, esmurrando escudos e urrando de vontade de invadir a Rússia. Até porque pode aparecer um general inverno no meio do caminho. Ou um bom time colombiano. Pode dar bobagem, meu capitão. O desafio do Felipão, conhecido por ser exímio motivador, é buscar inspiração no grego Arquimedes e achar exatamente esse ponto de equilíbrio, para alavancar o desempenho da Seleção. Sinceramente: daqui, de fora, não vou apontar o dedo e condenar os caras por não esconderem a dimensão humana que caracteriza a nossa espécie - razão e sensibilidade. Me parece cruel demais. Vou insistir nesse segredo, Felipão, não espalhe, não conte para ninguém. Treino e terapia em grupo. Coloque essa moçada para suar. Muito. Depois tranque a porta, puxe o divã e diga "vamos falar sobre isso". Freud, Lacan, Piaget... Sei lá. Aí é com você, comandante. Vai que é sua. Já falei demais. Viram só? Divagações futebolísticas numa tarde de domingo. Teve neguinho que escreveu no face que Costa Rica x Grécia fez sentir saudades dos jogos do Paulistão. Será? É, foi chatinho. Emoção mesmo só no finalzinho, para variar, com o empate dos deuses do Olimpo (de novo) e a prorrogação. Vi as penalidades passando manteiga no sanduíche do Daniel. Pênaltis nos olhos dos outros é refresco. Me empolguei com Navas. Como lembrou o Rogério Zé, um só Ruiz já ajudaria bastante o time do Santos. Estão por lá mesmo. Gostaram tanto da Vila Belmiro. Vixi, o pão torrou no forninho. Vou lá fazer outro. O moleque está com fome.     

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