domingo, 23 de dezembro de 2012

VIRADA DE ANO E FÉRIAS EM BUENOS AIRES



BUENOS AIRES, SETEMBRO DE 1997. LUA DE MEL. NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA, 27 DE DEZEMBRO, POR LÁ ESTAREMOS NOVAMENTE, PARA A VIRADA DO ANO E OUTRAS TANTAS AVENTURAS. AGORA, COM LUIZA E DANIEL.

A TODOS OS GENEROSOS LEITORES DO BLOG, DESEJO UM REVOLUCIONÁRIO 2013!

ATÉ BREVE!






quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

DECRETAR PRISÕES ANTES DO FIM DO JULGAMENTO?


Gostaria de encerrar o ano com um texto mais alvissareiro. Mas não consigo negar que chegamos ao final de 2012 com certo cheiro de casuísmo jurídico e de arbítrio e exceção contaminando perigosamente os ares políticos respirados pela nação. 

A questão-chave é a seguinte: tecnicamente, em sentido mais preciso, o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal não terminou. Para garantir o constitucional amplo direito de defesa, os recursos produzidos pelos advogados dos condenados, que certamente serão apresentados, precisarão ainda ser analisados pelos magistrados - o que só poderá acontecer após a publicação dos acórdãos (decisões colegiadas dos ministros). Tarefas para 2013, com a responsabilidade, a serenidade e o equilíbrio exigidos pela democracia.

Ainda assim, o Procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu unilateralmente - mais uma vez - que é preciso acelerar o processo e solicitou ontem, quarta-feira, 19 de dezembro, as prisões imediatas de todos os condenados, por considerá-las urgentes. Note-se que o pedido foi feito justamente na véspera - literalmente - do início do recesso do Poder Judiciário, o que significa dizer que será analisado, em período de festas natalina e de reveillon, apenas e tão somente, de maneira monocrática, pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa. Caso tivesse sido encaminhada um dia antes, a solicitação muito provavelmente teria sido avaliada pelo plenário (e, segundo o "Painel", da Folha de São Paulo, alcançaria apenas três votos favoráveis, com seis contrários). Oportunismo, casuísmo? Apenas coincidência de datas, alguns irão responder. Aliás, para Gurgel, ainda de acordo com a Folha de São Paulo, "os recursos não terão o poder de modificar o resultado do julgamento". Trata-se de evidente, privilegiada e sobrenatural capacidade de previsão de futuro. Ou de jogo com cartas marcadas. 

Não custa lembrar que o julgamento foi, desde o início, caracterizado por uma série de outras estranhas "coincidências": teve início em agosto, quando as campanhas para as eleições municipais também chegavam às ruas, com incontestável contaminação da disputa; a condenação do chamado núcleo político - leia-se sobretudo José Dirceu - deu-se entre o primeiro e o segundo turnos, com tempo de ainda ser explorada pelas narrativas midiáticas e no horário gratuito, pelos candidatos da oposição; numa manobra ardilosa e arbitrária de Barbosa, que inverteu a ordem das discussões quando se chegou à etapa da dosimetria, os réus políticos foram também os primeiros que tiveram as penas definidas, numa espécie de prestação de contas à sociedade. 

Agora, para deleite dos que clamam por sangue, dos que exigem o "mata, prende e esfola", mesmo que contrariando a essência da democracia, o roteiro parece estar novamente pronto: salvo engano e mudança brusca e repentina de comportamento, uma crise profunda de identidade, e a considerar tudo o que aconteceu no STF nos últimos meses, o mais novo ídolo e justiceiro da nação irá acatar o pedido da Procuradoria, determinando as prisões imediatas. 

Os executivos que fecham as primeiras páginas dos jornais já estão salivando e esfregando as mãos: numa época em que as manchetes em geral são "frias" (assuntos de menor relevância, traduzindo o jargão jornalístico), poderão estampar um certeiro "JOSÉ DIRCEU PRESO", em letras garrafais, ocupando metade da página, chamada que certamente estará acompanhada por uma foto estourada, com o ex-ministro algemado ou entrando na cela. Já consigo ouvir os urros histéricos de alegria, o espocar das rolhas de champanhe e o tilintar dos brindes.

Será a combinação perfeita para que a oposição midiática possa reafirmar, no "como queríamos demonstrar", que "o julgamento do mensalão foi um divisor de águas e que o Brasil entra em 2013 tendo finalmente aperfeiçoado seus mecanismos de combate à corrupção, ao colocar na cadeia aqueles que participaram do maior escândalo da República". O terreno estaria preparado para investidas políticas mais ousadas no ano que vem: como já escrevi por aqui, esses caras não vão sossegar enquanto não atingirem o coração do o ex-presidente Lula, para reescrever a história recente do Brasil e inviabilizar politicamente a participação dele na disputa presidencial de 2014. 

Antes dos espasmos de euforia, cinco segundos de reflexão: como raciocina meu irmão Eryx Bicudo, advogado porreta e danado de bom, caso as prisões aconteçam agora, quem vai pagar a conta se, no julgamento dos recursos das defesas, alguém tiver pena revista e passar do regime fechado para o semi-aberto? Pois é... 

Como já havia destacado o jornalista Paulo Moreira Leite em seu blog, ao se referir à cassação de mandatos de parlamentares determinada pelo STF, em tão cristalina quanto lamentável ingerência nas tarefas e prerrogativas do Legislativo, "não fica bem atropelar a Constituição. (...) Não é uma questão de gosto. É aquela vontade de não se submeter a um ritual definido e pré-determinado, amparado em lei, que todos devem respeitar. Muita gente está gostando de um Supremo que parece poder fazer tudo. São aquelas pessoas que desde 2002 só conhecem derrota atrás de derrota nas urnas. Em 2012, ficaram com um pouquinho mais de raiva porque perderam o altar sagrado da prefeitura de São Paulo. O que deixa o pessoal com mais medo quando pensa em 2014. Pensou perder de novo? Puxa, esse povo ganhava desde a chegada de Pedro Alvares Cabral…Então, com o Supremo, eles estão se animando". 

Sei não, deixo avaliações mais bem acabadas para os amigos historiadores, os cientistas políticos, mas a impressão que fica é que voltamos aos tempos em que um um tal Poder Moderador se colocava acima de todos os outros... Dom Joaquim Barbosa I? Ou talvez o STF esteja a dizer "às favas, nação brasileira, com os ritos e as normas constitucionais. Manda quem pode e obedece quem tem juízo". As duas experiências - o Império e a ditadura militar - foram trágicas. 

O alerta é novamente de Paulo Moreira Leite: "A experiência ensina: é muito fácil saber como esses jogos começam – e ninguém consegue adivinhar como terminam. Podem terminar mal. Ou muito mal. Apenas isso".    

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Como se vê, os desafios são gigantescos, e se acumulam. Aproveito a oportunidade para agradecer os generosos leitores que acompanharam este blog em 2012, desejando que os nossos sentimentos de esperança se renovem. Que continuemos sonhando, coletivamente, os sonhos impossíveis, reforçando as lutas cotidianas por livre pensar, direitos humanos e transformação social. À esquerda, sempre.  

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O AI-5. E TRECHOS DO MEU TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


No dia 13 de dezembro de 1968, a ditadura civil-militar impunha à sociedade brasileira o Ato Institucional 5 e mergulhava o Brasil definitivamente nos anos de chumbo e de terror das torturas, desaparecimentos e assassinatos institucionalizados. 

Por coincidência, no dia 13 de dezembro de 1994, defendi, na ECA/USP, meu Trabalho de Conclusão de Curso - um perfil de Helena Pereira dos Santos, então presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e mãe de Miguel Pereira dos Santos, guerrilheiro revolucionário do Partido Comunista do Brasil (PC do B) covardemente assassinado pelos militares no Araguaia. O projeto foi orientado pela mestra Cremilda Medina. Fizeram parte da banca examinadora o professor Dalmo Dallari e a professora Maria Nazareth Ferreira. Aos três, meu eterno carinho e agradecimentos.

Naquela mesma noite de 13 de dezembro de 1994, uma sexta-feira, no auditório Freitas Nobre lotado, e com quase 23 anos, conheci Elisa Marconi, que se tornaria para sempre minha companheira de todas as lutas.

Dezoito anos depois, mergulhado em boa nostalgia, deu uma vontade danada de resgatar e de compartilhar alguns trechos do TCC, mais especificamente as "Considerações Finais" - até porque, e não sei se isso é bom ou ruim, me parece que continuam indicando reflexões relevantes e bastante atuais. Além de escancarar minha sempre assumida paixão pelo Jornalismo.  


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"O exemplo da guerrilha do Araguaia ilustra com perfeição essa situação: a luta dos familiares continua, há uma série de fatos que precisam ser esclarecidos, arquivos que devem ser abertos, sentimentos e situações que não podem ser represados ou contidos. Mas as elites e a imprensa passam ao largo de tudo isso, como se essa realidade simplesmente não existisse. Sabem no vespeiro que mexerão e nas consequências de se tocar em tal questão. Sabem que, se puxarem o fio, virá o novelo de lã inteiro. A saída, então, é fingir que nada disso existe. E, como no Brasil vale a máxima que diz que "não saiu na imprensa, então não existe", para a sociedade a guerrilha também passa a ser um completo mistério.   (...)

Mas não vou terminar esse trabalho com uma visão determinista e pessimista. Sim, a situação é complicada, são muitos obstáculos a superar, mas é exatamente desse ponto que devem surgir as forças transformadoras. E eu continuo acreditando muito na Universidade como pólo criador e irradiador de novos paradigmas. É na escola de Jornalismo, tão criticada e rebaixada e sem dúvidas repleta de problemas e de incapacidades, que aprendemos a sistematizar a profissão. Participamos de todo processo de produção do material jornalístico, parando para refletir sobre cada etapa. É nela que se adquire o senso crítico e onde se aprende não apenas a fazer, de maneira robotizada e burocrática, mas POR QUE fazer. É ela que deve estimular a criatividade e as iniciativas pioneiras nascidas no meio dos alunos, que deve garantir-lhes uma sólida formação humanística, nas áreas das Artes, História, Geografia, Política, Sociologia, que deve abrir espaço para os debates, as discussões.

A escola não deve sucumbir aos apelos das empresas capitalistas, adaptando-se ao mercado. Ao contrário, precisa se manter firme como instituição que tem como principal função formar cidadãos críticos, preparados para lidar com as mais diferentes realidades, ciente de que a verdade não é e não pode ser absoluta e que o jornalista é um sujeito que vive num mundo repleto de incongruências e de desafios, um mundo dinâmico, em constante transformação.

Algumas das experiências desenvolvidas, embora ainda muito tímidas, mostram que é possível e necessário acreditar e precisam ser aprimoradas. Livros-reportagens, pesquisas sobre novas práticas jornalísticas, seminários e encontros com profissionais de outras áreas, órgãos laboratoriais, semanas de Jornalismo e Trabalhos de Conclusão de Curso são algumas delas. Muito pouco? Pois bem, então que se incentive ainda mais o Jornalismo criador, renovador, transformador. Que se forme o jornalista capaz de sacudir o mundo. Que se tente de novo, e mais uma vez, e que não se pare nunca de tentar, de criar. Eis a razão maior de nossa existência. Que se inundem as redações com esses novos jornalistas, que formarão sólidos grupos de resistência ao pragmatismo reducionista. Que se mostre ao jornalista que ele também pode cercar as grandes empresas pelas bordas, nos sindicatos, nas ONGs, associações de bairros, imprensa alternativa. Que se faça da Universidade a nascente de ondas de contra-cultura, impregnadas pelo humanismo contextualizador, irrequieto, questionador, revolucionário, romântico, idealista, analítico, cheio de sentimentos e emoções, polifônico e polissêmico.

Afinal de contas, o Brasil tem uma História e histórias que precisam ser recontadas e reescritas, sem censuras, sem preconceitos, sem tabus. Histórias como a de Helena e dos guerrilheiros desaparecidos e assassinados no Araguaia. Histórias dos negros, índios, meninos de rua, favelados, famintos, dos que não têm seus direitos respeitados. Histórias de um povo. 

Este trabalho é minha pequena contribuição aos que acreditam numa nova forma de encarar a profissão. Responde a muitas das minhas angústias e aflições, permitiu que eu colocasse em prática aquilo que penso ser uma reportagem. (...) Selou também um compromisso político, determinou as linhas mestras de uma filosofia de vida. Com ele, começo a me tornar jornalista. Um jornalista apaixonado pelo que faz. (...) Meu diploma não servirá apenas para ficar pendurado na parede do quarto. Ele será minha arma e com ele farei minha revolução. E quando eu chegar à velhice para escrever minhas últimas palavras, meu último texto, quero olhar para trás e perceber que deixei uma mensagem, uma semente plantada para as gerações e companheiros que me seguiram. Com os olhos cheios de lágrimas, vou então estufar o peito, assinar o texto e dizer bem alto: valeu a pena!

Chico Bicudo
Dezembro de 1994"

domingo, 9 de dezembro de 2012

FOTOS JORNALÍSTICAS E FOTOS ESPETACULARES

Sei que a discussão é polêmica, complicadíssima e contempla múltiplas análises. Mas eu não publicaria a foto do homem na iminência de ser atropelado por um trem de metrô, em Nova Iorque, que foi estampada na capa do tabloide "New York Post" na edição da última terça-feira (03 de dezembro). A imagem, me parece, namora apenas e tão somente e perigosamente com o espetáculo, com a naturalização da morte, a banalização da tragédia, a simplificação da condição humana, a indiferença ao sofrimento, despertando sensações e instintos primitivos, mas sem estabelecer conexões mais estreitas com uma narrativa racional, a privilegiar reflexões e o interesse público. Qual a informação, a mensagem ali presente? "Um homem vai morrer em segundos". E...? Naquele instante, minha sensação é que pesaram mais na decisão do fotógrafo (que sequer estava em serviço ali, mas não perdeu a chance do clique) os prováveis cinco minutos de fama, o dinheiro que alcançaria com a venda da foto. Prevaleceu, portanto, o valor de troca, e não o valor de uso. É diferente, penso, de outras fotos polêmicas e famosas, como a da criança negra no Sudão, agachada, com um abutre à espreita (1993), ou a da garota vietnamita que corria nua, queimada por napalm (1972). Nos dois casos, há certamente a vaidade dos profissionais em jogo, o ego, os possíveis prêmios, a decisão no átimo de segundo, o correr para ajudar ou o registrar o instante. Mas nelas há também guerras, conflitos profundos, tragédias humanitárias, atrocidades em cena, contextos mais amplos. E as imagens cumpriram esse papel de denúncia, de voz da consciência, de dar um chacoalhão planetário e de chamar a atenção do mundo para esses dramas coletivos. As duas foram fundamentais para furar bloqueios resignados de "não é comigo" e para ajudar a publicizar bestialidades que provavelmente se limitariam a círculos mais restritos, caso as fotos não tivessem corrido o mundo. As mensagens ali explicitadas eram, respectivamente, "somos cúmplices e estamos ignorando solenemente a fome, a miséria e as disputas intestinas que matam cotidianamente as crianças africanas" e "os Estados Unidos estão colocando em prática a política de terra arrasada, destruindo tudo o que encontram pela frente, sem respeitar sequer civis e crianças". Embora o debate seja aqui também possível, e desejável, o conteúdo jornalístico destas duas fotos é evidente - dimensão que não consigo sinceramente encontrar na do metrô novaiorquino. 




domingo, 2 de dezembro de 2012

SOBRE ANJOS, DEMÔNIOS E AS RESPOSTAS QUE O PT ESTÁ DEVENDO





Espero que me compreenda. Trago para este texto memórias afetivas, angústias, críticas, muito mais que respostas. É um fragmento desencontrado de desilusões, umas anunciadas, outras nem tanto, mas estranhamente é também um mosaico de renovação de esperanças. Busco aqui meu divã, a exorcizar anjos e demônios para fazer, quem sabe, a alma e as entranhas doerem um pouco menos. Razão e emoção se misturam, se sobrepõem. Assim, se quiser, chame o post de desabafo. É um pouco assim mesmo. Caso sirva para ajudar a travar o bom debate, já estarei satisfeito. Porque o cenário político exige esse exercício profundo de reflexão. 

Por um acaso talvez não tão casual, acabo de sair da leitura de "Marighella". Na biografia do revolucionário, o jornalista Mario Magalhães, com maestria, resgata os tempos generosos e terríveis de lutas contra a ditadura militar, quando a imaginação pretendeu chegar ao poder. Décadas mais tarde, o poder de fato seria alcançado - mas a imaginação virou resignação. E o Partido dos Trabalhadores, ator político fundamental para a derrubada dos anos de terror, vive - mais um - momento crítico de sua história. Como escreveu o jornalista Mino Carta, "o PT foi antes envolvido por oportunistas audaciosos, depois por incompetentes covardes". 

Posso dizer que vi o PT nascer, mesmo sem ter consciência daquela aurora bonita e promissora. Morava em São Bernardo no final dos anos 1970, tinha seis anos quando as greves estouraram, adorava quando a gente saía mais cedo da escola (pura inocência infantil) e morria de medo quando via a tropa de choque e a cavalaria da Polícia Militar com caras de poucos amigos nas ruas. Foi assim que o PT começou a representar os sonhos e as utopias de parcelas significativas da sociedade brasileira. Sem medo de ser feliz, vislumbrava construir verdadeira democracia popular (o PT era isso, um partido do povo, nascido de baixo para cima), viabilizando as estruturas e os atores de uma sociedade socialista.

Lula, a grande liderança do partido, é incontestavelmente uma das figuras políticas mais importantes da História do Brasil, nos séculos XX e XXI. O migrante nordestino que passou fome e sede, apanhou do pai, perdeu a primeira esposa, o dedo no torno mecânico, que foi vítima dos mais vis preconceitos e discursinhos nojentos, preso pela ditadura militar, chegou à Presidência da República por meio do voto popular, o primeiro operário a ocupar a cadeira. Eis aqui um sujeito porreta, danado de bom, por quem guardo profunda admiração. Carinho. A trajetória dele é fascinante.

Mas, no poder, Lula ficou maior que o PT. E o lulismo - misto de medidas econômicas conservadoras, políticas sociais e de distribuição de renda, amplo arco de alianças políticas e base social sustentada pelos menos favorecidos da pirâmide - acabou rendendo-se e adaptando-se à real politik. Para o cientista político André Singer, "o lulismo existe sob o signo da contradição. Conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento". Nessa dinâmica pendular, em nome da governabilidade, o PT acomodou-se. Começou a gostar do jogo - de um jogo que toca a bola de lado, administrando resultados, sem ousadia e alegria. O PT conciliou. Conchavou. Aos poucos, muitas bandeiras de luta petistas foram ficando para trás, perdidas na estrada - a reforma agrária talvez seja o exemplo mais gritante e lamentável. A transformação radical das estruturas foi substituída pela premissa das reformas, suaves. O lulismo caiu nos braços do capitalismo. Como projeto político, assumiu viés messiânico, distribuindo ordens, passando tratores e impondo verdades, a sugerir infalibilidade, a fomentar e comemorar o culto à personalidade, como se fora do lulismo não houvesse salvação possível para a sociedade brasileira.  

É legítimo argumentar e questionar se Lula teria conseguido governar caso não tivesse enveredado por esse caminho do consenso. A dúvida procede. São as mazelas e armadilhas do presidencialismo parlamentarista de coalizão brasileiro, representação no Congresso pulverizada e distribuída por mais de 20 partidos, forças hegemônicas do mercado a pressionar e financeirizar a esfera pública. Sem os acordos, há quem defenda, a administração teria sido trucidada, teriam feito pó dela, em pouquíssimo tempo. Para superar as resistências, entra em cena a tal da "aliança sob hegemonia programática do PT". Será que, sem esse arco, o destino inevitável teria sido o desgoverno? Tenho cá minhas dúvidas. 

E, se for assim mesmo, então de que vale o poder, se, quando conquistado, significa apenas a inexorável capitulação e o imediato escorregar pelos dedos de desejos por mudanças, para finalmente tornar-se palatável e amigável aos de sempre? Nas redes sociais, tomou contornos na semana que passou a seguinte discussão, resumidamente: seria melhor o PT falando fino no governo ou gritando grosso na oposição? Guardadas as devidas proporções, parece-me um tanto com o infindável debate "futebol de resultados e vencedor versus futebol arte, mas suscetível a derrotas". Não dá para jogar bonito e levantar taças? Não dá para falar grosso também no governo? 

Fagocitado gradativamente pelo lulismo, e provavelmente deslumbrado com as benesses agudas e sedutoras oferecidas pelo governo, picado pela mosquinha, o PT apequenou-se. Diante do dilema tensionar para avançar ou pactuar para consolidar-se como porto seguro, optou pelo segundo caminho. Como escreveu Mino Carta, "o PT atual perdeu a linha, no sentido mais amplo. Demoliu seu passado honrado.  Abandonou-se ao vírus da corrupção, agora a corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta naturalidade, com aqueles partidos que nunca foram". O mensalão, em 2005, colocou o partido à beira do precipício. Naquele momento dramático, faltou construir uma narrativa que combinasse de maneira inteligente e honesta considerável pitada de humildade com ênfase e firmeza de princípios - aqueles que desaguaram na fundação do PT. 

Faltou vir a público para, sem metáforas, zombarias ou oportunismos, sem tergiversar, dizer "erramos, assumimos os erros, relançamos o pacto para, daqui em diante, materializar ações políticas contundentes para coibir tais práticas". Como calibrar o tom desse discurso? Tarefa para os dirigentes partidários e para os intelectuais historicamente ligados ao partido, como sugere Elisa Marconi, companheira de todas as horas. Não seria uma fala puramente moral, mas um acordo político, republicano, embasado pelo repeito e cuidado irrestritos com a coisa pública. Ao calar-se e omitir-se, ao insistir no prato feito do "não tenho nada com isso, não fizemos nada que outros já não tenham feito", o PT permitiu que outro discurso fosse forjado. Perdeu ali a guerra de narrativas. O que viesse depois seria paliativo, remendo. Espaço vazio é espaço ocupado. 

O resultado foi o implacável massacre midiático, que incutiu na opinião pública (ao menos em parte dela, a publicada) o pressuposto que dizia que o único resultado aceitável para o julgamento do mensalão seria a condenação a penas máximas de todos os líderes e representantes do PT (com os outros réus, a preocupação era bem relativa). De preferência, que saíssem do Supremo Tribunal Federal algemados, com requintes de crueldade, direto para presídios de segurança máxima, com "direito" quem sabe à tortura e pena de morte. A artilharia mirava fundamentalmente José Dirceu, o demônio em forma de gente. O roteiro foi desde sempre conhecido - a Veja denuncia, a Folha repercute no final de semana, o Jornal Nacional da Rede Globo amplifica e fatia durante a semana. Ainda que não como antes, e sim com fissuras e resistências, esses veículos continuam a pautar a agenda pública. Ou não? Exagerei? Alguém duvida? 

Foi a partir dessa agenda que o STF associou-se convenientemente à histeria forçada midiática, rendendo-se a específico clamor popular sanguinolento. O plenário da Corte foi transformado no cenário ideal para um show folhetinesco de exageros e de sensações próprias do mundo do entretenimento. Caras, bocas, polêmicas gratuitas, transmissões ao vivo, holofotes... Foi preciso desencavar - e usar às avessas - uma tal teoria do domínio do fato para condenar, mesmo sem provas disponíveis nos autos (o que é diferente de afirmar que elas não existam). A maioria do Supremo, capitaneada pelo mais novo herói e justiceiro da nação, pesou a mão na dosimetria e foi implacável com o núcleo político do PT. José Dirceu pegou quase 11 anos; José Genoíno, quase sete; e João Paulo Cunha, mais de nove anos, se nada mudar nos recursos. Os que só aceitavam sangue aplaudiram efusivamente. Soltaram rojões.

A carnificina da mídia e os desvios do Supremo não isentam nem justificam os erros do PT. Gente grande no partido sujou as mãos. Cometeram crimes, que careciam de julgamento, à luz e sob o rigor das leis e do Direito, não dos perigosos exercícios de suposições, ilações e do "não é possível que não soubesse". Tal comportamento só faz enfraquecer a democracia e abre delicadíssimos precedentes. Minha convicção: o mensalão foi um nome fantasia de forte apelo popular, a referendar o jogo midiático. Comprar meia dúzia de parlamentares, de deputados que já faziam parte da base aliada, quando eram necessários ao menos 308 votos para aprovar emendas constitucionais, como era o caso? Não parece um despropósito, uma tolice, se pensarmos na relação custo-benefício?

Em minha análise, o que aconteceu foi caixa 2, arrecadação irregular de recursos para pagamento de dívidas de campanha, inclusive de partidos aliados. O que, novamente, não absolve o PT. Também não lhe dá o direito de alegar que "todos os partidos são assim, não foi exclusividade nossa, estamos pagando por aquilo que todos fazem, é do jogo político, foi assim desde sempre e ninguém foi punido". Se era (é) assim, o PT foi eleito para fazer diferente. E o financiamento público de campanhas, por exemplo, bandeira que o partido empunhava? Se havia fantasmas no armário, o PT chegou ao governo para exorcizá-los, não para esparramar novas assombrações. 

Na hora de contar as histórias de terror, é relevante observar que a escolha dos fantasmas que serão publicamente anunciados é seletiva - a mídia que procura e acha lá é a mesma que, para dizer o mínimo, se cala cá, empurrando alguns fatos rapidamente ao fundo do oceano, na expectativa de que sejam esquecidos. O PT é surrado; o PSDB, preservado - ou, vez ou outra, toma um pontual pito público. O mensalão petista teve origens e mantém relações umbilicais com o mensalão tucano em Minas Gerais, a envolver figurões como Aécio Neves e Eduardo Azeredo. Enquanto o primeiro tornou-se mantra repetido aos quatro cantos, o segundo é solenemente ignorado pelo jornalismo nacional. Daqui a alguns anos, quem resgatar os jornais de hoje não saberá que aconteceu no Brasil algo gravíssimo conhecido como privataria tucana. 

O falar sobre um mas não a respeito de outro esquema criminoso é apenas uma das cenas de um roteiro de perseguição (veremos em breve as razões) que ficou estabelecido desde a posse do primeiro mandato do ex-presidente Lula. O PT acreditou mesmo que seria diferente, que poderia convencer, com sua bela estrela vermelha, as empresas de comunicação a mudar de lado? Imaginou que receberia outro tratamento, tapete vermelho estendido, fartos afagos? Passou em algum momento pelas cabeças dos dirigentes petistas que os nobres sobrenomes que estampam os cabeçalhos de nossos jornais e revistas e os créditos finais de nossos telejornais deixariam assim tão facilmente de frequentar os luxuosos edifícios dos bairros nobres para se deliciar com as vielas das periferias visitadas pelo sapo barbudo? Sem respeitar limites, a mídia muitas vezes atua como Estado paralelo.

O pecado original: o PT e o governo Lula tiveram medo, não bancaram uma Lei de Meios, o controle social da informação - que, muito longe de estabelecer censura, garante o exercício responsável e plural do jornalismo, a definir deveres e direitos, e a proibir a propriedade cruzada dos veículos. Sequer o projeto chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional. Bem ao contrário, continuam a adular os mandarins da mídia, como chamaria Mino Carta, a abarrotar os cofres destas empresas com verbas públicas, por meio de campanhas de estatais e inserções publicitárias muito bem pagas. A vítima financia o algoz. Dorme com o inimigo. Que masoquismo é esse? Por fim, numa manobra covarde e lastimável, joelhos dobrados, o partido patrocinou a retirada do nome de Policarpo Junior, da Veja, do relatório final da CPI do Cachoeira, na semana que passou. 

Esse jornalismo caduco já não manda mais, temos as redes sociais e os blogs, alguns responderão. É mesmo espaço democrático fundamental, que questiona, inverte mão de direção e, vez ou outra, é capaz de obrigar os jornalões a correr atrás do prejuízo. Mas ainda é insuficiente para travar a disputa em igualdade de condições, balança equilibrada. Pode ser que esse dia chegue. Ainda não é a realidade. A azeitada engrenagem Folha-Veja-Globo é implacável e invariavelmente aponta o que merece ser discutido ou não - e como vai ser travado esse debate. Provocação de botequim: se já tivéssemos conseguido superar essa armadilha, será que estaríamos falando de mensalão ou de pareceres forjados, com as abordagens que estamos usando? Quem nos canta o ritmo e dita a letra dessa canção? Pois então.

Quando nos damos conta, estamos mais uma vez surfando nas ondas midiáticas, discutindo a corrupção que assola o país, mas a partir exclusivamente de componente moralista, e da pior espécie. É um purismo que fotografa mocinhos e bandidos (isoladamente, sem contextos ou outras variáveis), como se "o ser correto e andar na linha" fosse monopólio dos iluminados e bem formados da sociedade, e como se os "bons costumes" correspondessem à única e absoluta medida de "qualidade da vida social". Permanecem camufladas variáveis políticas da corrupção - um sistema presidencialista com superpoderes (farta distribuição de cargos de confiança), refém de cartórios instalados no Parlamento e dependente das corporações e dos especuladores nacionais e internacionais para financiar campanhas e estruturas de marketing com custos estratosféricos. Eis o debate de fundo - não enfrentado. Porque a grita moralista contra a corrupção foi o que restou à desidratada e apática oposição partidária no Brasil, que tem assim seu papel de contraponto naturalmente substituído pelos meios de comunicação. No Brasil, não há atualmente partidos de oposição, mas jornalismo de oposição.

Presas ao mimimi do "cansei", por má fé, incompetência e/ou oportunismo, não querem as oposições reconhecer ou admitir que o Brasil mudou profundamente durante a chamada Era Lula. Sim, mesmo rendendo-se ao capitalismo, e até por civilizá-lo aqui e acolá, o metalúrgico fez deste outro país, com consideráveis avanços, quando as comparações são estabelecidas com os governos anteriores. Por esta razão também, é o presidente até aqui mais bem avaliado, idolatrado pelo povo, que foi diretamente beneficiado pelas políticas lulistas. O país deixou de ser devedor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pagou a dívida externa. Em oito anos, foram criados 15 milhões de empregos formais, com carteira assinada. O salário-mínimo conheceu ganho real de quase 60%. 

Nasceram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida, o Luz para Todos. O Bolsa-Família, que dinamiza realidades locais e impulsiona a pequena economia, atendia 13 milhões de famílias em 2010, com orçamento de 13 bilhões de reais. Aproximadamente 28 milhões de brasileiros saíram da miséria e boa parcela deles foi imediatamente parar no grupo das "novas classes médias". O PIB cresceu 7,5% em 2010 - ritmo chinês. Em 2011, atingimos o menor índice de desigualdade social da história - entre 2001 e 2011, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda dos 10% mais pobres subiu 91,2%; a dos mais ricos, 16,6%. A base da pirâmide tornou-se estreita, enquanto a região intermediária dela tornou-se robusta.

O risco Brasil despencou. Foram criadas 14 universidades federais, além do ProUni. Na ciência e tecnologia, somos reconhecidos como "global player". O país voltou a ser respeitado em fóruns e organismos internacionais, a ser ouvido por lideranças mundiais, até chegar ao ponto de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter afirmado publicamente que "Lula era o cara". 

Estarão rigorosamente corretos aqueles que, em contrapartida, afirmarem que, durante a Era Lula, a reforma agrária empacou, o agronegócio prosperou exorbitantemente, o clima esquentou, os bancos acumularam ainda mais riqueza, o setor privado da educação nadou de braçada, etnias e tribos indígenas foram condenadas à própria sorte, a violência contra negros aumentou, homossexuais padeceram nas mãos de bancadas religiosas. Faço coro com quem traz à tona tais constatações. "Foi um governo conservador, com inclinação de centro-direita, com ausência de participação popular e uma presença e atuação muito fortes de lideranças empresariais burguesas liberais, que foram o marco do governo", já afirmou o sociólogo Chico de Oliveira. 

Negar que o país mudou e avançou, no entanto, me parece leviano, ainda que não tenha sido no ritmo desejado, com a profundidade que gostaríamos, e mesmo que tais transformações já não mais correspondam àquelas originalmente anunciadas pelo PT nos primeiros anos de lutas do partido. É equivocado ainda afirmar que o projeto do PT é o mesmo do PSDB - o primeiro movimentou-se ao centro, com pitadas de social-democracia; o segundo abraçou euforicamente a direita reacionária e udenista. Mas atenção, PT: as mudanças sociais não serão televisionadas. É burrice política tratar como aliado alguém que se faz de morto para engolir o governo na primeira oportunidade. Sempre que puderem, velhacos midiáticos vão produzir factoides, inventar declarações de fontes, exagerar em entrevistas, manipular dados. Jogam sujo.

Está em marcha no país - e não é fenômeno novo, vem desde a posse primeira, como escrito acima - uma tentativa torpe de recontar a história dos anos recentes no Brasil, a partir da ótica do andar de cima. Para tanto, é fundamental implodir imagens públicas (especialmente algumas delas) e desconstruir reputações. O alvo é Lula.

É preciso fazer dele um ator político inofensivo, para que não possa atuar com impacto nas próximas eleições presidenciais, relativizando e diminuindo ainda o que o governo do barbudo representou para o Brasil. Torna-se imperativo escancarar que "Lula não é o cara". Pior: é um cara nefasto, um impostor, lobo em pele de cordeiro. Não uso - e não vou usar aqui - a expressão PIG (Partido da Imprensa Golpista). É rótulo pouco preciso que serve para aliviar a barra e não raro justificar bobagens cometidas do lado de cá. Ajuda a vitimizar. Mas não vou aliviar para os meios de comunicação, que não escondem o gigantesco desejo de escantear Lula.

Minha hipótese política é: a mídia nativa nutre pelo ex-presidente profundo ódio de classe, por conta da origem social dele, das relações estabelecidas com o povão e as periferias, pelo fato de terem sido quebrados os guetos que separavam a casa grande da senzala e, principalmente, porque Lula mostrou que a democracia brasileira pode funcionar para o populacho, e não apenas para os abastados. As elites brasileiras, donos da mídia aqui incluídos, adoram a democracia - desde que ela não tenha o desagradável cheiro de povo.

É por isso que não entra na minha cabeça: por que dar de ombros, ignorar esse cenário, resignar-se diante dele e ainda por cima insistir em repetir erros primários, em cometer crimes, entregando o ouro a quem está do outro lado do balcão, que tem orgasmos políticos múltiplos a cada novo escândalo anunciado? O ex-presidente teve a chance de mudar a cultura política do país, de reforçar e qualificar relações e práticas republicanas. Mas não deu conta desse desafio.

Vá lá, a Polícia Federal opera com independência, os crimes de colarinho branco têm sido também investigados. Ponto para o governo. No conjunto da obra, no entanto, fechou-se os olhos para práticas antigas, o clientelismo, a troca de favores, a indicação de apadrinhados, a confusão entre o público e o privado. Não é por acaso que, agora e mais uma vez (lições não foram aprendidas?), é publicizada nova investigação da PF a respeito de relações escabrosas envolvendo gente muito próxima do ex-presidente. Nada me importa a vida privada de Lula. Não quero saber com quem ele dormia ou acordava. É a intimidade dele, a ser respeitada. A discussão é de outra natureza quando os braços dessa privacidade invadem a esfera pública.

Não adianta chorar, espernear, brigar com os fatos. Havia uma chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo com poder para barganhar - e conquistar - nomeações em agências reguladoras, além de pareceres forjados, negócios e contratos privilegiados, parentes contratados, diplomas falsos, sistemas do Ministério da Educação fraudados, mensagens eletrônicas falando de pagamentos, pressões por indicações. São os fatos. E não adianta recorrer à política do avestruz e dizer "não é comigo, eu não sabia". A batalha das narrativas será novamente perdida. Não é momento para soberbas, para posturas do tipo "estou acima do bem e do mal, o povo está comigo". Quem cala, consente. É perigoso apostar numa pretensa relação direta com as massas, que estará nas ruas para defender o líder popular quando e se alguém gritar 'é golpe'.

A sensação que resta é de irritadiço abandono. Porque, aqui embaixo, continuamos dando a cara a tapa e apanhando, enquanto os bailes nababescos seguem no andar de cima. Se de lá as respostas não chegam, como ficamos aqui? Se os graúdos não explicam, por que nós deveríamos fazê-lo? Tornamos-nos órfãos políticos. Porque o que em tese nos restaria é uma suposta esquerda também com cara de forte moralismo udenista e um anti-petismo tão ressentido quando rancoroso. Batem no peito para se apresentar como os donos da ética. São os "socialistas puros", os verdadeiros, que agora começam a se deparar com o monstro-devorador de ideologias da real politik. É um projeto que não me serve, não é meu número.

Com tantas confusões se misturando, e embora não tenha vocação alguma para profecias, me parece que a História está sendo generosíssima ao oferecer ao PT mais uma oportunidade - talvez a derradeira - de vir a público para um 'erramos' sincero, rotundo (como diria Leonel Brizola) e político. Pedir desculpas não é vergonha. Foi o jornalista Ricardo Kotscho quem matou a charada: chegou a hora da verdade para o PT. Para ele, "é preciso ter a grandeza de vir a público para tratar francamente tanto do caso do mensalão como do esquema de corrupção denunciado pela Operação Porto Seguro, a partir do escritório da Presidência da República em São Paulo, pois não podemos eternamente apenas culpar os adversários pelos males que nos afligem". 

Cobramos explicações. Exigimos respostas. Sem mais demoras ou enrolações. Temos a consciência das perseguições, do ódio de classe, mas recusamos a ladainha do "coitadinhos somos nós". Novamente inspirado na leitura recente da biografia do Marighella, faço como os estudantes franceses no maio de 1968, depois reproduzidos em todo mundo: sou realista, peço o impossível. Vamos continuar sonhando e lutando. Com ou sem você, PT. 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

JOSÉ MARIA MARIN E O NACIONALISMO BOLEIRO DA DITADURA MILITAR


Na entrevista coletiva realizada em um hotel no Rio de Janeiro na manhã desta quinta-feira, para anunciar Luiz Felipe Scolari oficialmente como o novo técnico da Seleção Brasileira, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, não deixou por menos e aproveitou a oportunidade para, em seus discursos inicial e final, carregar nos velhos apelos ufanistas, exaltando a todo instante a capacidade, a competência e a dedicação dos brasileiros, como se estes fossem atributos só nossos, monopólios da nossa população, a nos tornar melhores e mais distintos que todos os outros cidadãos do mundo.

O tom das falas, às vezes flertando com ameaças, lamentavelmente lembrou os tenebrosos tempos de nacionalismo excludente, intolerante e nefasto da ditadura militar (origem política de Marin, aliás), quando era preciso "aniquilar os inimigos da pátria, salvar o Brasil e derrotar a ameaça que vinha do estrangeiro (o comunismo internacional)", quando se cantava "eu te amo, meu Brasil, eu te amo...", quando o verde e amarelo eram absolutos, quando se tinha aulas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil, quando se pregava "Brasil, ame-o ou deixe-o". 

Ao justificar a recusa à contratação do ex-treinador do Barcelona, Pep Guardiola, Marin disse que "apesar de o estrangeiro merecer de nossa parte o melhor respeito e o melhor conceito sobre suas qualidades e conhecimentos, nós o conhecemos como técnico apenas de uma equipe, e não de uma seleção, que é uma história bem diferente". Mas, vamos e venhamos: outros treinadores citados por Marin como aqueles que também acumulariam credenciais para dirigir a Seleção, como Tite, Abel e Muricy, são também conhecidos por trabalhos desenvolvidos em clubes. Ah, sim, mas são brasileiros, com muito orgulho e amor, e não desistem nunca - portanto, obviamente melhores que Guardiola, apenas pela nacionalidade.

O presidente da CBF continuou: "temos de lembrar que os títulos que conquistamos, e foram vários títulos, foram alcançados graças ao trabalho de nosso técnicos, brasileiros, e muitos deles inclusive levaram nosso trabalho para além de nossas fronteiras. Foram além, levaram conhecimentos, competência e capacidade para fora. Felizmente, nosso país tem um número muito grande de técnicos competentes, dedicados e merecedores de ocupar esse cargo (foi justamente aqui que ele citou Tite, Muricy e Abel, além de Vanderley Luxemburgo). Mais do que nunca, devemos valorizar aquilo que é nosso". Pois é, Felipão já comandou Portugal, Parreira já treinou Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes e África do Sul... Mas Guardiola não pode assumir o Brasil. Porque não é brasileiro. 

E Marin insistiu e concluiu: "lamento profundamente o fato de os brasileiros não conseguirem valorizar o que é nosso, não conseguirem enxergar os grandes feitos de nossos profissionais e de reconhecer que somos competentes e capazes". 

Só faltou o grande chefe passar em revista às tropas.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

MANO CAIU. MINHA APOSTA? TITE

A casa de Mano Menezes caiu  - e a demissão do técnico aconteceu provavelmente no momento mais promissor ou, para quem preferir, menos confuso ou turbulento da curta passagem do treinador pela Seleção. Fato: o trabalho não era, no conjunto, merecedor de elogios. Mano patinou, titubeou, abusou do direito de fazer experiências, convocou jogadores que não teriam lugar numa equipe C do Brasil, colecionou derrotas contra os gigantes do futebol internacional, refugou e preferiu enfrentar esquadrões como Gabão, perdeu vergonhosamente a Copa América e laconicamente a medalha de ouro em Londres.

Noves fora, neste segundo semestre do ano, e novamente não tanto pelos resultados, Mano começou a esboçar finalmente uma equipe, um jeito de a Seleção jogar. A defesa parecia definida - Daniel Alves, Thiago Silva, David Luiz e Marcelo. Trouxe Kaká de volta e montou um bom meio de campo, com Ramirez, Paulinho e Oscar, além do craque do Real Madrid. Na frente, Neymar era unanimidade. Os desnecessários jogos contra a Argentina serviram para anunciar o goleiro - Diego Cavallieri - e o centroavante - Fred. Pronto. A Seleção entraria em 2013, ano de Copa das Confederações, período decisivo de preparação para o Mundial, com um time que, se não é espetacular, poderia se transformar em escrete competitivo, a agradar o torcedor, ainda que sem encher os olhos com futebol arte. 

Eis que Mano, sobrevivente dos fracassos dos títulos continentais e olímpico, quase rifado em tantos outros momentos muito mais atribulados, acabou caindo justamente quando se preparava para, enfim, começar a treinar e afinar a orquestra. Foi vítima da velha e conhecida politicagem da CBF, da intenção (tão falsa quanto uma nota de oito reais) de "construir nova era, de deixar no passado as mazelas do capo Teixeira", dos acordos e conchavos feitos na calada da noite. Talvez tenha servido mesmo apenas para esquentar e guardar lugar.

Com a demissão dele, está aberta a temporada de especulações e apostas sobre o sucessor e aquele que irá de fato comandar a Seleção na Copa que será realizada no Brasil. Não tenho bola de cristal, fontes secretas, contatos com dirigentes da CBF. Mas tomo a liberdade de registrar aqui meu palpite, que é isso mesmo, um palpite, mas que procura sustentação no que conheço e acompanho do mundo futebol.

Apostando: o próximo técnico da Seleção será Tite.

Explico: muito provavelmente, o Corinthians será campeão mundial no final do ano. A sequência do treinador terá sido perfeita: títulos do Brasileiro, da Libertadores e do Mundial de Clubes. Profissional mais que testado e aprovado. Tem a seu favor ainda o fato de ter suportado uma pressão dos infernos e de ter saboreado com o clube paulista o troféu que era verdadeira obsessão da torcida. Sob fortíssimo estresse, respondeu positivamente. Foi campeão invicto. Vale lembrar que, depois da trágica eliminação para o Tolima em 2011, quem bancou Tite no time de Parque São Jorge foi... Andrés Sanchez, atual Diretor de Seleções da CBF, que poderá novamente servir como fiador do ex-companheiro. Com essas credenciais, até mesmo uma derrota considerada normal na final no Japão (placar apertado, jogo brigado, talvez decisão na prorrogação ou nos pênaltis) não representaria tragédia ou impedimento para o convite ao treinador corinthiano. Será que foi aleatoriamente que a CBF jogou para janeiro o anúncio do novo comandante?

Sobre os outros nomes especulados, todos carregam fardos bem mais pesados. Felipão, sempre lembrado por conta da conquista de 2002, saiu bem chamuscado de seu último emprego, e não pode deixar de ser considerado um dos protagonistas do rebaixamento do Palmeiras, quando perdeu o comando do time e não foi capaz de ter ascendência ou liderança sobre boa parte dos jogadores. A cotação dele já esteve melhor. Abel Braga acaba de renovar contrato com o Fluminense, campeão brasileiro, com vaga garantida na Libertadores de 2013. E, se a equipe carioca se recusou a liberar Muricy Ramalho em 2010, quando sequer o título nacional era realidade, por que abriria agora mão de seu comandante, quando há chances fortíssimas não só de boa participação, mas de conquista da taça continental? Seria incoerente. A torcida tricolor cobraria a fatura. Por fim, há Muricy, contra quem pesa o fato de já ter recusado a Seleção em 2010, que vem de derrota acachapante para o Barcelona na final do Mundial do ano passado, quando o que se viu à beira do gramado foi um treinador apático e resignado, sem saber como reagir diante da adversidade, além de ter feito um segundo semestre pífio, ridículo em 2012. Técnico estrangeiro? Sei não... Precisa de muito estofo para segurar a onda e de tempo para cair nas graças dos torcedores.     

O fato inegável é que, com a demissão de Mano, a conquista da Copa do Mundo de 2014 fica ainda mais distante, não só porque há tantas outras seleções em estágios técnicos e táticos bem superiores ao do Brasil (Espanha, Alemanha e Argentina, para citar apenas três), mas também porque o tempo urge. Que o Sobrenatural de Almeida nos proteja.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

E VIVA A DEMOCRACIA RACIAL BRASILEIRA!

Foto: O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
Respeito não tem cor nem raça. Respeito tem consciência.
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Boteco agitado em feriado paulistano ensolarado, com pancadas esporádicas e bem rápidas de chuva, sugerindo arco-íris no horizonte. Copos cheios ao alto.

- Um brinde ao grande Zumbi, que ao menos serviu para nos garantir essa terça-feira de merecido descanso e chopp gelado!, bradou um dos cinco amigos, na cabeceira da mesa.

Pausa de alguns segundos, para que todos pudessem estalar e virar os copos, em goles ávidos e sincronizados. Foi quando o rapaz que tinha puxado o brinde quebrou novamente o silêncio.

- Agora, pensando bem, e falando sério, acho injusto prá cacete ter um dia específico para comemorar os negros, uma data só para eles. OK, nada contra eles, mas por que esse privilégio?

- É porque todos os outros 364 dias são nossos, meu caro, dos brancos. Estamos em vantagem, sempre - respondeu sorrindo um segundo jovem, sem tirar os olhos de mensagens e e-mails que chegavam pelo celular.

Um terceiro rapaz fez sinal com os dedos para o garçom, pedindo mais uma rodada de chopp. E entrou na conversa.

- Não sou racista, cara, não tenho nada contra os negros, vejam bem, até tenho dois conhecidos que são meio escurinhos, são até legais, mas acho mesmo uma babaquice essa história de reverenciar consciência negra. Meu, a escravidão já acabou faz tempo, e o Brasil sempre foi muito generoso com todas as raças. O mundo inteiro reconhece isso. Somos uma democracia racial, como ensinou um professor meu no cursinho. É só comparar com o que aconteceu na África, como se chamava mesmo aquele regime? Isso, cara, apartheid. Ali sim houve racismo. Aqui, é tudo tranquilo, vivemos todos juntos e misturados, sem encrencas.

Um quarto rapaz, que até então estava mais preocupado em lançar olhares para lá de interessados e sedutores para as meninas da mesa ao lado, interrompeu momentaneamente o flerte para entrar no papo.

- Pois é, babaquice mesmo. Também não sou racista, minha família não é racista. Aprendemos a respeitar os negros. Lá em casa, a gente trata muito bem nossa empregada, uma negona gorda que é super atrapalhada, mas a gente releva, coitada. É meio lesada. Mas nunca atrasamos salário. Ela come do bom e do melhor, praticamente de graça.

- E o pior, mano, é que nem sempre elas levam tudo isso que fazemos em consideração. Uma negrinha abusada que trabalhou lá em casa e que até o filho dela levava para brincar com a gente saiu falando um monte e ainda colocou meu pai no pau, nessa maldita Justiça do Trabalho. Uma ingrata de marca maior. Traíra, véio! É isso. Não tem jeito, também não sou racista, longe de mim querer falar mal ou ser melhor que os outros, não é preconceito,  é fato. É o ditado popular quem diz: negro, quando não caga na entrada, esparrama merda na saída - sentenciou finalmente o quinto jovem, dando sua contribuição e fechando a primeira rodada do debate.

A conversa foi interrompida pela chegada de belíssimas porções de pasteizinhos e de calabresa acebolada, que foram imediatamente atacadas pelo grupo. Já eram quatro da tarde, tinham chegado ao boteco direto do futebol, sem almoçar. Deu tempo ainda de chamar mais uma rodada de chopp - o garçom entendeu prontamente o simples chacoalhar de cabeça e o copo mostrado por um deles. O que havia começado a conversa achou por bem esticar o assunto.

- Sabem o que me irrita mais? Essa porcaria de ditadura do politicamente correto. Cacete, agora não posso mais falar mal dos negros, mesmo quando tenho razão, não posso mais manifestar minha opinião? Tudo é racismo! Nem piada mais com negro a gente pode fazer! E a liberdade de expressão, cara, garantida pela Constituição? Como fica?

- Já que você tocou no assunto, vou falar mais um pouco - completou o colega que àquela altura já trocava mensagens por celular com uma das meninas ao lado. - Sinto muito, não é mesmo questão de ser racista, mas eu acho mesmo que os negros são mais violentos e preguiçosos. É só olhar os julgamentos, as prisões, os crimes cometidos nas periferias. Quem são os envolvidos? Negros, na maioria das vezes. Eu não penso duas vezes: na madruga, na volta da balada, se enxergar um negro com cara de suspeito, atravesso a rua a acelero o passo. Dane-se. Questão de segurança, véio! E se eles tivessem mesmo competência, estariam nas melhores escolas, universidades, em posições de destaque nas empresas. Porque quem tem competência se estabelece. É só ver o Pelé, agora o Joaquim Barbosa. Diz aí, vocês conhecem algum bom médico negro? Algum outro advogado de renome? Um engenheiro ilustre? Pois então...

Foi a deixa para que aquele que tinha a família processada pela ex-empregada voltasse à arena.

- E aí inventam essa porcaria das cotas, que funcionam como privilégio, né, cara? Porque, porra, o sujeito que não é de cor estuda, se esfola, paga, faz cursinho, consegue boas notas, mas no final quem entra na faculdade pública é aquele neguinho da perifa, protegido pelas cotas, e que vai inclusive derrubar a qualidade de ensino na faculdade? Caraca, mérito é mérito, mano! Não está certo isso aí não! Precisa rever essa parada. É justo tirar vaga de quem estuda?

Quando os quatro olharam, o Don Juan do grupo, ligeiramente embriagado, já fazia menção de se levantar para tomar assento na mesa das bonitonas ao lado. Antes, porém, anunciou:

- Meus caros, o papo está bom, mas está muito cabeça. Que Zumbi nos perdoe, mas não viemos aqui para passar a tarde inteira falando de negros e de racismo, né, galera? Até porque, já concordamos, não somos racistas, ninguém aqui é racista. Ponto final. Portanto, meu amigo Bola Sete, mais chopp aqui para o pessoal - gritou, chamando o garçom, negro, no que foi imediatamente atendido. E completou: 

- Um brinde ao Brasil, o país de todas as raças! Vamos ao que interessa!

Sem perder mais tempo, pulou finalmente para a mesa ao lado, já trocando sorrisos e afagos com a loira de lindos olhos azuis. 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

PAI E FILHO CONVERSAM SOBRE A VIOLÊNCIA EM SÃO PAULO

O garoto, curioso desde pequeno, e agora inquieto adolescente, 15 anos, espinhas marcando o rosto, a voz alternando notas graves e agudas, entra na sala com a testa franzida.

- Pai, você que está lendo os jornais e acompanhando de perto, o que está acontecendo em São Paulo?
- Os jornais dizem que explodiu uma guerra, meu filho. É assustador e preocupante mesmo.
- Como assim, uma guerra?
- Pois é, acabei de ler nesta revista aqui uma reportagem que revela que a criminalidade saiu de controle, os bandidos não têm mais pudores ou constrangimentos, estão matando mesmo, matando policiais, incendiando ônibus, impondo toque de recolher, espalhando o medo e colocando a população em pânico. Uma barbaridade.
- Mas isso tudo começou quando?
- Há cerca de um mês, segundo os jornais.
- E por quê? Quais as razões dessa guerra? O que os bandidos querem?
- Bem, o cara daquele programa na televisão, ontem, no final da tarde, falou em vingança, em revide, em quebra de acordos, em listas de alvos a serem atacados, em chantagens do PCC.
- Vingança e chantagem? Por quê?
- Ele não explicou.
- E espere aí... você falou em acordos... bandidos e policiais têm acordos?
- Não sei, parece que sim. É o que estão noticiando.
- O governador não dizia que o PCC já tinha sido controlado, vencido, os líderes estavam na cadeia, segurança máxima?
- Pois é...
- Invadiram e ocuparam favelas.
- Não tem jeito.
- O pai do Arnaldo, que vive ouvindo rádio, comentou que os bandidos atacam apenas policiais militares, oficiais da Rota. A polícia civil não entra nessa história?
- É, bem pensado, não li notícias sobre ataques a policiais civis mesmo.
- Por quê?
- Boa pergunta!
- Caraca... Dá para saber como e por que tudo começou? 
- Vingança, chantagem, acordos, ameaças, disputas... É o que os jornais estão dizendo.
- Sei. Mas a mãe da Silvinha, internauta de carteirinha, disse que os policiais também estão matando...
- O sujeito da televisão dizia ontem que não tem jeito, que é preciso revidar, tem que ir para cima dos marginais e dos delinquentes, arrebentar com eles, trucidar mesmo e não deixar que tomem conta da cidade. É uma guerra.
- Mas policial pode atirar e matar assim, por vingança, por raiva, para revidar?
- É uma guerra.
- E só repressão resolve?
- É uma guerra.
- Entendi... mas então não é uma guerra só de bandidos de um lado e só de mocinhos do outro, é bem mais complicado, não?
- ........
- Tudo bem, pai, tudo bem, não esquenta. É uma guerra. Difícil de entender mesmo.
- É, filho.
- Só mais uma pergunta...
- Claro, claro!
- Por que é que você continua lendo esses jornais e revistas todos empilhados aí em cima da mesa?
- .......
- Ah, e posso desligar a televisão? Esse apresentador não pára de berrar.

domingo, 11 de novembro de 2012

PARECE QUE O STF NÃO SABE O QUE É DOMÍNIO DO FATO...


O ministro Joaquim Barbosa pode até espernear, tentar agredir verbalmente, levantar a voz, desqualificar, fazer jogo de cena, posar e falar para os holofotes midiáticos, como normalmente acontece quando é contestado em suas pretensas verdades absolutas. Mas é implacável e arrebatadora a entrevista de Claus Roxin publicada neste domingo pela Folha de São Paulo. 

Roxin, 81 anos, jurista alemão que ajudou a especificar e aperfeiçoar a teoria do domínio do fato, coloca os argumentos usados pelo relator do processo do mensalão na berlinda, confirmando um fundamento elementar do Estado Democrático de Direito: não é possível condenar sem provas. E todos são inocentes até que se prove o contrário. 

Perguntam Cristina Grillo e Denise Menchen, repórteres do jornal: "É possível usar a teoria (do domínio do fato) para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?"

O jurista alemão responde, de forma cristalina e precisa: "Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso (da doutrina). 

A Folha replica: "O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?".

Roxin é novamente bastante objetivo: "A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ("dever de saber") é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso de Fujimori (ex-presidente do Peru), por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados".

Por fim, as repórteres questionam: "A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?".

Roxin finaliza: "Na Alemanha, temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública".

Trocando em miúdos: o jurista que é referência internacional no assunto justamente por ter sido o responsável por consolidar a teoria está a sugerir que o Supremo Tribunal Federal não poderia ter usado o "domínio do fato" para garantir as condenações já estabelecidas, no caso do mensalão. 

A partir desse raciocínio, é possível reforçar a impressão de que a tese foi utilizada de forma enviesada, sem os devidos fundamentos jurídicos, com intuito de prestar contas para a opinião publicada, estabelecendo ainda condenações políticas, sem provas. 

E a quem os condenados agora podem recorrer?