terça-feira, 28 de agosto de 2012

O QUE ESPERAR DE UM PAÍS QUE NÃO LÊ?

Foto: POR ESO ESTE EQUIPO ESTA CONFORMANDO BIBLIOTECAS POPULARES Y UNA DE ELLA---PARA NOSOTROS TODO UN SIMBOLO Y UN HOMENAJE A UNA GRAN PERSONA SE LLAMA BIBLIOTECA POPULAR ROUSS-----TE 20463043----EL PLUMERILLO 666-670-VILLA CENTENARIO

A seleção natural e a evolução das espécies foram extremamente generosas e nos concederam o privilégio da condição humana, o exercício cotidiano de habilidades exclusivamente garantidas ao Homo sapiens, que pensa, constrói conhecimento com base na racionalidade, tem consciência sobre esse processo e sistematiza suas memórias. Em grande medida, nos tornamos humanos porque alcançamos a capacidade de nos comunicar. É a comunicação quem nos conecta com os desafios, os perigos e os encantos do mundo, que nos garante a realização e a troca de experiências, que estabelece o intercâmbio de ideias, que estoura as represas de segredos e costura redes de sociabilidade, de pertencimento e de reconhecimento. Por meio da comunicação, nos revelamos e nos desnudamos, com tudo aquilo que carregamos de bom, e também em nossos preconceitos e intolerâncias. Para comunicar, é preciso ler - muito, e de tudo um pouco: obras clássicas, romances, livros técnicos, poesias, contos, crônicas, jornais, revistas, relatórios, cartazes, bulas de remédio. É preciso ler, para ler criticamente o mundo. E dar sentido à comunicação. Não quero aqui ser cavaleiro do apocalipse, mas, se essas relações todas continuam valendo, e a considerar notícias divulgadas recentemente, minha suspeita é que a distância que nos separa do abismo da desumanização e da imbecilização é cada vez menor.

Feita pelo Instituto Pró-Livro e pelo Ibope e divulgada em março último, a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil" entrevistou 5.012 pessoas em 315 cidades do país. Trouxe à tona uma fotografia preocupante, para dizer o mínimo: apenas 50% dos brasileiros declaram-se leitores (eram 55%, em 2007). Detalhe: para a pesquisa, leitor é aquele que tivesse lido ao menos uma obra (ainda que apenas parte dela) nos três meses anteriores à realização do levantamento. Muito pouco. Ainda de acordo com a pesquisa, o brasileiro lê em média, por ano, quatro livros (e dois sequer são terminados). Bibliotecas são espaços solenemente desconhecidos e não frequentados por 75% dos entrevistados. Na lista das atividades que os brasileiros mais gostam de fazer quando dispõem de tempo livre, a leitura ocupa um modesto sétimo lugar (é a preferida de 28%, contra 36% em 2007). Fica atrás da televisão, do ouvir música, do descanso, das reuniões com a família, dos filmes em DVD e das saídas e baladas com os amigos. 

Apesar do crescimento da economia do país  nos últimos anos, da comemorada ascensão das novas classes médias e do amplo acesso ao ensino superior, os brasileiros estão gastando menos com livros. A pesquisa "O livro no orçamento familiar", que considera por sua vez dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as famílias gastavam 160 reais por ano com livros, no biênio 2002/2003; quando considerado o período 2008/2009, esse investimento cai para 128 reais. Preferimos gastar com jogos eletrônicos, celulares, baladas, roupas da moda...

Os estudantes brasileiros, aliás, são os que têm menos livros em casa, de acordo com levantamento feito pelo Movimento Todos pela Educação, considerando informações geradas pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) de 2010, envolvendo 65 países. É para ficar um pouco mais arrepiado: 39% dos nossos estudantes diziam possuir, no máximo, dez obras em suas estantes. Cabem todas numa micro prateleira, escondida em qualquer canto de qualquer ambiente doméstico. Trocando em miúdos: nossos alunos não estão formando suas próprias bibliotecas básicas, não cultivam o hábito da leitura em suas residências. E o cenário que se manifesta dramático dentro de casa não é infelizmente muito diferente quando voltamos os olhares para o ambiente escolar - ainda segundo o Movimento, 106 mil escolas espalhadas pelo Brasil ainda não tinham organizado suas bibliotecas e salas de leitura, em 2010.

Na ponta final, mais um dado que deveria ser motivo de vergonha nacional: 38% dos estudantes universitários brasileiros não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, de acordo com trabalho feito pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa. Sim, estamos falando de uma certa elite intelectual (ao menos deveria ser encarada dessa maneira), daqueles que concluíram o ensino médio, passaram por vestibulares e processos seletivos e alcançaram o ensino superior. São alunos que até dominam tecnicamente a leitura e a escrita, conseguem juntar "B + A = BA", mas não são capazes de interpretar e de estabelecer relações e conexões, a partir das leituras que fazem. 

O triste é aceitar que, se são tenebrosos, os resultados aqui expostos não chegam a surpreender. O fato é que o brasileiro, por uma série de razões (pauta para outra discussão), transformou a leitura num fardo, numa tarefa chata, enfadonha, sem significados, a ser burocraticamente cumprida apenas quando os professores nos obrigam, porque afinal de contas é preciso tirar nota na prova. Por aqui, quem manifesta explicitamente gostar de ler corre o risco de ser rotulado como "nerd". Quase um extra-terrestre. Ler? Para quê?

Talvez o Ministério da Educação e outras autoridades ligadas à área devessem olhar com mais carinho e atenção para essa realidade, antes de pretender viabilizar soluções mágicas e mirabolantes para alcançar resultados melhores em avaliações como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Talvez uma das saídas (não suficiente, claro, mas imprescindível) para enfrentar as crises da educação nacional esteja em formar mais e melhores leitores, em fazer da leitura uma prioridade nacional, em ter bibliotecas funcionando, com bons acervos e contadores de histórias sempre por perto, em cada quarteirão. Talvez seja momento de refletir sobre nosso acelerado processo de recusa à leitura e da consequente desumanização que a opção nos traz. 

Estamos perigosamente abrindo mão de nossa condição humana. O escritor português José Saramago já alertava para o fato de estarmos nos transformando rapidamente na "sociedade dos grunhidos" (ele não se referia especificamente ao Brasil, mas...). Outro Nobel de Literatura, o peruano Mario Vargas Llosa, escreveu que "quem não lê fala muito, mas diz pouco". Quem dera estivéssemos mesmo dispostos não apenas a compartilhar a imagem nas redes sociais, mas a seguir de fato a sugestão da genial Mafalda, no quadrinho que ilustra esse texto.

5 comentários:

  1. Chico, você bate em cheio em um dos nossos maiores pontos fracos. O conhecimento, a cultura, nada valem. A questão do nerd também pegou forte entre os estudantes. Em época de explícito combate ao bullying, um dos meus sobrinhos foi ameaçado dentro da sala de aula, na frente da professora, só por responder às perguntas feitas por ela. Vai além... um dos seus alunos, já formado (na mesma turma que eu), explicou certa vez que cursava jornalismo por não gostar de ler ou escrever. São apenas dois exemplos. Ridículos? Pode ser, mas me junto ao seu incômodo. E ainda acho esquisita essa mania de resumir as ideias, resumir a palavra. Coisa de linguagem digital. De gente preguiçosa, que não se importa com o valor dessas coisas. Existe até um post, antigo, que resumia em 140 caracteres grandes nomes da literatura. Imagine José Saramago em 140 tecladas... todo o excedente é lixo. Lamentavelmente!!! Parabéns pelo texto e pela reflexão.

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  2. Chico meu camarada,
    como sempre, mais um texto maravilhoso. Mas no seu discorrer, senti falta de um dito (já concordando que a fala já existe em demasia...)de outro grande mestre e camarada, o Paulo Freire; " A leitura de mundo precede a leitura da palavra." Fiquei pensando que além da falta da proximidade, do cotidiano, da intimidade e prazer da leitura, o brasileiro tem antes, a falta de seu próprio mundo. Assim, se não há sentido nem significado, muitas vezes até, o protagonismo de história de sua própria vida e mundo, porque haveria de ter no mundo das palavras? Pois é, já tem um tom alarmante de tragédia no seu texto e cá estou eu ampliando ainda mais isso tudo. E realmente, é muito difícil encarar e digerir essa nossa realidade, principalmente quando falamos em direitos básicos como este da educação, mas também tem o da alimentação, o da moradia, o da saúde, do saneamento básico enfim...mas concordo que a leitura pode potencializar todos estes direitos...só fica a velha perguntinha...quem veio primeiro, a galinha ou o ovo?

    bjo meu camarada

    Ricardo

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  3. Caro Chico...
    Esperar o que de uma sociedade que coloca o conhecimento, como sinônimo de poder. Quando o ensino público era exemplo de qualidade tinha acesso a ele, uma pequena parcela de econômicamente escolhidos. Já que num Estado de coroneis, ainda hoje, os dedos dos disprovidos de tudo só podem dispensar tempo para o mais urgente, que é sobreviver e não se deixar morrer de fome. Esta certo? Evidente que não!
    Más quando esta massa, por instinto de sobrevivência más do qualquer outro fenômeno políticamente explicavel, percebe que o conhecimento é uma arma impar, na busca por qualquer forma de autonômia. O poder político-econômico mostra sua face mais sombria. Sucateia o ensino público de base, de acesso universal e por consequência popular, tornando inviavel qualquer forma de almejar o ensino superior também público e de referencia.
    Os números são verdadeiros, no entanto são frios não fazem alusão ao histórico disparate imposto a massa, quando o assunto são os "direitos". A educação hoje, está mercântilizada e é tida, e tratada como mais um viés do universo econômico e nada mais que isso. Cabe aos intelectuais "organicos" ou não, entender qual sua participação e contribuição, dentro desse triste jogo de dados e números.

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