quarta-feira, 29 de agosto de 2012

BREVÍSSIMAS REFLEXÕES SOBRE A GUERRA DE TORCIDAS NO JULGAMENTO DO MENSALÃO

Fonte - www.uol.com.br
Fonte - www.folhapaulistana.com.br


O julgamento do "mensalão" no Supremo Tribunal Federal (STF) transformou-se definitivamente em mais um capítulo da acirrada disputa de torcidas que marca o atual empobrecido cenário político brasileiro. As arquibancadas foram ocupadas e tomadas de assalto pelas duas organizadas, a pular freneticamente, a agitar bandeiras e a entoar gritos de guerra. 

No final da semana passada, um lado estourava rojões e comemorava efusivamente o voto do ministro Ricardo Lewandowski (uma espécie de capitão de uma das alas), que isentou de culpa o deputado federal João Paulo Cunha (PT/SP); vindos desse espaço no estádio, só se ouviam elogios incontidos à Corte máxima brasileira e salvas de palmas ao "amadurecimento da democracia nacional". 

Enquanto isso, a outra metade do estádio não escondia expressões raivosas, chutava cadeiras e se apressava a denunciar "o STF como a vergonha do Brasil", entendendo que Justiça só seria feita com julgamento sumário, tribunal de exceção, quase a exigir prisão perpétua (quiçá pena de morte) em presídio em uma ilha distante e perdida para todos os envolvidos no escândalo. Qualquer veredito que escapasse dessa demanda seria entendido como "frustrante, tudo terminou mesmo em pizza". 

Pois o jogo é dinâmico, o curso da disputa mudou - e, com ele, o rumo da prosa foi também drasticamente alterado. Hoje, depois dos votos dos ministros Carmen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux (a primeira, indicada pelo ex-presidente Lula; os outros dois, indicados pela presidenta Dilma Rousseff), que acompanharam o relator Joaquim Barbosa (o capitão da outra equipe), a metade do estádio que se derretia em elogios acusa duramente o STF de "fazer o jogo da mídia grande", de "ceder às pressões da opinião pública", de "não julgar de acordo com as provas e de criar precedentes perigosos". Em comportamento às avessas, para esses torcedores, é como se Justiça só pudesse ser alcançada com a absolvição incondicional de todos os réus, como se ao STF só coubesse a tarefa de oferecer a todos os denunciados atestados incontestes de inocência. 

A festa agora move a outra metade do campo, os que passaram o final de semana de péssimo humor, que abrem largos sorrisos para, sem pudor ou constrangimentos, jogando para debaixo do tapete as críticas que faziam até então, derreterem-se em palavras graciosas e adjetivos para ressaltar a atuação "sublime, perfeita, independente e republicana" do Supremo.

Ao que tudo indica, assim seguiremos até o final do julgamento. Cada voto será comemorado como um gol - e o outro lado vai se apressar a indicar alguma irregularidade no tento, um impedimento de um jogador, uma falta cometida no meio do campo, algum objeto atirado no gramado pela torcida adversária...

Como anunciaria o genial e saudoso locutor Fiori Gigliotti, "abrem-se as cortinas"... E "o show deve continuar", completaria o também genial e saudoso Freddie Mercury.    

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O QUE ESPERAR DE UM PAÍS QUE NÃO LÊ?

Foto: POR ESO ESTE EQUIPO ESTA CONFORMANDO BIBLIOTECAS POPULARES Y UNA DE ELLA---PARA NOSOTROS TODO UN SIMBOLO Y UN HOMENAJE A UNA GRAN PERSONA SE LLAMA BIBLIOTECA POPULAR ROUSS-----TE 20463043----EL PLUMERILLO 666-670-VILLA CENTENARIO

A seleção natural e a evolução das espécies foram extremamente generosas e nos concederam o privilégio da condição humana, o exercício cotidiano de habilidades exclusivamente garantidas ao Homo sapiens, que pensa, constrói conhecimento com base na racionalidade, tem consciência sobre esse processo e sistematiza suas memórias. Em grande medida, nos tornamos humanos porque alcançamos a capacidade de nos comunicar. É a comunicação quem nos conecta com os desafios, os perigos e os encantos do mundo, que nos garante a realização e a troca de experiências, que estabelece o intercâmbio de ideias, que estoura as represas de segredos e costura redes de sociabilidade, de pertencimento e de reconhecimento. Por meio da comunicação, nos revelamos e nos desnudamos, com tudo aquilo que carregamos de bom, e também em nossos preconceitos e intolerâncias. Para comunicar, é preciso ler - muito, e de tudo um pouco: obras clássicas, romances, livros técnicos, poesias, contos, crônicas, jornais, revistas, relatórios, cartazes, bulas de remédio. É preciso ler, para ler criticamente o mundo. E dar sentido à comunicação. Não quero aqui ser cavaleiro do apocalipse, mas, se essas relações todas continuam valendo, e a considerar notícias divulgadas recentemente, minha suspeita é que a distância que nos separa do abismo da desumanização e da imbecilização é cada vez menor.

Feita pelo Instituto Pró-Livro e pelo Ibope e divulgada em março último, a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil" entrevistou 5.012 pessoas em 315 cidades do país. Trouxe à tona uma fotografia preocupante, para dizer o mínimo: apenas 50% dos brasileiros declaram-se leitores (eram 55%, em 2007). Detalhe: para a pesquisa, leitor é aquele que tivesse lido ao menos uma obra (ainda que apenas parte dela) nos três meses anteriores à realização do levantamento. Muito pouco. Ainda de acordo com a pesquisa, o brasileiro lê em média, por ano, quatro livros (e dois sequer são terminados). Bibliotecas são espaços solenemente desconhecidos e não frequentados por 75% dos entrevistados. Na lista das atividades que os brasileiros mais gostam de fazer quando dispõem de tempo livre, a leitura ocupa um modesto sétimo lugar (é a preferida de 28%, contra 36% em 2007). Fica atrás da televisão, do ouvir música, do descanso, das reuniões com a família, dos filmes em DVD e das saídas e baladas com os amigos. 

Apesar do crescimento da economia do país  nos últimos anos, da comemorada ascensão das novas classes médias e do amplo acesso ao ensino superior, os brasileiros estão gastando menos com livros. A pesquisa "O livro no orçamento familiar", que considera por sua vez dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as famílias gastavam 160 reais por ano com livros, no biênio 2002/2003; quando considerado o período 2008/2009, esse investimento cai para 128 reais. Preferimos gastar com jogos eletrônicos, celulares, baladas, roupas da moda...

Os estudantes brasileiros, aliás, são os que têm menos livros em casa, de acordo com levantamento feito pelo Movimento Todos pela Educação, considerando informações geradas pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) de 2010, envolvendo 65 países. É para ficar um pouco mais arrepiado: 39% dos nossos estudantes diziam possuir, no máximo, dez obras em suas estantes. Cabem todas numa micro prateleira, escondida em qualquer canto de qualquer ambiente doméstico. Trocando em miúdos: nossos alunos não estão formando suas próprias bibliotecas básicas, não cultivam o hábito da leitura em suas residências. E o cenário que se manifesta dramático dentro de casa não é infelizmente muito diferente quando voltamos os olhares para o ambiente escolar - ainda segundo o Movimento, 106 mil escolas espalhadas pelo Brasil ainda não tinham organizado suas bibliotecas e salas de leitura, em 2010.

Na ponta final, mais um dado que deveria ser motivo de vergonha nacional: 38% dos estudantes universitários brasileiros não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, de acordo com trabalho feito pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa. Sim, estamos falando de uma certa elite intelectual (ao menos deveria ser encarada dessa maneira), daqueles que concluíram o ensino médio, passaram por vestibulares e processos seletivos e alcançaram o ensino superior. São alunos que até dominam tecnicamente a leitura e a escrita, conseguem juntar "B + A = BA", mas não são capazes de interpretar e de estabelecer relações e conexões, a partir das leituras que fazem. 

O triste é aceitar que, se são tenebrosos, os resultados aqui expostos não chegam a surpreender. O fato é que o brasileiro, por uma série de razões (pauta para outra discussão), transformou a leitura num fardo, numa tarefa chata, enfadonha, sem significados, a ser burocraticamente cumprida apenas quando os professores nos obrigam, porque afinal de contas é preciso tirar nota na prova. Por aqui, quem manifesta explicitamente gostar de ler corre o risco de ser rotulado como "nerd". Quase um extra-terrestre. Ler? Para quê?

Talvez o Ministério da Educação e outras autoridades ligadas à área devessem olhar com mais carinho e atenção para essa realidade, antes de pretender viabilizar soluções mágicas e mirabolantes para alcançar resultados melhores em avaliações como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Talvez uma das saídas (não suficiente, claro, mas imprescindível) para enfrentar as crises da educação nacional esteja em formar mais e melhores leitores, em fazer da leitura uma prioridade nacional, em ter bibliotecas funcionando, com bons acervos e contadores de histórias sempre por perto, em cada quarteirão. Talvez seja momento de refletir sobre nosso acelerado processo de recusa à leitura e da consequente desumanização que a opção nos traz. 

Estamos perigosamente abrindo mão de nossa condição humana. O escritor português José Saramago já alertava para o fato de estarmos nos transformando rapidamente na "sociedade dos grunhidos" (ele não se referia especificamente ao Brasil, mas...). Outro Nobel de Literatura, o peruano Mario Vargas Llosa, escreveu que "quem não lê fala muito, mas diz pouco". Quem dera estivéssemos mesmo dispostos não apenas a compartilhar a imagem nas redes sociais, mas a seguir de fato a sugestão da genial Mafalda, no quadrinho que ilustra esse texto.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

QUE TIPO DE SER HUMANO ESCREVE BARBARIDADES NO BLOG DE UMA CRIANÇA?

Tentei segurar, represar, mas resolvi que era melhor extravasar. E compartilhar com meus sempre generosos leitores minha profunda indignação. Escrevo com os dedos tremendo e latejando, o peito apertado. Nem sei se foi hoje, se as barbaridades foram escritas ontem, no domingo, na semana passada. A raiva estourou no coração, na alma, e não prestei atenção no registro da data. Mas o fato é que algum troglodita, um patife (peço licença para usar uma expressão, precisa, anotada pelo amigo Alceu Castilho) entrou no Blog da filhota Luiza, uma criança de dez anos, protegido pelo cínico anonimato e apenas para deixar comentários ofensivos e por lá vomitar preconceitos e frustrações, em vários posts dela. Eram coisas como "você é gorda, obesa, nojenta, só quer aparecer, é pobre, é pobre de espírito, uma cretina", entre outras tantas agressões. Ela desmontou. Ficou pálida e chorou copiosamente, sem conseguir entender ou aceitar tanta violência. Por que, pai? O que é isso? Conversamos longamente sobre os escritos, sobre o potencial de liberdade da internet, sobre o esgoto fedorento em que pode se transformar a rede, sobre responsabilidades humanas, sobre covardias, sobre resistências. Falei, ela falou. No final, dei um abraço apertado nela, um beijo estalado especial no rosto inconformado e molhado pelas lágrimas. Mas Luiza continua amuada. E vai ser assim por um tempo. Não é fácil.

Sim, pode ter sido uma criança desconhecida, um colega de escola ressentido, apenas querendo "brincar", muito embora eu considere que não é desse tipo de brincadeira de que nossa infância carece. E, se for isso mesmo, o que me deixa estarrecido é saber que há quem esteja formando essas crianças e pactuando com essas brincadeiras, nada lúdicas, nada inocentes, nada civilizadas. Que valores estão sendo passados a essas crianças? Vale tudo? Não há regras, respeito, não são ensinadas sobre princípios de tolerância, de dignidade? Que adultos serão essas crianças? De que pais educadores falamos? Ausentes? Omissos? Coniventes? Pilantras? Aqueles que abastecem seus filhos com bens materiais cada vez mais caros, os jogos eletrônicos da moda e as bonecas importadas, achando que essa "riqueza" será suficiente para suprir o vazio de princípios morais? Estão esses pais apenas a reforçar patologias crônicas, em uma sociedade que se anuncia com quadros de doenças sociais cada vez mais graves e agudos? Por favor, é da infância que estou falando!

Há indícios e pistas de que talvez tenha sido um adulto, que conheço bem, de quem procuro manter distância, mas que é um cretino fundamental, um babaca frustrado que tenta invariavelmente postar comentários semelhantes no meu Blog. Levanto essa possibilidade porque o estilo é o mesmo, o tom é o mesmo, as frases curtas, os adjetivos usados, a estratégia de espalhar a nojeira por vários posts. Chama a atenção por exemplo o "você é mimada, vazia, pobre de espírito" que apareceu por lá. Não me parece, sinceramente, expressão e vocabulário usados corriqueiramente por criança. Assusta e preocupa um comportamento tão consciente quanto nefasto e que é cada vez menos exceção, assumindo-se como regra. Não é caso isolado, perdido. E metonímia social - a parte que representa um todo. E, se confirmada a suspeita (tomo cuidado para não ser leviano, para agir com responsabilidade), teremos então a covardia de um crápula elevada à enésima potência: além de se esconder no anonimato, bate na filha para atingir o pai. Talvez o imbecil esteja me lendo agora. Pois saiba que você está sendo filmado. Por advogados, inclusive.

Luiza gosta muito de ler e de escrever, desde muito pequena. É um de seus passatempos prediletos. A vontade de ter um Blog nasceu desse encanto, com espontaneidade, inspirada também pelos blogs dos pais. Incentivamos a iniciativa, acompanhamos de perto as postagens dela, a empolgação em poder compartilhar aquilo que ela pensa, o que vive na escola, nos passeios, com os amigos, nas brincadeiras. Acreditamos que o Blog pode ser mais um exercício livre e lúdico de escrita, de sistematização de narrativas, de sofisticação de argumentos, de construção ativa e criativa de um ser humano mais feliz e generoso. Informalmente, recebemos inclusive palavras e mensagens de apoio de professores da escola onde Luiza estuda, todos eles felizes e empolgados com a vibração da pequena, reconhecendo que o Blog carrega consigo evidente potencial educativo, de formação cidadã. Não raro, o que ela escreveu por lá se transformou em belíssimas e ricas discussões em nossas mesas de almoço, em reuniões de família. E vice-versa. 

Por razões óbvias, e mesmo com nossas imperfeições e limitações, estivemos e estamos sempre atentos com a presença dela na internet, sabemos quais são os sites que ela visita, os computadores que usa ficam na sala, à vista de todos, conversamos muito sobre redes sociais e seus riscos (ela não está no face, nem no twitter; tampouco tem celular). É ainda uma criança, inteligente, em processo de formação, amadurecendo, ao mesmo tempo ainda frágil, inocente, o que exige os braços responsáveis de conforto e proteção e os olhos de segurança dos pais a acompanhá-la. Assim procuramos agir. No entanto, nesse caso, fomos ingênuos, eu e Elisa Marconi. Reconhecemos o erro. Liberamos inicialmente todos os comentários que fossem postados no Blog. Confesso de peito aberto e honestamente que em momento algum passou pela minha cabeça que a atrocidade de cretinices selvagens e abjetas pudesse se manifestar. Tolice. Avaliamos ainda que seria mais uma tarefa - a moderação - com a qual Luiza teria de lidar. Bem, por conta do ocorrido, assim será. Luiza vai continuar escrevendo no Blog. Mas apagamos os comentários pestilentos e fedorentos. E estabelecemos que, a partir de hoje, todos serão moderados. 

Ainda estamos remoendo e digerindo o episódio. Seguimos. A sensação que fica, ao menos por enquanto, é de derrota, de fracasso, de que a humanidade parece ser definitivamente um projeto falido, como diria o escritor português José Saramago. Talvez seja clichê. Mas é assim que meu coração fala.

domingo, 12 de agosto de 2012

LONDRES ESCANCAROU UM BRASIL MUITO DISTANTE DA "POTÊNCIA OLÍMPICA"

Simbolo das Olimpíadas de Londres 2012

Não quero escrever sobre o futebol masculino, que disputou uma final olímpica esbanjando firulas e toques de efeito, mas que sucumbiu à disciplina, à organização, ao jogo bem treinado e ao verdadeiro desejo de vencer dos mexicanos. Também não vou escrever sobre o vôlei masculino, que merece aplausos pela justíssima e valiosa medalha de prata conquistada (a mesma cor, aliás, da medalha do futebol, embora as considerações sobre as duas sejam bem distintas), mas que viu seu técnico, um vencedor, ficar atônito e sem saber como agir nos momentos decisivos da final, diante de um adversário, o técnico russo, que ousou taticamente e ajudou a equipe dele a levar o ouro para casa. Tampouco estou disposto a dar atenção a frases feitas e clichês de alguns de nossos favoritos (repetindo, favoritos) - "não deu, fiz o máximo, foi o possível, não tem explicação, faltou bem pouco..."; e não quero por fim discutir o cansaço, o vento contrário e outras tantas condições adversas de pressão e temperatura que porventura possam ter derrotado nossos atletas de ponta. Desejo apenas, e brevemente, compartilhar com os leitores quatro emblemáticas histórias que sopram da capital inglesa e que talvez, quem sabe, possam trazer alguns ensinamentos às autoridades esportivas brasileiras, que não escondem a vontade de transformar nosso país em uma "emergente potência olímpica". A saber:

1 - A boxeadora brasileira Adriana Araújo foi a primeira representante do país a subir ao pódio da modalidade em Londres (seria seguida pelos irmãos Falcão). Feito histórico, não apenas por ter sido alcançado 44 anos depois da até então única medalha brasileira no boxe (Servílio de Oliveira, na Cidade do México, em 1968), mas também porque a vitória (sim, vitória) de Adriana veio no ano em que o boxe feminino foi introduzido nas disputas olímpicas. Méritos, todos eles, para a atleta e para o técnico dela. Tenho cá minhas dúvidas se algum representante do nosso Comitê Olímpico Brasileiro (COB) tinha conhecimento do potencial a da relevância da boxeadora para o esporte nacional. Será que ela foi reconhecida, cumprimentada na Vila Olímpica por algum chefão do Comitê? Talvez fosse, para os dirigentes esportivos, mais uma ilustre desconhecida, aventureira. Pois depois da medalha, o presidente da Confederação Brasileira de Boxe, Mauro Silva, tentou faturar os louros da vitória. Adriana foi na jugular. Deixou bem claro, publicamente, sem papas na língua, o cinismo do dirigente, que tentava se apropriar de algo que praticamente boicotara durante os anos de preparação para os Jogos, quando Adriana foi obrigada a abandonar Salvador, sua cidade natal, e onde treinava (tendo assim sido sete vezes campeã das Américas), para treinar em São Paulo, longe de seu ambiente e de sua família, "para se tornar competitiva". Aos jornais, Adriana declarou que chegou a ser humilhada por autoridades da Confederação. Pois o mesmo comportamento oportunista pode ser considerado em relação aos irmãos Falcão, Esquiva e Yamaguchi, medalhistas olímpicos - graças aos esforços individuais. Talvez querendo ficar bem na fita, o COB convidou Esquiva para ser o porta-bandeira do Brasil na cerimônia de encerramento dos Jogos. Alguém pensou em convidar o boxeador para cumprir a tarefa na abertura da Olimpíada? Sem apoio, os irmãos pensam em migrar para o MMA. Ah, mas o COB promete prestigiar o boxe para 2016. Bacana.

2- Um dos três únicos medalhistas de ouro do Brasil em Londres, o ginasta Artur Zanetti foi formado sem a contribuição da Confederação da modalidade e do COB. Sessenta dias antes da Olimpíada, não tinha patrocínio de empresa privada. Treinou sempre no clube Sociedade Recreativa Santa Maria, em São Caetano, região do ABC paulista, com equipe bancada por uma associação de pais do clube e do município. Para treinar, chegou a usar aparelhos feitos pelo pai, que é torneiro mecânico e marceneiro. Depois da medalha de ouro, Artur passou a ser a estrela de um comercial da Sadia, patrocinadora da ginástica brasileira (que resolveu descobrir o campeão das argolas dois meses antes de Londres, como se viu), substituindo Diego Hypólito, que aparecia como protagonista da peça publicitária na primeira semana de disputas - mas que, depois do tombo na apresentação no solo, acabou sendo cuspido, descartado e escondido pelo patrocinador, em atitude para lá de cínica e oportunista. Ausente, o COB não foi sequer capaz de rebater as críticas do ginasta chinês Chen Yibing, medalhista de prata nas argolas e que publicamente atacou o brasileiro, acusando-o de ter sido "favorecido pelos julgadores que deram as notas". 

3- No taekwondo, os holofotes estiveram voltados para Natalia Falavigna, medalhista de bronze em Pequim, desclassificada na primeira fase em Londres. Na capital inglesa, quem fez belíssimas e duríssimas lutas foi Diogo Silva, que chegou à disputa do bronze e acabou perdendo a medalha no último segundo, numa decisão apertada, após avaliação de imagens pelos árbitros. Sem o bronze, Diogo desabafou aos jornais, de forma tão lúcida quanto digna: "Há três tipos de atletas: os medalhistas, os patrocinados e os operários. Os dois primeiros não falam nada. Quem está ferrado é quem vai à luta. Mas quem fica sem medalha volta para o buraco. O que fiz, chegar a disputar uma semi-final, foi para poucos. Quem me criticar não sabe nada de esporte". Talvez se Diogo tivesse recebido um pouco mais, só um pouquinho mais de atenção, apoio, estrutura...

4- Segundo números divulgados pela Folha de São Paulo, a Jamaica conquistou, em sua história olímpica, 67 medalhas, entre ouros, pratas e bronzes. Atenção - 66, isso mesmo, 66 delas vieram do atletismo, sobretudo nas provas de curtas distâncias (100, 200, 400 metros e revezamentos, masculino e feminino). O que significa dizer que os jamaicanos se especializaram em correr - muito. Literalmente. É como se os atletas de lá se preparassem para um campeonato olímpico especial, à parte. Souberam reconhecer habilidades, ofereceram infra-estrutura e centros de treinamento específicos, formaram bons técnicos, a partir de opção e de estratégias conscientes e inteligentes. Vencedoras. Não é errado dizer que os jamaicanos são os donos das provas de  tiro rápido no atletismo, capazes de forjar gênios extremamente simpáticos como Usain Bolt, uma lenda do esporte. Detalhe: a Jamaica tem população de cerca de três milhões de pessoas e Produto Interno Bruto de 25 bilhões de dólares, aproximadamente. Segundo detalhe: a Jamaica terminou os Jogos de Londres na décima oitava posição no quadro de medalhas (4 de ouro, 4 de prata, 4 de bronze). Ficou na frente do Brasil, o vigésimo segundo.

E então, dirigentes do COB (Carlos Artur Nuzman, especialmente), ministro Aldo Rebelo e presidentes (muitos, quase vitalícios) de confederações e federações? Querem mesmo fazer do Brasil uma potência olímpica? Sem garantir que o dinheiro investido (foram mais de dois bilhões de reais, neste ciclo olímpico) chegue aos atletas? Sem esportes nas escolas? Sem uma política nacional de práticas esportivas? Será? Pois o tempo é cada vez mais curto. O Rio de Janeiro está logo aí. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

ERA UMA VEZ O MENSALÃO MINEIRO...



Aos que estão acompanhando o julgamento do chamado mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), recomendo fortemente que corram já à banca de jornal mais próxima para comprar a edição de agosto da revista Piauí, que traz como destaque de capa o "Mensalão à mineira". Sem pretender inventar a roda, e colocando em prática a tradição da grande reportagem (contar bem uma boa história, com antecedentes e contextos), a repórter Daniela Pinheiro (a mesma autora dos perfis mais que recomendados de Ricardo Teixeira e Silas Malafaia, também publicados pela Piauí) dedica-se a costurar uma narrativa de fôlego que remonta às origens do esquema idealizado e operado por Marcos Valério em Minas Gerais, em favor do PSDB daquele estado, numa espécie de "saiba como tudo começou". Sem adjetivos, atendo-se às informações, a reportagem se impõe por sua qualidade jornalística, estabelecendo-se como um oásis de explicações, num deserto escaldante e seco de fragmentos e condenações. É leitura obrigatória. 

Daniela conta como a SMP&B, já em 1996, havia alcançado o status de mais importante agência de publicidade de Minas Gerais, com contratos firmados com estatais importantes, como a Usiminas; ainda assim, pessimamente administrada, acumulava dívidas de doze milhões de reais. A alternativa talvez fosse decretar a falência, caso um dos donos da empresa, Cristiano Paz, não tivesse sido procurado no escritório por um figura desconhecido, mas articulado, convincente e cheio de ideias - Marcos Valério de Souza, que até acumulava passagens tão obscuras quanto estranhas pelo Banco do Estado de Minas Gerais (BEMGE) e pelo mercado financeiro. Ele garantia conhecer os caminhos das pedras para tirar a agência do buraco. 

"Enquanto esperava (a resposta dos donos), Marcos Valério agiu. À Justiça, ele disse ter conhecido o então presidente da Confederação Nacional do Transporte, Clésio Andrade, quando ambos faziam cooper na lagoa da Pampulha. Abordou o empresário, apresentou-se como representante dos donos da SMP&B e revelou ter uma proposta irrecusável: Andrade entraria como sócio da massa falida da empresa, que se recuperaria em breve". A oferta era inusitada, para dizer o mínimo. No entanto, talvez porque ambos, em silêncio e solitariamente, já vislumbrassem caminhos futuros, Clésio Andrade resolveu assumir a direção do negócio e tornou-se sócio majoritário da agência. Marcos Valério, como lembra a reportagem, ficou com 10% das ações e, muito melhor, o cargo de diretor-financeiro da empresa, viabilizando uma manobra que seria fundamental para seus planos vindouros.

Como narra Daniela, "a estratégia de Valério foi declarar a morte da SMP&B Publicidade - e  assim enterrar suas dívidas - e fazer nascer das cinzas a SMP&B Comunicação, de ficha limpíssima. Estariam assim credenciados para prosseguir no mercado e principalmente se embrenhar em uma nova seara - a de campanhas políticas". À repórter, o deputado estadual Sávio Souza Cruz (PMDB/MG) reforçou que "a grande sacada de Marcos Valério foi vislumbrar o que ele podia fazer com uma agência de publicidade na mão, a dois anos de uma eleição. (...) A agência já tinha credibilidade, já tinha contratos com o governo e com as empresas do estado, que eram suas maiores clientes. Bastou ele amarrar o pacote". 

Saía assim de cena o financiamento de campanhas políticas via caixas dois viabilizados por contas fantasmas, como havia ficado escrachado durante a passagem de Fernando Collor de Melo pela Presidência da República, e já bastante visado e desgastado, apesar de não totalmente abandonado. O propósito era conduzir as falcatruas por meio da agência, o que "parecia representar uma novidade insuspeita nas relações promíscuas entre a política e o poder privado". Em pouco tempo, o hábil e sedutor Valério transitava com tranquilidade também pelos corredores do governo federal, não sem antes ter comprado, em Minas, seu principal concorrente, a DNA Publicidade. Continuemos juntando as pontas: dois anos depois, em 98, Clésio de Andrade deixou a agência para se candidatar a vice na chapa do tucano Eduardo Azeredo, candidato à reeleição ao governo do estado. Resultado imediato: as contas de publicidade de Valério foram dobradas. E ganha um doce quem adivinhar quem assumiu a área de comunicação da campanha do PSDB. 

Foi quando o esquema começou a funcionar de fato. A SMP&B já tinha, havia dez anos, a conta do Enduro Internacional da Independência (prova de motociclismo). Por ordem do governo de Azeredo, três estatais (a mineradora Comig; Copasa, de saneamento; e o Bemge) foram obrigadas a assumir cotas de patrocínio do evento, irrigando os cofres de Marcos Valério com uma bolada de três milhões e meio de reais. Verbas públicas. Lembra Daniela que "de acordo com o Ministério Público Federal, os diretores das estatais eram amigos pessoais de Azeredo ou participaram de sua campanha eleitoral. (...) Na mesma época, o tesoureiro da campanha (à reeleição), Claudio Mourão, com quem Azeredo mantinha uma relação de amizade havia mais de uma década, bateu às portas da agência de Marcos Valério".  

Começavam também os empréstimos (que mais tarde se tornariam famosos) tomados dos bancos Rural e BMG para dar conta de despesas de campanha. "O primeiro empréstimo foi de dois milhões de reais. Dias depois, houve outro, de nove milhões de reais. Como garantia, a empresa de Valério apresentava notas promissórias e contratos com o governo de Minas Gerais - o que, segundo a denúncia (processo que corre na Justiça), só seria possível com o aval das autoridades estaduais". A estratégia: confundir para escapar da fiscalização. E de punições. 

Continua a reportagem: "Segundo o ministro Joaquim Barbosa, o modus operandi adotado por Marcos Valério ao se envolver com petistas e tucanos foi misturar dinheiro limpo com dinheiro sujo em suas contas. Funcionava assim: a SMP&B pegava um empréstimo junto ao Banco Rural e, ao mesmo tempo, era paga por serviços de publicidade que seriam feitos para estatais mineiras. O dinheiro entrava nas contas, misturava-se com a contabilidade normal da empresa e era usado para quitar os empréstimos". Ficavam todos felizes, com as mais diferentes demandas atendidas: o dinheiro público que saía das estatais ajudava a pagar campanhas e financiava os negócios promissores de Marcos Valério; fontes de empréstimos camaradas, os bancos se "qualificavam" para concretizar negócios privilegiados com o Estado - perdiam aqui para recuperar, com extras, acolá. 

Até que o ex-presidente Itamar Franco venceu Azeredo nas eleições de 98, em segundo turno. O esquema ruiu? Nem tanto. "Ainda assim, a SMP&B se manteve em alta. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a agência ganhou as contas dos ministérios do Trabalho e dos Esportes, além da estatal Eletronorte. Também foi contratada por prefeituras do PSDB e pelo governo de Goiás, sob a batuta do tucano Marconi Perillo. (...) A empresa voltaria a ter as principais contas do governo de Minas Gerais em 2002, com a eleição de Aécio Neves".

Também em 2002, Lula foi eleito para a Presidência da República. Disposto a não perder negócios - e com experiência acumulada para dar e vender - Marcos Valério manteve-se sempre por perto do governo federal, a distribuir afagos e carinhos, como a dizer 'estou por aqui'. Conta a reportagem que foi "no ano seguinte que Marcos Valério foi apresentado a Delúbio Soares pelo deputado do PT mineiro Virgílio Guimarães, de quem era amigo de infância. Esse encontro mudou definitivamente os rumos de sua até então profícua carreira como operador de campanhas eleitorais", escreve Daniela.

Em 2003, o PT acumulava dívidas de campanha que chegavam a 60 milhões de reais. Delúbio, tesoureiro do partido, era pressionado a dar um jeito. Qualquer jeito. O PT tinha um problemão; Marcos Valério, a solução. Começava ali o "era uma vez o esquema operado pelo Partido dos Trabalhadores...", agora julgado no STF. Daniela cita ainda na reportagem o ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, para quem a "experiência mineira foi a origem e o laboratório do mensalão, e Azeredo teria sido um dos principais mentores e o principal beneficiário do esquema".

Como já ensina a Lei de Lavoisier, "na natureza nada se cria, nada se perde; tudo se transforma". Que bom que ainda existem jornalistas como Daniela Pinheiro, sempre disposta a reportar essas transformações.