sexta-feira, 27 de junho de 2014

27 DE JUNHO - O PÉ FRIO



Dá uma raiva danada. Daquelas de querer chutar a quina da mesa, com força. E nem sentir dor no dedinho. Porque é batata – chega como quem não quer nada. Senta do seu lado. Puxa conversa. Faz dois ou três comentários. É até simpático. E daí? No jogo difícil, apertado, decisivo, sai rapidinho gol do adversário. Cacetada! Não há Stephen Hawking ou Miguel Nicolelis que expliquem. Não dá para aferir em acelerador de partículas. Não cabe método científico. A culpa é das estrelas. São energias negativas, concebidas em outras dimensões. Multiversos. Forças ocultas. Sem mais delongas - é o famoso PÉ FRIO. Não adianta negar. Eles existem. Não são poucos. Tenho certeza que você conhece ao menos um. Unzinho. Alguns, até. Muitos? Pense bem. Lembrou, né? Fácil. Tem uma tia da minha mãe, irmã do meu avô, que era graduada, especialista, mestre, doutora e pós-doutora na arte da secação futebolística. Nem o Santos de Coutinho, Pelé e Pepe escapava. Mesmo que fosse contra adversário bem mais fraco. Era derrota. Na certa. Imagine o Santos das vacas magras! Meu avô e a irmã eram muito próximos, bem amigos. Ela tinha o costume de almoçar na casa dele todo final de semana, em geral aos sábados. Mas havia um código de ética, pacto de sangue. Irrevogável. Sem direito a recurso. Ela telefonava toda sexta-feira. Para saber a tabela do campeonato. Eryx, tem jogo do Santos amanhã? Tem, Aísa. Venha no domingo. Amanhã não! Ela respeitava. Sem pestanejar. Eu não era nascido, mas a historinha virou caso de família. Relembrada em mesas de muitas festas. Na Copa do Mundo de 1970, meu avô estava na Europa. Mas essa mesma tia resolveu ver Brasil x Uruguai, semifinal, na casa dele, que chamávamos de chácara, em São Bernardo. Não sei o que deu na cabeça da minha mãe e dos meus tios para autorizar tal presença. A fama de seca pimenteira já era conhecidíssima. Mas lá estava ela. Nada de sair gol. Angústia. Tensão. E, pqp, gol da Celeste. Fantasma de 50. Maracanazo. Ela resolveu dar uma voltinha no terraço. Adivinhem? Gol do Brasil! Empate! Clodoaldo! O pessoal que lá estava caiu na real. Não tiveram dúvida: trancaram portas e janelas da chácara. A senhora ficou o resto do jogo do lado de fora. Com frio de junho. Providência bastante sensata, sem sombra de dúvidas. Resultado final: virada canarinho. 3 x 1. Vaga na final. O pé frio dela era tão poderoso que, na família, o nome dessa tia passou a ser sinônimo de neguinho que seca o time do outro. Baita xingamento. Seu Aísa!, manda um, quando o adversário marca. Pé da Sibéria. Verdadeiro iceberg. Ainda não acreditam? Pois tem um conhecido meu, não chega a ser amigo, gente boa, que acho que nunca viu o Santos ganhar no estádio. Tremendo pé frio. Quando toca o celular em dia de Peixe em campo e vejo o número dele, tenho calafrios. Digo sempre que não vou ao jogo, gaguejo, invento desculpa. Não adianta. Lá está o cara, nas arquibancadas. É impressionante. O Santos perde mesmo. Na final da Libertadores, 2011, o maluco teve imprevisto. Na última hora, não pôde ver a decisão contra o Peñarol, no Pacaembu. Beliscamos o tri. Inesquecível. Também não conseguiu ir ao Morumbi, Brasileiro de 2002, nem a São José do Rio Preto, 2004. Santos bicampeão. Em compensação, contra a minha vontade, o sujeito esteve nas finais do Paulista de 2009 (derrota para o Corinthians), de 2013 (de novo perdemos para o Corinthians) e de 2014 (Ituano!). Tirem vocês as conclusões. Aqui em casa, dizemos que a mãe de um amiguinho do Daniel está invicta. Jamais viu o time da escola dos meninos ganhar. Quando ela vai, os pequenos jogam mal, avoados, dispersos, tomam viradas mirabolantes, nada dá certo. Sem ela nas arquibancadas, belas jogadas, golaços e até títulos. Não tentem me convencer. Não é só coincidência. É pé frio mesmo. Não há meia de lã que dê jeito. Na final da Copa do Mundo de 2002, no Japão e na Coreia, meu primo, sem noção do perigo, resolveu levar uma namorada para ver Brasil x Alemanha na casa dos meus pais. Maluco, como assim, não tinha vindo até agora e vem justo na decisão? Vai dar porcaria, meu capitão. Quem mandou inventar moda? Nada de sair gols. São Marcos defendendo tudo. Um olha daqui, outro olha dali. De repente, a moçoila decidiu ir ao banheiro. Não é piada: gol do Brasil! Foi a senha. Pelos olhares, combinamos de trancar a senhorita no lavabo. Só deixamos que ela saísse porque demorou um tanto por lá e o segundo gol veio logo em seguida. Ainda não está convencido? Perguntem aos corinthianos sobre o goleiro Carlos, que começou a carreira na Ponte Preta. Baita pé frio! Talvez o maior de todos. Sujeito simpático, inteligente. Boa praça. Bom goleiro. Mesmo. Mas pé frio. Fazer o quê. A pessoa não escolhe ser pé frio. Ela nasce pé frio. Paciência. No Paulistão de 1988, Carlão machucou-se na fase final. Foi substituído por Ronaldo, que foi muito bem e jogou as duas partidas decisivas contra o Guarani. Carlão não saiu na foto do título! Seleção Brasileira, Copa de 1986, no México, disputa de pênaltis nas quartas. A cobrança do zagueiro Julio Cesar explodiu na trave. E saiu. O francês Bellone chutou na trave. Mas a bola voltou nas costas do Carlos, caído, esticado. E entrou. Gol. França na semi. Brasil desclassificado. Posso ainda refrescar a memória dos palmeirenses. Jorginho. Meia-atacante. Fez parte dos esquadrões do Verdão na época da fila dos dezessete anos. Ficou sempre no ‘quase’. Esteve em campo na final do Paulistão de 1986, contra a Inter de Limeira. Não por acaso, era carinhosamente chamado pelos palestrinos de... Jorginho Pé Frio! Amigos, poderia usar mais uma dezena de exemplos. Ficaria até cansativo. É a mais pura realidade. Os pés frios estão por aí. São de carne e osso. Tudo bem. Você é cético. Acha que não faz sentido. É tudo tolice. Crendice. Bobagem minha. Respeito. Futebol não tem racionalidade mesmo. Mas, pelo sim, pelo não, só para garantir, medida de segurança, vamos tomar cuidado. Prestar bem atenção. Pé de coelho. Mangalô. Três batidinhas na madeira. Folhinha de arruda na orelha. E muita distância dos pés frios amanhã. Longe. Bem longe deles. Porque tem Brasil em campo contra o Chile. E é mata-mata. Combinado?

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