terça-feira, 21 de agosto de 2012

QUE TIPO DE SER HUMANO ESCREVE BARBARIDADES NO BLOG DE UMA CRIANÇA?

Tentei segurar, represar, mas resolvi que era melhor extravasar. E compartilhar com meus sempre generosos leitores minha profunda indignação. Escrevo com os dedos tremendo e latejando, o peito apertado. Nem sei se foi hoje, se as barbaridades foram escritas ontem, no domingo, na semana passada. A raiva estourou no coração, na alma, e não prestei atenção no registro da data. Mas o fato é que algum troglodita, um patife (peço licença para usar uma expressão, precisa, anotada pelo amigo Alceu Castilho) entrou no Blog da filhota Luiza, uma criança de dez anos, protegido pelo cínico anonimato e apenas para deixar comentários ofensivos e por lá vomitar preconceitos e frustrações, em vários posts dela. Eram coisas como "você é gorda, obesa, nojenta, só quer aparecer, é pobre, é pobre de espírito, uma cretina", entre outras tantas agressões. Ela desmontou. Ficou pálida e chorou copiosamente, sem conseguir entender ou aceitar tanta violência. Por que, pai? O que é isso? Conversamos longamente sobre os escritos, sobre o potencial de liberdade da internet, sobre o esgoto fedorento em que pode se transformar a rede, sobre responsabilidades humanas, sobre covardias, sobre resistências. Falei, ela falou. No final, dei um abraço apertado nela, um beijo estalado especial no rosto inconformado e molhado pelas lágrimas. Mas Luiza continua amuada. E vai ser assim por um tempo. Não é fácil.

Sim, pode ter sido uma criança desconhecida, um colega de escola ressentido, apenas querendo "brincar", muito embora eu considere que não é desse tipo de brincadeira de que nossa infância carece. E, se for isso mesmo, o que me deixa estarrecido é saber que há quem esteja formando essas crianças e pactuando com essas brincadeiras, nada lúdicas, nada inocentes, nada civilizadas. Que valores estão sendo passados a essas crianças? Vale tudo? Não há regras, respeito, não são ensinadas sobre princípios de tolerância, de dignidade? Que adultos serão essas crianças? De que pais educadores falamos? Ausentes? Omissos? Coniventes? Pilantras? Aqueles que abastecem seus filhos com bens materiais cada vez mais caros, os jogos eletrônicos da moda e as bonecas importadas, achando que essa "riqueza" será suficiente para suprir o vazio de princípios morais? Estão esses pais apenas a reforçar patologias crônicas, em uma sociedade que se anuncia com quadros de doenças sociais cada vez mais graves e agudos? Por favor, é da infância que estou falando!

Há indícios e pistas de que talvez tenha sido um adulto, que conheço bem, de quem procuro manter distância, mas que é um cretino fundamental, um babaca frustrado que tenta invariavelmente postar comentários semelhantes no meu Blog. Levanto essa possibilidade porque o estilo é o mesmo, o tom é o mesmo, as frases curtas, os adjetivos usados, a estratégia de espalhar a nojeira por vários posts. Chama a atenção por exemplo o "você é mimada, vazia, pobre de espírito" que apareceu por lá. Não me parece, sinceramente, expressão e vocabulário usados corriqueiramente por criança. Assusta e preocupa um comportamento tão consciente quanto nefasto e que é cada vez menos exceção, assumindo-se como regra. Não é caso isolado, perdido. E metonímia social - a parte que representa um todo. E, se confirmada a suspeita (tomo cuidado para não ser leviano, para agir com responsabilidade), teremos então a covardia de um crápula elevada à enésima potência: além de se esconder no anonimato, bate na filha para atingir o pai. Talvez o imbecil esteja me lendo agora. Pois saiba que você está sendo filmado. Por advogados, inclusive.

Luiza gosta muito de ler e de escrever, desde muito pequena. É um de seus passatempos prediletos. A vontade de ter um Blog nasceu desse encanto, com espontaneidade, inspirada também pelos blogs dos pais. Incentivamos a iniciativa, acompanhamos de perto as postagens dela, a empolgação em poder compartilhar aquilo que ela pensa, o que vive na escola, nos passeios, com os amigos, nas brincadeiras. Acreditamos que o Blog pode ser mais um exercício livre e lúdico de escrita, de sistematização de narrativas, de sofisticação de argumentos, de construção ativa e criativa de um ser humano mais feliz e generoso. Informalmente, recebemos inclusive palavras e mensagens de apoio de professores da escola onde Luiza estuda, todos eles felizes e empolgados com a vibração da pequena, reconhecendo que o Blog carrega consigo evidente potencial educativo, de formação cidadã. Não raro, o que ela escreveu por lá se transformou em belíssimas e ricas discussões em nossas mesas de almoço, em reuniões de família. E vice-versa. 

Por razões óbvias, e mesmo com nossas imperfeições e limitações, estivemos e estamos sempre atentos com a presença dela na internet, sabemos quais são os sites que ela visita, os computadores que usa ficam na sala, à vista de todos, conversamos muito sobre redes sociais e seus riscos (ela não está no face, nem no twitter; tampouco tem celular). É ainda uma criança, inteligente, em processo de formação, amadurecendo, ao mesmo tempo ainda frágil, inocente, o que exige os braços responsáveis de conforto e proteção e os olhos de segurança dos pais a acompanhá-la. Assim procuramos agir. No entanto, nesse caso, fomos ingênuos, eu e Elisa Marconi. Reconhecemos o erro. Liberamos inicialmente todos os comentários que fossem postados no Blog. Confesso de peito aberto e honestamente que em momento algum passou pela minha cabeça que a atrocidade de cretinices selvagens e abjetas pudesse se manifestar. Tolice. Avaliamos ainda que seria mais uma tarefa - a moderação - com a qual Luiza teria de lidar. Bem, por conta do ocorrido, assim será. Luiza vai continuar escrevendo no Blog. Mas apagamos os comentários pestilentos e fedorentos. E estabelecemos que, a partir de hoje, todos serão moderados. 

Ainda estamos remoendo e digerindo o episódio. Seguimos. A sensação que fica, ao menos por enquanto, é de derrota, de fracasso, de que a humanidade parece ser definitivamente um projeto falido, como diria o escritor português José Saramago. Talvez seja clichê. Mas é assim que meu coração fala.

15 comentários:

  1. Mas como assim???
    Que tipo de sujeito é esse? Imagino sua dor, mestre.
    E mais: ninguém pensaria em moderar os comentários de um blog de uma criança, tão inocente.
    Um super beijo na Luiza, por favor.

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  2. Canalha! Que as máscaras caiam e a justiça seja feita. Abraço, professor!

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  3. Chico, acho emocionante a forma como você e sua esposa incentivam a escrita da sua filha com um blog. Eu desde de pequena (13, 14 anos) tive blogs, mas só com quase 20 anos tive a coragem de criar um pra expor todos os meus sentimentos. Enquanto essa coragem não vinha, eu tive dezenas de cadernos e folhas que guardo até hoje.
    Todo esse estímulo e incentivo criativo vai transformar a Luiz em uma adulta maravilhosa e cheia de orgulho dos pais, pode ter certeza!
    Por favor, diga a ela por mim, que mesmo não a conhecendo já acho-a maravilhosa! E diga também pra ela acreditar nas pessoas de bom coração, porque elas existem sim!
    Um beijo pra você e toda sua família, vou torcer pra que esse crápula pare de incomodar vocês.

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  4. Que triste... É triste essa sensação de saber que tem "gente" que gasta seu tempo fazendo esse tipo de coisa, ainda mais com uma criança... Mas acredito que essas coisas, mesmo sendo desagradáveis, servem para nos ensinar algo, de alguma forma. Nos ajuda a refletir sobre o comportamento de alguns membros da nossa sociedade, muitas vezes é cruel, mesquinho, fútil...
    Entender isso não é fácil, ainda mais para uma criança...
    Espero que esse episódio seja superado o quanto antes pela Luiza, e com certeza será!

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  5. Estou estarrecida!!!
    A paixão da Luiza pela escrita não pode se extinguir por conta de um episódio triste como o relatado.
    Sinto muitíssimo pelo ocorrido, sou fã dessa pequena notável!
    Vivian Marcondes

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  6. Chiquilito, o anônimo se esqueceu que, hoje em dia, não é mais possível ficar tão anônimo assim. Existe a possibilidade de, rastreando o endereço IP de onde veio a mensagem, descobrir de onde ela partiu. É possível saber data, hora, endereço, etc. Quando trabalhava na Telefonica, cansei de receber ofícios e intimações para informar os dados de pessoas que se achavam acobertadas pela Internet para enviar emails e mensagens caluniosos, difamantes, etc. Não sei se a intenção de vocês é tentar descobrir o autor. Mas, saibam que, querendo, isso é perfeitamente possível. Qualquer pessoa com razoável conhecimento de informática pega o endereço IP e descobre se é da Net (virtua), Telefonica (speedy), TVA (a jato) ou algum outro provedor e/ou prestar de serviço de acesso à internet. E, não deixe que um idiota desse abale a minha querida sobrinha. Estou com vocês, para o que der e vier. Beijos. Ekinho

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  7. Que violencia! Espero que a Lui continue a se expressar pois os leitores que gostam do blog sao muitos. Esse cara so' quis agredir, provavelmente e' um frustrado. Vou parar por aqui para nao descer ao nível dele. eca! Lu Porto

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  8. Os imbecis costumam se fazer mais notados, mas tem muita gente que assim como eu, só de ler essa história já se sentiu inspirado e feliz por encontrar gente como vocês, educando com engajamento real e para o futuro. Parabéns pra Luiza e que ela siga fazendo o que gosta. Parabéns pra vcs, força! Abs. Pedro Borelli

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  9. Que horror! Esse tipo de criminoso tme que ser caçado e preso! Um ser humano normal jamais faria tal coisa contra uma criança indefesa, merece punição!

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  10. Isso é revoltante! Tenho uma filha de sete anos e consigo sentir sua dor, Chico. Com certeza, essas palavras de puro horror não poderiam ter sido escritas por uma criança, sinceramente, não acredito que possam existir crianças com essa mentalidade tão perversa! Tive a oportunidade de ler o blog de Luiza, deu para perceber que ela é um encanto de garota e escreve muito bem. A minha filha tem dislexia e TDAH, ela já ouviu, muitas crianças dizerem palavrinhas que a "machucaram", mas nem por isso, eu e ela desanimamos. Todos os dias, abrimos um livro e contamos histórias. Meu sonho é vê-la escrendo como sua filha, expressando suas ideias e sonhos em palavras. Por isso, Chico...fala para Luiza, que existem pessoas, mesmo de longe, que torcem por seu sucesso. Há, e PARABÉNS! Por incentivar o gosto da leitura e escrita para seus filhos. Abraço e um grande beijo para Luiza!

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  11. Filho- é com lágrima nos olhos que leio a barbaridade cometida contra uma criança; contra minha querida neta Luiza.E, com tal barbaridade,confirmo a discrença que tenho de um mundo tão violento, onde encontramos tantas formas de barbaridades,inclusive essa de ofender de forma cruel uma criança que, em sua inocência e sabedoria, nos faz ler assuntos tão gostosos.Recebam o meu beijo e à Luiza, um bem grande e especial, com a certeza de que ela, na sua grandeza irá superar o ocorrido.Que nossos netos e netas tenham um mundo mais fraterno, sem os tresloucados que andam soltos por aí;covardes insanos.beijos de um avô muito triste mas,ainda, repito, com a esperança de que virá um mundo melhor.Vovô Chico.

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  12. Espero que, embora seja difícil, a sensação de fracasso se dissipe logo, porque mesmo existindo tanta maldade, há também a ingenuidade, a espontaneidade, a lucidez, a clareza... olha que prova viva aí compartilhando a mesa do almoço. Espero que o responsável seja penalizado e tenho certeza que a Luiza deixará esse episódio apenas como lembrança um pouco amarga e não como cicatriz.

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  13. Que absurdo! Meu Deus, que mundo é esse!!! Amigo Chico, todo meu apoio a vc e à linda e inteligentíssima Luiza. Abraços. Alexandre Possendoro

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  14. Chico, solidariedade geral e irrestrita em relação a essa abominação ética - como diria a Marilena Chauí. O escritor argentino Ernesto Sabato, amicíssimo de José Saramago, falou em um de seus últimos livros (Antes del Fín) sobre a necessidade de um "pacto entre derrotados". Ele identificava algo (uma esperança, uma força motriz nessa mesma humanidade) que nos leva a resistir. Nem que seja pela vida de uma única pessoa. Ou o sorriso de uma única criança.

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