quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O AI-5. E TRECHOS DO MEU TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


No dia 13 de dezembro de 1968, a ditadura civil-militar impunha à sociedade brasileira o Ato Institucional 5 e mergulhava o Brasil definitivamente nos anos de chumbo e de terror das torturas, desaparecimentos e assassinatos institucionalizados. 

Por coincidência, no dia 13 de dezembro de 1994, defendi, na ECA/USP, meu Trabalho de Conclusão de Curso - um perfil de Helena Pereira dos Santos, então presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e mãe de Miguel Pereira dos Santos, guerrilheiro revolucionário do Partido Comunista do Brasil (PC do B) covardemente assassinado pelos militares no Araguaia. O projeto foi orientado pela mestra Cremilda Medina. Fizeram parte da banca examinadora o professor Dalmo Dallari e a professora Maria Nazareth Ferreira. Aos três, meu eterno carinho e agradecimentos.

Naquela mesma noite de 13 de dezembro de 1994, uma sexta-feira, no auditório Freitas Nobre lotado, e com quase 23 anos, conheci Elisa Marconi, que se tornaria para sempre minha companheira de todas as lutas.

Dezoito anos depois, mergulhado em boa nostalgia, deu uma vontade danada de resgatar e de compartilhar alguns trechos do TCC, mais especificamente as "Considerações Finais" - até porque, e não sei se isso é bom ou ruim, me parece que continuam indicando reflexões relevantes e bastante atuais. Além de escancarar minha sempre assumida paixão pelo Jornalismo.  


 -------------
"O exemplo da guerrilha do Araguaia ilustra com perfeição essa situação: a luta dos familiares continua, há uma série de fatos que precisam ser esclarecidos, arquivos que devem ser abertos, sentimentos e situações que não podem ser represados ou contidos. Mas as elites e a imprensa passam ao largo de tudo isso, como se essa realidade simplesmente não existisse. Sabem no vespeiro que mexerão e nas consequências de se tocar em tal questão. Sabem que, se puxarem o fio, virá o novelo de lã inteiro. A saída, então, é fingir que nada disso existe. E, como no Brasil vale a máxima que diz que "não saiu na imprensa, então não existe", para a sociedade a guerrilha também passa a ser um completo mistério.   (...)

Mas não vou terminar esse trabalho com uma visão determinista e pessimista. Sim, a situação é complicada, são muitos obstáculos a superar, mas é exatamente desse ponto que devem surgir as forças transformadoras. E eu continuo acreditando muito na Universidade como pólo criador e irradiador de novos paradigmas. É na escola de Jornalismo, tão criticada e rebaixada e sem dúvidas repleta de problemas e de incapacidades, que aprendemos a sistematizar a profissão. Participamos de todo processo de produção do material jornalístico, parando para refletir sobre cada etapa. É nela que se adquire o senso crítico e onde se aprende não apenas a fazer, de maneira robotizada e burocrática, mas POR QUE fazer. É ela que deve estimular a criatividade e as iniciativas pioneiras nascidas no meio dos alunos, que deve garantir-lhes uma sólida formação humanística, nas áreas das Artes, História, Geografia, Política, Sociologia, que deve abrir espaço para os debates, as discussões.

A escola não deve sucumbir aos apelos das empresas capitalistas, adaptando-se ao mercado. Ao contrário, precisa se manter firme como instituição que tem como principal função formar cidadãos críticos, preparados para lidar com as mais diferentes realidades, ciente de que a verdade não é e não pode ser absoluta e que o jornalista é um sujeito que vive num mundo repleto de incongruências e de desafios, um mundo dinâmico, em constante transformação.

Algumas das experiências desenvolvidas, embora ainda muito tímidas, mostram que é possível e necessário acreditar e precisam ser aprimoradas. Livros-reportagens, pesquisas sobre novas práticas jornalísticas, seminários e encontros com profissionais de outras áreas, órgãos laboratoriais, semanas de Jornalismo e Trabalhos de Conclusão de Curso são algumas delas. Muito pouco? Pois bem, então que se incentive ainda mais o Jornalismo criador, renovador, transformador. Que se forme o jornalista capaz de sacudir o mundo. Que se tente de novo, e mais uma vez, e que não se pare nunca de tentar, de criar. Eis a razão maior de nossa existência. Que se inundem as redações com esses novos jornalistas, que formarão sólidos grupos de resistência ao pragmatismo reducionista. Que se mostre ao jornalista que ele também pode cercar as grandes empresas pelas bordas, nos sindicatos, nas ONGs, associações de bairros, imprensa alternativa. Que se faça da Universidade a nascente de ondas de contra-cultura, impregnadas pelo humanismo contextualizador, irrequieto, questionador, revolucionário, romântico, idealista, analítico, cheio de sentimentos e emoções, polifônico e polissêmico.

Afinal de contas, o Brasil tem uma História e histórias que precisam ser recontadas e reescritas, sem censuras, sem preconceitos, sem tabus. Histórias como a de Helena e dos guerrilheiros desaparecidos e assassinados no Araguaia. Histórias dos negros, índios, meninos de rua, favelados, famintos, dos que não têm seus direitos respeitados. Histórias de um povo. 

Este trabalho é minha pequena contribuição aos que acreditam numa nova forma de encarar a profissão. Responde a muitas das minhas angústias e aflições, permitiu que eu colocasse em prática aquilo que penso ser uma reportagem. (...) Selou também um compromisso político, determinou as linhas mestras de uma filosofia de vida. Com ele, começo a me tornar jornalista. Um jornalista apaixonado pelo que faz. (...) Meu diploma não servirá apenas para ficar pendurado na parede do quarto. Ele será minha arma e com ele farei minha revolução. E quando eu chegar à velhice para escrever minhas últimas palavras, meu último texto, quero olhar para trás e perceber que deixei uma mensagem, uma semente plantada para as gerações e companheiros que me seguiram. Com os olhos cheios de lágrimas, vou então estufar o peito, assinar o texto e dizer bem alto: valeu a pena!

Chico Bicudo
Dezembro de 1994"

Nenhum comentário:

Postar um comentário