domingo, 23 de dezembro de 2012

VIRADA DE ANO E FÉRIAS EM BUENOS AIRES



BUENOS AIRES, SETEMBRO DE 1997. LUA DE MEL. NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA, 27 DE DEZEMBRO, POR LÁ ESTAREMOS NOVAMENTE, PARA A VIRADA DO ANO E OUTRAS TANTAS AVENTURAS. AGORA, COM LUIZA E DANIEL.

A TODOS OS GENEROSOS LEITORES DO BLOG, DESEJO UM REVOLUCIONÁRIO 2013!

ATÉ BREVE!






quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

DECRETAR PRISÕES ANTES DO FIM DO JULGAMENTO?


Gostaria de encerrar o ano com um texto mais alvissareiro. Mas não consigo negar que chegamos ao final de 2012 com certo cheiro de casuísmo jurídico e de arbítrio e exceção contaminando perigosamente os ares políticos respirados pela nação. 

A questão-chave é a seguinte: tecnicamente, em sentido mais preciso, o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal não terminou. Para garantir o constitucional amplo direito de defesa, os recursos produzidos pelos advogados dos condenados, que certamente serão apresentados, precisarão ainda ser analisados pelos magistrados - o que só poderá acontecer após a publicação dos acórdãos (decisões colegiadas dos ministros). Tarefas para 2013, com a responsabilidade, a serenidade e o equilíbrio exigidos pela democracia.

Ainda assim, o Procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu unilateralmente - mais uma vez - que é preciso acelerar o processo e solicitou ontem, quarta-feira, 19 de dezembro, as prisões imediatas de todos os condenados, por considerá-las urgentes. Note-se que o pedido foi feito justamente na véspera - literalmente - do início do recesso do Poder Judiciário, o que significa dizer que será analisado, em período de festas natalina e de reveillon, apenas e tão somente, de maneira monocrática, pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa. Caso tivesse sido encaminhada um dia antes, a solicitação muito provavelmente teria sido avaliada pelo plenário (e, segundo o "Painel", da Folha de São Paulo, alcançaria apenas três votos favoráveis, com seis contrários). Oportunismo, casuísmo? Apenas coincidência de datas, alguns irão responder. Aliás, para Gurgel, ainda de acordo com a Folha de São Paulo, "os recursos não terão o poder de modificar o resultado do julgamento". Trata-se de evidente, privilegiada e sobrenatural capacidade de previsão de futuro. Ou de jogo com cartas marcadas. 

Não custa lembrar que o julgamento foi, desde o início, caracterizado por uma série de outras estranhas "coincidências": teve início em agosto, quando as campanhas para as eleições municipais também chegavam às ruas, com incontestável contaminação da disputa; a condenação do chamado núcleo político - leia-se sobretudo José Dirceu - deu-se entre o primeiro e o segundo turnos, com tempo de ainda ser explorada pelas narrativas midiáticas e no horário gratuito, pelos candidatos da oposição; numa manobra ardilosa e arbitrária de Barbosa, que inverteu a ordem das discussões quando se chegou à etapa da dosimetria, os réus políticos foram também os primeiros que tiveram as penas definidas, numa espécie de prestação de contas à sociedade. 

Agora, para deleite dos que clamam por sangue, dos que exigem o "mata, prende e esfola", mesmo que contrariando a essência da democracia, o roteiro parece estar novamente pronto: salvo engano e mudança brusca e repentina de comportamento, uma crise profunda de identidade, e a considerar tudo o que aconteceu no STF nos últimos meses, o mais novo ídolo e justiceiro da nação irá acatar o pedido da Procuradoria, determinando as prisões imediatas. 

Os executivos que fecham as primeiras páginas dos jornais já estão salivando e esfregando as mãos: numa época em que as manchetes em geral são "frias" (assuntos de menor relevância, traduzindo o jargão jornalístico), poderão estampar um certeiro "JOSÉ DIRCEU PRESO", em letras garrafais, ocupando metade da página, chamada que certamente estará acompanhada por uma foto estourada, com o ex-ministro algemado ou entrando na cela. Já consigo ouvir os urros histéricos de alegria, o espocar das rolhas de champanhe e o tilintar dos brindes.

Será a combinação perfeita para que a oposição midiática possa reafirmar, no "como queríamos demonstrar", que "o julgamento do mensalão foi um divisor de águas e que o Brasil entra em 2013 tendo finalmente aperfeiçoado seus mecanismos de combate à corrupção, ao colocar na cadeia aqueles que participaram do maior escândalo da República". O terreno estaria preparado para investidas políticas mais ousadas no ano que vem: como já escrevi por aqui, esses caras não vão sossegar enquanto não atingirem o coração do o ex-presidente Lula, para reescrever a história recente do Brasil e inviabilizar politicamente a participação dele na disputa presidencial de 2014. 

Antes dos espasmos de euforia, cinco segundos de reflexão: como raciocina meu irmão Eryx Bicudo, advogado porreta e danado de bom, caso as prisões aconteçam agora, quem vai pagar a conta se, no julgamento dos recursos das defesas, alguém tiver pena revista e passar do regime fechado para o semi-aberto? Pois é... 

Como já havia destacado o jornalista Paulo Moreira Leite em seu blog, ao se referir à cassação de mandatos de parlamentares determinada pelo STF, em tão cristalina quanto lamentável ingerência nas tarefas e prerrogativas do Legislativo, "não fica bem atropelar a Constituição. (...) Não é uma questão de gosto. É aquela vontade de não se submeter a um ritual definido e pré-determinado, amparado em lei, que todos devem respeitar. Muita gente está gostando de um Supremo que parece poder fazer tudo. São aquelas pessoas que desde 2002 só conhecem derrota atrás de derrota nas urnas. Em 2012, ficaram com um pouquinho mais de raiva porque perderam o altar sagrado da prefeitura de São Paulo. O que deixa o pessoal com mais medo quando pensa em 2014. Pensou perder de novo? Puxa, esse povo ganhava desde a chegada de Pedro Alvares Cabral…Então, com o Supremo, eles estão se animando". 

Sei não, deixo avaliações mais bem acabadas para os amigos historiadores, os cientistas políticos, mas a impressão que fica é que voltamos aos tempos em que um um tal Poder Moderador se colocava acima de todos os outros... Dom Joaquim Barbosa I? Ou talvez o STF esteja a dizer "às favas, nação brasileira, com os ritos e as normas constitucionais. Manda quem pode e obedece quem tem juízo". As duas experiências - o Império e a ditadura militar - foram trágicas. 

O alerta é novamente de Paulo Moreira Leite: "A experiência ensina: é muito fácil saber como esses jogos começam – e ninguém consegue adivinhar como terminam. Podem terminar mal. Ou muito mal. Apenas isso".    

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Como se vê, os desafios são gigantescos, e se acumulam. Aproveito a oportunidade para agradecer os generosos leitores que acompanharam este blog em 2012, desejando que os nossos sentimentos de esperança se renovem. Que continuemos sonhando, coletivamente, os sonhos impossíveis, reforçando as lutas cotidianas por livre pensar, direitos humanos e transformação social. À esquerda, sempre.  

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O AI-5. E TRECHOS DO MEU TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


No dia 13 de dezembro de 1968, a ditadura civil-militar impunha à sociedade brasileira o Ato Institucional 5 e mergulhava o Brasil definitivamente nos anos de chumbo e de terror das torturas, desaparecimentos e assassinatos institucionalizados. 

Por coincidência, no dia 13 de dezembro de 1994, defendi, na ECA/USP, meu Trabalho de Conclusão de Curso - um perfil de Helena Pereira dos Santos, então presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e mãe de Miguel Pereira dos Santos, guerrilheiro revolucionário do Partido Comunista do Brasil (PC do B) covardemente assassinado pelos militares no Araguaia. O projeto foi orientado pela mestra Cremilda Medina. Fizeram parte da banca examinadora o professor Dalmo Dallari e a professora Maria Nazareth Ferreira. Aos três, meu eterno carinho e agradecimentos.

Naquela mesma noite de 13 de dezembro de 1994, uma sexta-feira, no auditório Freitas Nobre lotado, e com quase 23 anos, conheci Elisa Marconi, que se tornaria para sempre minha companheira de todas as lutas.

Dezoito anos depois, mergulhado em boa nostalgia, deu uma vontade danada de resgatar e de compartilhar alguns trechos do TCC, mais especificamente as "Considerações Finais" - até porque, e não sei se isso é bom ou ruim, me parece que continuam indicando reflexões relevantes e bastante atuais. Além de escancarar minha sempre assumida paixão pelo Jornalismo.  


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"O exemplo da guerrilha do Araguaia ilustra com perfeição essa situação: a luta dos familiares continua, há uma série de fatos que precisam ser esclarecidos, arquivos que devem ser abertos, sentimentos e situações que não podem ser represados ou contidos. Mas as elites e a imprensa passam ao largo de tudo isso, como se essa realidade simplesmente não existisse. Sabem no vespeiro que mexerão e nas consequências de se tocar em tal questão. Sabem que, se puxarem o fio, virá o novelo de lã inteiro. A saída, então, é fingir que nada disso existe. E, como no Brasil vale a máxima que diz que "não saiu na imprensa, então não existe", para a sociedade a guerrilha também passa a ser um completo mistério.   (...)

Mas não vou terminar esse trabalho com uma visão determinista e pessimista. Sim, a situação é complicada, são muitos obstáculos a superar, mas é exatamente desse ponto que devem surgir as forças transformadoras. E eu continuo acreditando muito na Universidade como pólo criador e irradiador de novos paradigmas. É na escola de Jornalismo, tão criticada e rebaixada e sem dúvidas repleta de problemas e de incapacidades, que aprendemos a sistematizar a profissão. Participamos de todo processo de produção do material jornalístico, parando para refletir sobre cada etapa. É nela que se adquire o senso crítico e onde se aprende não apenas a fazer, de maneira robotizada e burocrática, mas POR QUE fazer. É ela que deve estimular a criatividade e as iniciativas pioneiras nascidas no meio dos alunos, que deve garantir-lhes uma sólida formação humanística, nas áreas das Artes, História, Geografia, Política, Sociologia, que deve abrir espaço para os debates, as discussões.

A escola não deve sucumbir aos apelos das empresas capitalistas, adaptando-se ao mercado. Ao contrário, precisa se manter firme como instituição que tem como principal função formar cidadãos críticos, preparados para lidar com as mais diferentes realidades, ciente de que a verdade não é e não pode ser absoluta e que o jornalista é um sujeito que vive num mundo repleto de incongruências e de desafios, um mundo dinâmico, em constante transformação.

Algumas das experiências desenvolvidas, embora ainda muito tímidas, mostram que é possível e necessário acreditar e precisam ser aprimoradas. Livros-reportagens, pesquisas sobre novas práticas jornalísticas, seminários e encontros com profissionais de outras áreas, órgãos laboratoriais, semanas de Jornalismo e Trabalhos de Conclusão de Curso são algumas delas. Muito pouco? Pois bem, então que se incentive ainda mais o Jornalismo criador, renovador, transformador. Que se forme o jornalista capaz de sacudir o mundo. Que se tente de novo, e mais uma vez, e que não se pare nunca de tentar, de criar. Eis a razão maior de nossa existência. Que se inundem as redações com esses novos jornalistas, que formarão sólidos grupos de resistência ao pragmatismo reducionista. Que se mostre ao jornalista que ele também pode cercar as grandes empresas pelas bordas, nos sindicatos, nas ONGs, associações de bairros, imprensa alternativa. Que se faça da Universidade a nascente de ondas de contra-cultura, impregnadas pelo humanismo contextualizador, irrequieto, questionador, revolucionário, romântico, idealista, analítico, cheio de sentimentos e emoções, polifônico e polissêmico.

Afinal de contas, o Brasil tem uma História e histórias que precisam ser recontadas e reescritas, sem censuras, sem preconceitos, sem tabus. Histórias como a de Helena e dos guerrilheiros desaparecidos e assassinados no Araguaia. Histórias dos negros, índios, meninos de rua, favelados, famintos, dos que não têm seus direitos respeitados. Histórias de um povo. 

Este trabalho é minha pequena contribuição aos que acreditam numa nova forma de encarar a profissão. Responde a muitas das minhas angústias e aflições, permitiu que eu colocasse em prática aquilo que penso ser uma reportagem. (...) Selou também um compromisso político, determinou as linhas mestras de uma filosofia de vida. Com ele, começo a me tornar jornalista. Um jornalista apaixonado pelo que faz. (...) Meu diploma não servirá apenas para ficar pendurado na parede do quarto. Ele será minha arma e com ele farei minha revolução. E quando eu chegar à velhice para escrever minhas últimas palavras, meu último texto, quero olhar para trás e perceber que deixei uma mensagem, uma semente plantada para as gerações e companheiros que me seguiram. Com os olhos cheios de lágrimas, vou então estufar o peito, assinar o texto e dizer bem alto: valeu a pena!

Chico Bicudo
Dezembro de 1994"

domingo, 9 de dezembro de 2012

FOTOS JORNALÍSTICAS E FOTOS ESPETACULARES

Sei que a discussão é polêmica, complicadíssima e contempla múltiplas análises. Mas eu não publicaria a foto do homem na iminência de ser atropelado por um trem de metrô, em Nova Iorque, que foi estampada na capa do tabloide "New York Post" na edição da última terça-feira (03 de dezembro). A imagem, me parece, namora apenas e tão somente e perigosamente com o espetáculo, com a naturalização da morte, a banalização da tragédia, a simplificação da condição humana, a indiferença ao sofrimento, despertando sensações e instintos primitivos, mas sem estabelecer conexões mais estreitas com uma narrativa racional, a privilegiar reflexões e o interesse público. Qual a informação, a mensagem ali presente? "Um homem vai morrer em segundos". E...? Naquele instante, minha sensação é que pesaram mais na decisão do fotógrafo (que sequer estava em serviço ali, mas não perdeu a chance do clique) os prováveis cinco minutos de fama, o dinheiro que alcançaria com a venda da foto. Prevaleceu, portanto, o valor de troca, e não o valor de uso. É diferente, penso, de outras fotos polêmicas e famosas, como a da criança negra no Sudão, agachada, com um abutre à espreita (1993), ou a da garota vietnamita que corria nua, queimada por napalm (1972). Nos dois casos, há certamente a vaidade dos profissionais em jogo, o ego, os possíveis prêmios, a decisão no átimo de segundo, o correr para ajudar ou o registrar o instante. Mas nelas há também guerras, conflitos profundos, tragédias humanitárias, atrocidades em cena, contextos mais amplos. E as imagens cumpriram esse papel de denúncia, de voz da consciência, de dar um chacoalhão planetário e de chamar a atenção do mundo para esses dramas coletivos. As duas foram fundamentais para furar bloqueios resignados de "não é comigo" e para ajudar a publicizar bestialidades que provavelmente se limitariam a círculos mais restritos, caso as fotos não tivessem corrido o mundo. As mensagens ali explicitadas eram, respectivamente, "somos cúmplices e estamos ignorando solenemente a fome, a miséria e as disputas intestinas que matam cotidianamente as crianças africanas" e "os Estados Unidos estão colocando em prática a política de terra arrasada, destruindo tudo o que encontram pela frente, sem respeitar sequer civis e crianças". Embora o debate seja aqui também possível, e desejável, o conteúdo jornalístico destas duas fotos é evidente - dimensão que não consigo sinceramente encontrar na do metrô novaiorquino. 




domingo, 2 de dezembro de 2012

SOBRE ANJOS, DEMÔNIOS E AS RESPOSTAS QUE O PT ESTÁ DEVENDO





Espero que me compreenda. Trago para este texto memórias afetivas, angústias, críticas, muito mais que respostas. É um fragmento desencontrado de desilusões, umas anunciadas, outras nem tanto, mas estranhamente é também um mosaico de renovação de esperanças. Busco aqui meu divã, a exorcizar anjos e demônios para fazer, quem sabe, a alma e as entranhas doerem um pouco menos. Razão e emoção se misturam, se sobrepõem. Assim, se quiser, chame o post de desabafo. É um pouco assim mesmo. Caso sirva para ajudar a travar o bom debate, já estarei satisfeito. Porque o cenário político exige esse exercício profundo de reflexão. 

Por um acaso talvez não tão casual, acabo de sair da leitura de "Marighella". Na biografia do revolucionário, o jornalista Mario Magalhães, com maestria, resgata os tempos generosos e terríveis de lutas contra a ditadura militar, quando a imaginação pretendeu chegar ao poder. Décadas mais tarde, o poder de fato seria alcançado - mas a imaginação virou resignação. E o Partido dos Trabalhadores, ator político fundamental para a derrubada dos anos de terror, vive - mais um - momento crítico de sua história. Como escreveu o jornalista Mino Carta, "o PT foi antes envolvido por oportunistas audaciosos, depois por incompetentes covardes". 

Posso dizer que vi o PT nascer, mesmo sem ter consciência daquela aurora bonita e promissora. Morava em São Bernardo no final dos anos 1970, tinha seis anos quando as greves estouraram, adorava quando a gente saía mais cedo da escola (pura inocência infantil) e morria de medo quando via a tropa de choque e a cavalaria da Polícia Militar com caras de poucos amigos nas ruas. Foi assim que o PT começou a representar os sonhos e as utopias de parcelas significativas da sociedade brasileira. Sem medo de ser feliz, vislumbrava construir verdadeira democracia popular (o PT era isso, um partido do povo, nascido de baixo para cima), viabilizando as estruturas e os atores de uma sociedade socialista.

Lula, a grande liderança do partido, é incontestavelmente uma das figuras políticas mais importantes da História do Brasil, nos séculos XX e XXI. O migrante nordestino que passou fome e sede, apanhou do pai, perdeu a primeira esposa, o dedo no torno mecânico, que foi vítima dos mais vis preconceitos e discursinhos nojentos, preso pela ditadura militar, chegou à Presidência da República por meio do voto popular, o primeiro operário a ocupar a cadeira. Eis aqui um sujeito porreta, danado de bom, por quem guardo profunda admiração. Carinho. A trajetória dele é fascinante.

Mas, no poder, Lula ficou maior que o PT. E o lulismo - misto de medidas econômicas conservadoras, políticas sociais e de distribuição de renda, amplo arco de alianças políticas e base social sustentada pelos menos favorecidos da pirâmide - acabou rendendo-se e adaptando-se à real politik. Para o cientista político André Singer, "o lulismo existe sob o signo da contradição. Conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento". Nessa dinâmica pendular, em nome da governabilidade, o PT acomodou-se. Começou a gostar do jogo - de um jogo que toca a bola de lado, administrando resultados, sem ousadia e alegria. O PT conciliou. Conchavou. Aos poucos, muitas bandeiras de luta petistas foram ficando para trás, perdidas na estrada - a reforma agrária talvez seja o exemplo mais gritante e lamentável. A transformação radical das estruturas foi substituída pela premissa das reformas, suaves. O lulismo caiu nos braços do capitalismo. Como projeto político, assumiu viés messiânico, distribuindo ordens, passando tratores e impondo verdades, a sugerir infalibilidade, a fomentar e comemorar o culto à personalidade, como se fora do lulismo não houvesse salvação possível para a sociedade brasileira.  

É legítimo argumentar e questionar se Lula teria conseguido governar caso não tivesse enveredado por esse caminho do consenso. A dúvida procede. São as mazelas e armadilhas do presidencialismo parlamentarista de coalizão brasileiro, representação no Congresso pulverizada e distribuída por mais de 20 partidos, forças hegemônicas do mercado a pressionar e financeirizar a esfera pública. Sem os acordos, há quem defenda, a administração teria sido trucidada, teriam feito pó dela, em pouquíssimo tempo. Para superar as resistências, entra em cena a tal da "aliança sob hegemonia programática do PT". Será que, sem esse arco, o destino inevitável teria sido o desgoverno? Tenho cá minhas dúvidas. 

E, se for assim mesmo, então de que vale o poder, se, quando conquistado, significa apenas a inexorável capitulação e o imediato escorregar pelos dedos de desejos por mudanças, para finalmente tornar-se palatável e amigável aos de sempre? Nas redes sociais, tomou contornos na semana que passou a seguinte discussão, resumidamente: seria melhor o PT falando fino no governo ou gritando grosso na oposição? Guardadas as devidas proporções, parece-me um tanto com o infindável debate "futebol de resultados e vencedor versus futebol arte, mas suscetível a derrotas". Não dá para jogar bonito e levantar taças? Não dá para falar grosso também no governo? 

Fagocitado gradativamente pelo lulismo, e provavelmente deslumbrado com as benesses agudas e sedutoras oferecidas pelo governo, picado pela mosquinha, o PT apequenou-se. Diante do dilema tensionar para avançar ou pactuar para consolidar-se como porto seguro, optou pelo segundo caminho. Como escreveu Mino Carta, "o PT atual perdeu a linha, no sentido mais amplo. Demoliu seu passado honrado.  Abandonou-se ao vírus da corrupção, agora a corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta naturalidade, com aqueles partidos que nunca foram". O mensalão, em 2005, colocou o partido à beira do precipício. Naquele momento dramático, faltou construir uma narrativa que combinasse de maneira inteligente e honesta considerável pitada de humildade com ênfase e firmeza de princípios - aqueles que desaguaram na fundação do PT. 

Faltou vir a público para, sem metáforas, zombarias ou oportunismos, sem tergiversar, dizer "erramos, assumimos os erros, relançamos o pacto para, daqui em diante, materializar ações políticas contundentes para coibir tais práticas". Como calibrar o tom desse discurso? Tarefa para os dirigentes partidários e para os intelectuais historicamente ligados ao partido, como sugere Elisa Marconi, companheira de todas as horas. Não seria uma fala puramente moral, mas um acordo político, republicano, embasado pelo repeito e cuidado irrestritos com a coisa pública. Ao calar-se e omitir-se, ao insistir no prato feito do "não tenho nada com isso, não fizemos nada que outros já não tenham feito", o PT permitiu que outro discurso fosse forjado. Perdeu ali a guerra de narrativas. O que viesse depois seria paliativo, remendo. Espaço vazio é espaço ocupado. 

O resultado foi o implacável massacre midiático, que incutiu na opinião pública (ao menos em parte dela, a publicada) o pressuposto que dizia que o único resultado aceitável para o julgamento do mensalão seria a condenação a penas máximas de todos os líderes e representantes do PT (com os outros réus, a preocupação era bem relativa). De preferência, que saíssem do Supremo Tribunal Federal algemados, com requintes de crueldade, direto para presídios de segurança máxima, com "direito" quem sabe à tortura e pena de morte. A artilharia mirava fundamentalmente José Dirceu, o demônio em forma de gente. O roteiro foi desde sempre conhecido - a Veja denuncia, a Folha repercute no final de semana, o Jornal Nacional da Rede Globo amplifica e fatia durante a semana. Ainda que não como antes, e sim com fissuras e resistências, esses veículos continuam a pautar a agenda pública. Ou não? Exagerei? Alguém duvida? 

Foi a partir dessa agenda que o STF associou-se convenientemente à histeria forçada midiática, rendendo-se a específico clamor popular sanguinolento. O plenário da Corte foi transformado no cenário ideal para um show folhetinesco de exageros e de sensações próprias do mundo do entretenimento. Caras, bocas, polêmicas gratuitas, transmissões ao vivo, holofotes... Foi preciso desencavar - e usar às avessas - uma tal teoria do domínio do fato para condenar, mesmo sem provas disponíveis nos autos (o que é diferente de afirmar que elas não existam). A maioria do Supremo, capitaneada pelo mais novo herói e justiceiro da nação, pesou a mão na dosimetria e foi implacável com o núcleo político do PT. José Dirceu pegou quase 11 anos; José Genoíno, quase sete; e João Paulo Cunha, mais de nove anos, se nada mudar nos recursos. Os que só aceitavam sangue aplaudiram efusivamente. Soltaram rojões.

A carnificina da mídia e os desvios do Supremo não isentam nem justificam os erros do PT. Gente grande no partido sujou as mãos. Cometeram crimes, que careciam de julgamento, à luz e sob o rigor das leis e do Direito, não dos perigosos exercícios de suposições, ilações e do "não é possível que não soubesse". Tal comportamento só faz enfraquecer a democracia e abre delicadíssimos precedentes. Minha convicção: o mensalão foi um nome fantasia de forte apelo popular, a referendar o jogo midiático. Comprar meia dúzia de parlamentares, de deputados que já faziam parte da base aliada, quando eram necessários ao menos 308 votos para aprovar emendas constitucionais, como era o caso? Não parece um despropósito, uma tolice, se pensarmos na relação custo-benefício?

Em minha análise, o que aconteceu foi caixa 2, arrecadação irregular de recursos para pagamento de dívidas de campanha, inclusive de partidos aliados. O que, novamente, não absolve o PT. Também não lhe dá o direito de alegar que "todos os partidos são assim, não foi exclusividade nossa, estamos pagando por aquilo que todos fazem, é do jogo político, foi assim desde sempre e ninguém foi punido". Se era (é) assim, o PT foi eleito para fazer diferente. E o financiamento público de campanhas, por exemplo, bandeira que o partido empunhava? Se havia fantasmas no armário, o PT chegou ao governo para exorcizá-los, não para esparramar novas assombrações. 

Na hora de contar as histórias de terror, é relevante observar que a escolha dos fantasmas que serão publicamente anunciados é seletiva - a mídia que procura e acha lá é a mesma que, para dizer o mínimo, se cala cá, empurrando alguns fatos rapidamente ao fundo do oceano, na expectativa de que sejam esquecidos. O PT é surrado; o PSDB, preservado - ou, vez ou outra, toma um pontual pito público. O mensalão petista teve origens e mantém relações umbilicais com o mensalão tucano em Minas Gerais, a envolver figurões como Aécio Neves e Eduardo Azeredo. Enquanto o primeiro tornou-se mantra repetido aos quatro cantos, o segundo é solenemente ignorado pelo jornalismo nacional. Daqui a alguns anos, quem resgatar os jornais de hoje não saberá que aconteceu no Brasil algo gravíssimo conhecido como privataria tucana. 

O falar sobre um mas não a respeito de outro esquema criminoso é apenas uma das cenas de um roteiro de perseguição (veremos em breve as razões) que ficou estabelecido desde a posse do primeiro mandato do ex-presidente Lula. O PT acreditou mesmo que seria diferente, que poderia convencer, com sua bela estrela vermelha, as empresas de comunicação a mudar de lado? Imaginou que receberia outro tratamento, tapete vermelho estendido, fartos afagos? Passou em algum momento pelas cabeças dos dirigentes petistas que os nobres sobrenomes que estampam os cabeçalhos de nossos jornais e revistas e os créditos finais de nossos telejornais deixariam assim tão facilmente de frequentar os luxuosos edifícios dos bairros nobres para se deliciar com as vielas das periferias visitadas pelo sapo barbudo? Sem respeitar limites, a mídia muitas vezes atua como Estado paralelo.

O pecado original: o PT e o governo Lula tiveram medo, não bancaram uma Lei de Meios, o controle social da informação - que, muito longe de estabelecer censura, garante o exercício responsável e plural do jornalismo, a definir deveres e direitos, e a proibir a propriedade cruzada dos veículos. Sequer o projeto chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional. Bem ao contrário, continuam a adular os mandarins da mídia, como chamaria Mino Carta, a abarrotar os cofres destas empresas com verbas públicas, por meio de campanhas de estatais e inserções publicitárias muito bem pagas. A vítima financia o algoz. Dorme com o inimigo. Que masoquismo é esse? Por fim, numa manobra covarde e lastimável, joelhos dobrados, o partido patrocinou a retirada do nome de Policarpo Junior, da Veja, do relatório final da CPI do Cachoeira, na semana que passou. 

Esse jornalismo caduco já não manda mais, temos as redes sociais e os blogs, alguns responderão. É mesmo espaço democrático fundamental, que questiona, inverte mão de direção e, vez ou outra, é capaz de obrigar os jornalões a correr atrás do prejuízo. Mas ainda é insuficiente para travar a disputa em igualdade de condições, balança equilibrada. Pode ser que esse dia chegue. Ainda não é a realidade. A azeitada engrenagem Folha-Veja-Globo é implacável e invariavelmente aponta o que merece ser discutido ou não - e como vai ser travado esse debate. Provocação de botequim: se já tivéssemos conseguido superar essa armadilha, será que estaríamos falando de mensalão ou de pareceres forjados, com as abordagens que estamos usando? Quem nos canta o ritmo e dita a letra dessa canção? Pois então.

Quando nos damos conta, estamos mais uma vez surfando nas ondas midiáticas, discutindo a corrupção que assola o país, mas a partir exclusivamente de componente moralista, e da pior espécie. É um purismo que fotografa mocinhos e bandidos (isoladamente, sem contextos ou outras variáveis), como se "o ser correto e andar na linha" fosse monopólio dos iluminados e bem formados da sociedade, e como se os "bons costumes" correspondessem à única e absoluta medida de "qualidade da vida social". Permanecem camufladas variáveis políticas da corrupção - um sistema presidencialista com superpoderes (farta distribuição de cargos de confiança), refém de cartórios instalados no Parlamento e dependente das corporações e dos especuladores nacionais e internacionais para financiar campanhas e estruturas de marketing com custos estratosféricos. Eis o debate de fundo - não enfrentado. Porque a grita moralista contra a corrupção foi o que restou à desidratada e apática oposição partidária no Brasil, que tem assim seu papel de contraponto naturalmente substituído pelos meios de comunicação. No Brasil, não há atualmente partidos de oposição, mas jornalismo de oposição.

Presas ao mimimi do "cansei", por má fé, incompetência e/ou oportunismo, não querem as oposições reconhecer ou admitir que o Brasil mudou profundamente durante a chamada Era Lula. Sim, mesmo rendendo-se ao capitalismo, e até por civilizá-lo aqui e acolá, o metalúrgico fez deste outro país, com consideráveis avanços, quando as comparações são estabelecidas com os governos anteriores. Por esta razão também, é o presidente até aqui mais bem avaliado, idolatrado pelo povo, que foi diretamente beneficiado pelas políticas lulistas. O país deixou de ser devedor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pagou a dívida externa. Em oito anos, foram criados 15 milhões de empregos formais, com carteira assinada. O salário-mínimo conheceu ganho real de quase 60%. 

Nasceram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida, o Luz para Todos. O Bolsa-Família, que dinamiza realidades locais e impulsiona a pequena economia, atendia 13 milhões de famílias em 2010, com orçamento de 13 bilhões de reais. Aproximadamente 28 milhões de brasileiros saíram da miséria e boa parcela deles foi imediatamente parar no grupo das "novas classes médias". O PIB cresceu 7,5% em 2010 - ritmo chinês. Em 2011, atingimos o menor índice de desigualdade social da história - entre 2001 e 2011, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda dos 10% mais pobres subiu 91,2%; a dos mais ricos, 16,6%. A base da pirâmide tornou-se estreita, enquanto a região intermediária dela tornou-se robusta.

O risco Brasil despencou. Foram criadas 14 universidades federais, além do ProUni. Na ciência e tecnologia, somos reconhecidos como "global player". O país voltou a ser respeitado em fóruns e organismos internacionais, a ser ouvido por lideranças mundiais, até chegar ao ponto de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter afirmado publicamente que "Lula era o cara". 

Estarão rigorosamente corretos aqueles que, em contrapartida, afirmarem que, durante a Era Lula, a reforma agrária empacou, o agronegócio prosperou exorbitantemente, o clima esquentou, os bancos acumularam ainda mais riqueza, o setor privado da educação nadou de braçada, etnias e tribos indígenas foram condenadas à própria sorte, a violência contra negros aumentou, homossexuais padeceram nas mãos de bancadas religiosas. Faço coro com quem traz à tona tais constatações. "Foi um governo conservador, com inclinação de centro-direita, com ausência de participação popular e uma presença e atuação muito fortes de lideranças empresariais burguesas liberais, que foram o marco do governo", já afirmou o sociólogo Chico de Oliveira. 

Negar que o país mudou e avançou, no entanto, me parece leviano, ainda que não tenha sido no ritmo desejado, com a profundidade que gostaríamos, e mesmo que tais transformações já não mais correspondam àquelas originalmente anunciadas pelo PT nos primeiros anos de lutas do partido. É equivocado ainda afirmar que o projeto do PT é o mesmo do PSDB - o primeiro movimentou-se ao centro, com pitadas de social-democracia; o segundo abraçou euforicamente a direita reacionária e udenista. Mas atenção, PT: as mudanças sociais não serão televisionadas. É burrice política tratar como aliado alguém que se faz de morto para engolir o governo na primeira oportunidade. Sempre que puderem, velhacos midiáticos vão produzir factoides, inventar declarações de fontes, exagerar em entrevistas, manipular dados. Jogam sujo.

Está em marcha no país - e não é fenômeno novo, vem desde a posse primeira, como escrito acima - uma tentativa torpe de recontar a história dos anos recentes no Brasil, a partir da ótica do andar de cima. Para tanto, é fundamental implodir imagens públicas (especialmente algumas delas) e desconstruir reputações. O alvo é Lula.

É preciso fazer dele um ator político inofensivo, para que não possa atuar com impacto nas próximas eleições presidenciais, relativizando e diminuindo ainda o que o governo do barbudo representou para o Brasil. Torna-se imperativo escancarar que "Lula não é o cara". Pior: é um cara nefasto, um impostor, lobo em pele de cordeiro. Não uso - e não vou usar aqui - a expressão PIG (Partido da Imprensa Golpista). É rótulo pouco preciso que serve para aliviar a barra e não raro justificar bobagens cometidas do lado de cá. Ajuda a vitimizar. Mas não vou aliviar para os meios de comunicação, que não escondem o gigantesco desejo de escantear Lula.

Minha hipótese política é: a mídia nativa nutre pelo ex-presidente profundo ódio de classe, por conta da origem social dele, das relações estabelecidas com o povão e as periferias, pelo fato de terem sido quebrados os guetos que separavam a casa grande da senzala e, principalmente, porque Lula mostrou que a democracia brasileira pode funcionar para o populacho, e não apenas para os abastados. As elites brasileiras, donos da mídia aqui incluídos, adoram a democracia - desde que ela não tenha o desagradável cheiro de povo.

É por isso que não entra na minha cabeça: por que dar de ombros, ignorar esse cenário, resignar-se diante dele e ainda por cima insistir em repetir erros primários, em cometer crimes, entregando o ouro a quem está do outro lado do balcão, que tem orgasmos políticos múltiplos a cada novo escândalo anunciado? O ex-presidente teve a chance de mudar a cultura política do país, de reforçar e qualificar relações e práticas republicanas. Mas não deu conta desse desafio.

Vá lá, a Polícia Federal opera com independência, os crimes de colarinho branco têm sido também investigados. Ponto para o governo. No conjunto da obra, no entanto, fechou-se os olhos para práticas antigas, o clientelismo, a troca de favores, a indicação de apadrinhados, a confusão entre o público e o privado. Não é por acaso que, agora e mais uma vez (lições não foram aprendidas?), é publicizada nova investigação da PF a respeito de relações escabrosas envolvendo gente muito próxima do ex-presidente. Nada me importa a vida privada de Lula. Não quero saber com quem ele dormia ou acordava. É a intimidade dele, a ser respeitada. A discussão é de outra natureza quando os braços dessa privacidade invadem a esfera pública.

Não adianta chorar, espernear, brigar com os fatos. Havia uma chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo com poder para barganhar - e conquistar - nomeações em agências reguladoras, além de pareceres forjados, negócios e contratos privilegiados, parentes contratados, diplomas falsos, sistemas do Ministério da Educação fraudados, mensagens eletrônicas falando de pagamentos, pressões por indicações. São os fatos. E não adianta recorrer à política do avestruz e dizer "não é comigo, eu não sabia". A batalha das narrativas será novamente perdida. Não é momento para soberbas, para posturas do tipo "estou acima do bem e do mal, o povo está comigo". Quem cala, consente. É perigoso apostar numa pretensa relação direta com as massas, que estará nas ruas para defender o líder popular quando e se alguém gritar 'é golpe'.

A sensação que resta é de irritadiço abandono. Porque, aqui embaixo, continuamos dando a cara a tapa e apanhando, enquanto os bailes nababescos seguem no andar de cima. Se de lá as respostas não chegam, como ficamos aqui? Se os graúdos não explicam, por que nós deveríamos fazê-lo? Tornamos-nos órfãos políticos. Porque o que em tese nos restaria é uma suposta esquerda também com cara de forte moralismo udenista e um anti-petismo tão ressentido quando rancoroso. Batem no peito para se apresentar como os donos da ética. São os "socialistas puros", os verdadeiros, que agora começam a se deparar com o monstro-devorador de ideologias da real politik. É um projeto que não me serve, não é meu número.

Com tantas confusões se misturando, e embora não tenha vocação alguma para profecias, me parece que a História está sendo generosíssima ao oferecer ao PT mais uma oportunidade - talvez a derradeira - de vir a público para um 'erramos' sincero, rotundo (como diria Leonel Brizola) e político. Pedir desculpas não é vergonha. Foi o jornalista Ricardo Kotscho quem matou a charada: chegou a hora da verdade para o PT. Para ele, "é preciso ter a grandeza de vir a público para tratar francamente tanto do caso do mensalão como do esquema de corrupção denunciado pela Operação Porto Seguro, a partir do escritório da Presidência da República em São Paulo, pois não podemos eternamente apenas culpar os adversários pelos males que nos afligem". 

Cobramos explicações. Exigimos respostas. Sem mais demoras ou enrolações. Temos a consciência das perseguições, do ódio de classe, mas recusamos a ladainha do "coitadinhos somos nós". Novamente inspirado na leitura recente da biografia do Marighella, faço como os estudantes franceses no maio de 1968, depois reproduzidos em todo mundo: sou realista, peço o impossível. Vamos continuar sonhando e lutando. Com ou sem você, PT.