segunda-feira, 30 de junho de 2014

30 DE JUNHO - QUE COPA É ESSA?

Eu já estava esfregando as mãos e me preparando para a versão brasileira futebolística da Batalha de Argel. Foi por um trisquinho. Não deu. O novo Maraca vai ser mesmo palco da antiga rivalidade franco-alemã. Em disputa, os dois países sabem disso, muito, mas muito mais que o controle das minas de ferro e de carvão da Alsácia-Lorena. Esqueçam o Tratado de Versalhes. Vale vaga na semifinal da Copa do Mundo, meu povo. Recomendo fortemente cancelar todos os compromissos da sexta à tarde, por favor. Questão de juízo. Já fiz isso. A peleja é imperdível. Na sequência, Brasil x Colômbia no Castelão. Demora muito para chegar sexta? Quando essa encrenca toda começou, com a divulgação da tabela do Mundial lá no já longínquo começo de dezembro de 2013, achei, um tanto desolado, vá lá, resignado, que veria mesmo os jogos pela TV. Tudo bem, compro uma maior, tela plana, altíssima definição, função futebol. Um monte de penduricalhos. Mas seria sempre televisão, pombas. Paciência. Sem fazer alarde, apareceu um ingresso para Argentina x Irã. Já me dava por satisfeito, confesso. Numa manobra ousada, a considerar período de aulas, preços de passagens, quase um bate e volta, carimbei passaporte para Fortaleza. Uruguai x Costa Rica. Muito bom. Quando menos esperava, mensagens desbragadamente trocadas por celular, decisão em tempo recorde, segura aí, não deixa vender, só vou fazer as contas, cravei mais dois ingressos. Itaquerão. Uruguai x Inglaterra. Chile x Holanda. Quase o jardim do Éden, se ele existe. Foi uma espécie de mini Copa América particular. A inenarrável sensação de ver um jogo de Copa com o Daniel; outro, com a Luiza. Pensem num pai explodindo de felicidade. Transbordando satisfação. Esse cara sou eu. Não deu para as oitavas. Ainda não desisti das quartas. Nem da semi. Muito menos da final. Numa dessas... Estamos aí. Certo? O escritor colombiano (três batidas na madeira) Gabriel García Márquez dizia que somos aquilo que lembramos. Memórias. As de junho/julho de 2014 vou carregar sempre comigo. Ainda que, bem velhinho, talvez numa casa de repouso, as inevitáveis falhas de comunicação entre neurônios exaustos se manifestem. Não importa. As cenas continuarão lá, bem guardadinhas. Numa caixinha especial do cérebro. Num cantinho privilegiado da alma. Ainda que eu já não mais consiga expressá-las. Serão minhas. Uma Copa é feita de várias copas singulares. São enredos costurados para além dos lindos lances, gols e defesas que estamos vendo nas tais arenas. Um Mundial que não acontece em campo. Em Belo Horizonte, conheci um taxista que estava encantado com a festa feita pelos colombianos (batam de novo na madeira). "Adoraram a caipirinha, ficaram loucos com a bebida. Não conheciam", divertia-se. Foi o mesmo motorista que se ofereceu para, depois de me deixar no Mineirão, porque o relógio andava mas o trânsito não, deixar minha mochila na portaria do hotel. Em Fortaleza, foi também um taxista quem muito gentilmente nos alertou, ao nos deixar numa avenida onde iríamos procurar lugar para matar a fome, para depois seguir para o hotel: "muito cuidado. Não andem sozinhos pelos lados de cá. É barra pesada. Para lá, tudo livre e sossegado". Na saída do estádio, depois do Castelazo uruguaio, dois amigos costarriquenhos devidamente uniformizados se abraçavam e ajoelhavam. Dei parabéns a eles. Só conseguiam dizer "gracias, gracias, gracias". Sem parar. Estavam em transe. Tiramos até fotos juntos. Não sei se lembram. O metrô de São Paulo foi alçado à condição de atração obrigatória. A gente nem se importa com os vagões lotados. Ao contrário - torcemos incrivelmente mesmo para que estejam bem cheios. De sotaques de todos os timbres, cores de todas as bandeiras. No dia da abertura, os croatas desenharam a Paulista em vermelho e branco. Caixas e caixas de cerveja empilhadas nos bares. Vi os franceses cantando a Marselhesa a plenos pulmões no Vale do Anhangabaú. Em casa, os últimos vinte dias foram marcados por acaloradas mesas-redondas domésticas. Pai, o Felipão não deveria ter escalado o Hulk. Foi pênalti, sim. O meio da França é muito bom. O da Alemanha é melhor. A Bélgica está decepcionando. Luiza e Daniel assumiram ares de Paulo Vinicius Coelho, Paulo Calçade, Antero Greco. Eu, amigão, e Elisa, my friend, atuamos como modestos moderadores. O bate-bola esteve sempre com eles. Linha de passe. O aparelhinho da TV esteve permanentemente sintonizado na ESPN Brasil. Será assim até a final. No bolão da família, continuo na briga. Terceiro lugar. O Dani foi perdendo fôlego. Não se conforma. Promete reagir nessa reta final. Meu celular acabou se transformado numa Central da Copa. Dispara mensagens. Recebe mensagens. No Itaquerão, passei um frio de rachar. E um calor de derreter. Vi inglês trajado de cavaleiro templário falando palavrões em sequência interminável. Código Da Vinci. Robert Langdon não perdoaria o sujeito. Vi chileno que dormiu o jogo inteiro contra a Holanda. Não podia ser ressaca de balada. Era um senhorzinho! Provavelmente exausto por conta da maratona copística. A mesma peregrinação que parece jamais cansar os argentinos. Os hermanos fizeram onda azul e branca no Rio de Janeiro. Transformaram BH em Belôs Aires. Invadiram Porto Alegre. Estão tomando conta de São Paulo. Os caras são fanáticos. Têm meu respeito. Marcam presença mesmo. Tem neguinho que foi para a capital mineira de carro. Li hoje na Folha a história de dois estudantes, uma garota e um rapaz, que saíram de San Isidro, perto de Buenos Aires, com trezentos dólares nos bolsos. Só viajaram de carona. Na boléia de caminhões. Estão dormindo em sofás solidários. Li também que os jogadores gregos doaram o prêmio da classificação para as oitavas para a construção de um centro de treinamentos para a seleção deles. Golaço. De placa. Pode colocar no DVD dos melhores momentos do Mundial. Ontem, durante o jogo da Costa Rica, país que não tem exército e não sabe o que é golpe de Estado, grudei um olho na TV e outro no twitter do presidente costarriquenho, Luis Guillermo Solís. "Estamos com vocês! As melhores vibrações para Keylor Navas! Somos gigantes! Passamos! É a história!", foi narrando. Só em Copa do Mundo mesmo. No Maraca, o mano Guto Bicudo viu os colombianos (madeira mais uma vez) nas arquibancadas torcerem para o Brasil, na disputa de pênaltis. Vídeo que está circulando nas redes sociais mostra os jogadores alemães Podolski e Schweinsteiger festejando a classificação do Brasil. Quase fazendo um poropopó com os funcionários do hotel onde os germânicos estão concentrados, em Santa Cruz de Cabrália. Vai ver que é por essas e por tantas outras que 38,5% dos jornalistas estrangeiros afirmam, em enquete feita pelo insuspeito UOL, que essa é a melhor Copa que já cobriram. Batemos de longe a Alemanha, 2006 (19,7%), a África do Sul (5,1%), os Estados Unidos (4,3%), a Itália (3,4%), a França (também 3,4%), o Japão e a Coreia (os mesmíssimos 3,4%), o México, 86 (1,7%), o México, 70 (também 1,7%) e a Alemanha, versão 74 (0,9%). Para desespero dos profetas do apocalipse, que já começam a bradar imagina depois da Copa! Imagina nas eleições! Imagina nas Olimpíadas! Imagina! Imagina! Imagina! Imagina que participar dessa festa não é sinônimo de alienação, de analfabetismo político. Continuamos de olho nas nossas profundas injustiças sociais, no autoritarismo e no cinismo dos nossos governos. Protestando. Ocupando as ruas. Com consciência. Sem abrir mão de viver esse evento de perto. Dentro das quatro linhas, a Copa nos brindou hoje com as exibições fantásticas da Argélia e da Nigéria. Mama África aplaude, orgulhosa. Dignidade e futebol vistoso. Dois grandes goleiros, no torneio que é também o dos arqueiros. Um ingresso para Argentina x Suíça chegou a passar bem pertinho das minhas mãos. Mas voou. Ideia da Luiza, imediatamente aceita, vamos ver os hermanos amanhã na telona do cinema. Mais uma experiência inédita nesse Mundial de tantas novidades. Conto depois. Aguardem.  

domingo, 29 de junho de 2014

29 DE JUNHO - A SELEÇÃO BRASILEIRA NO DIVÃ

As manchetes já estavam prontas. Faltava só apertar o ENTER. Copa cada vez mais América. Holanda amarela de novo. Holanda joga como nunca, perde como sempre. O caminho da Argentina para a final cada vez mais fácil. Hermanos podem comprar passagens para o Maracanã, 13 de julho. Como diria o sábio Mané das pernas tortas, faltou combinar com os holandeses. Uma bola espirrada, aos 43 do segundo tempo. Balaço do Sneijder. Não tem deus asteca, Montezuma ou Ochoa (já tinha feito milagre) que pegue um petardo daqueles. Seis minutos de acréscimo. Deram espaço para o carequinha da perna esquerda que é especialista em cem metros rasos entrar na área. Corta para lá, não deixa escapar pela linha de fundo. Pelota grudada na canhota. Que lance infantil, Rafa Márquez. Que desagradável. O Robben valorizou, é verdade, pulou, fez cena. Rolou, se contorceu. Ator padrão FIFA. Imagina se fosse o Neymar. Apesar da ceninha patética, foi pênalti. Bola na marca da cal. Huntelaar em dia de Aloísio Boi Bandido faz e sai dando voadora na bandeira de escanteio. Virada e classificação da Holanda. Nos minutos derradeiros. Magia de uma Copa do Mundo que só faz confirmar que jogo de futebol é sempre uma caixinha de surpresas e que só termina quando o juiz apita. Peço desculpas pelos clichês. Quem mandou abrir mão do jogo, México? O torcedor laranja que saiu antes do estádio, triste, decepcionado, se arrependeu. Voltou correndo enrolado na bandeira para participar da festa. Editores saíram pelas redações gritando 'atenção, cuidado, cuidado, muda essa manchete, corrige. Não dá enter! Não dá enter. Nada de Mario Sergio Conti!". Elisa aproveitou o domingão preguiçoso, que começou quente e foi ficando friozinho, para brincar com os meninos na festa junina da pracinha que fica perto de casa. Feliz coincidência, encontraram por lá a Vania Ferreira, o Bruno Vergueiro, a Marcia Midori, o Mauricio Rigatto. Amigos queridos. Porque a vida só tem graça com eles. A condição do Daniel foi explícita: a gente sai três da tarde. Se não tiver prorrogação e pênalti no jogo da Holanda. E volta antes das cinco, para ver a Costa Rica. Garoto esperto. Teve quentão. Forró. Fogueira. Refuguei. Abri mão da quadrilha. Defendo que se acrescente à Declaração Universal dos Direitos Humanos um artigo a estabelecer que todo domingo será usado para ficar morgando em casa, sem compromisso, cultivando a arte da preguiça. Ócio criativo. Aproveitei o tempo livre para organizar pastas e envelopes com provas e listas de assinaturas, acertar últimos detalhes de diários. Material que será todinho entregue amanhã, na universidade. Que rufem os tambores e comecem as férias. Na solidão, aconchego do lar, o diabinho cutuca. Vem sempre uma ideia. Ou muitas. E lá se foram meus neurônios, a elucubrar sobre a Seleção Brasileira. Sem a tensão dramática dos pênaltis. Com a preocupação de quem reviu o jogo contra o Chile inteirinho na madrugada. Maluco total. Não vou apedrejar o time de Felipão. Fácil. São apenas angústias ao vento. Torcedor. Até porque é um bom time, com qualidade. O fato é - o Brasil não está jogando bem.  Não há saída de bola. Falta meio de campo. A equipe não tem quem pare a bola e pense o jogo. James Rodríguez vestiu uma camisa amarela e saiu por aí, desfilando sua elegância sutil pelos gramados nacionais. Mas não é Bobô. Não é brasileiro. Pena. Cairia como uma luva. Felipão deve ter passado as últimas madrugadas em claro. Ponteiros do relógio rodando, ele divagando. Porque muitos dos boleiros de confiança dele e que fizeram boa Copa das Confederações não estão jogando bem agora. Daniel Alves, Marcelo, Paulinho, Oscar, Fred. Todos podem jogar muito mais. Restam Julio Cesar, Thiago Silva, David Luiz, Luis Gustavo e Neymar. É pouco. Sobretudo quando o craque brasileiro não joga. Aí fica duríssimo. Os reservas, pontualmente, estão entrando bem. Sem brilho, no entanto. Sem conseguir resgatar o equilíbrio e a estabilidade que a equipe tinha. O que torna o caldo mais confuso ainda. Há que se reconhecer a qualidade de nossos adversários. Nem sempre a gente lembra disso. O México foi muito competente. O Chile é um time muito organizado, com eficiência coletiva e talentos individuais. Verdade também que as outras seleções aprenderam a jogar contra o Brasil do gaúcho de bigodes. Nas Confederações, o Brasil era franco atirador, escrete em formação. Havia o elemento surpresa. Marcação sob pressão no ataque, Neymar livre, Oscar e Hulk caindo pelas pontas, laterais atacando, volante cão de guarda. Ficou previsível. Aí é que precisa entrar o dedo do técnico. E algo chamado treino. O que, não me parece, seja a rotina dessa Seleção. Jogo ontem. Folga hoje. Reapresentação no final da noite do domingo. Treino leve na segunda. Jogadores cansados. Não vamos forçar. Para não estourar. Na terça, atividade mais forte, específica, pensando já na Colômbia. Na quarta, viagem para Fortaleza. Treino de reconhecimento no Castelão na quinta. Jogo de quarta-de-final na sexta. É muito pouco. Quando a gente era moleque, sempre aparecia um técnico que distribuía bolas e fazia ficar chutando a pelota, de primeira, na parede. O famoso paredão. Com a direita! Agora com a esquerda! Bate forte! De lado! De peito! De três dedos! Agora quero a bola aqui! (e apontava um círculo na parede, no alto). Tínhamos depois que treinar passes. Corridas com a bola dominada. Cobranças de faltas. Mata e toca! Só dois toques! E tudo isso era muito mais por brincadeira, nada sério. No máximo final de um campeonato interno, torneio inter-clubes, competição entre escolas. Imagina numa Copa do Mundo. Precisa treinar, Felipão. Para aperfeiçoar e corrigir, com a repetição. Para ensaiar jogadas. Para usar a bola parada. Para aprender a sair de marcação sob pressão. Para pensar em variações táticas. Para sonhar em ganhar a Copa do Mundo. Do lado de cá da cerca da Granja Comary, arrisco palpite: esse é o nó gordo da Seleção. Muito mais que a instabilidade emocional - que existe, mas que vem sendo agora cantada em verso e prosa como vetor inexorável de possível fiasco. A Seleção é jovem. Os que lá estão, no entanto, não são novatos inexperientes. Já jogaram finais de Champions, de Libertadores, de Mundiais. São cascudos. Mas eles choram quando o hino toca, quando estão no túnel de acesso ao gramado, antes de bater pênaltis. Eu também. E daí? Seres humanos que são, extravasam emoções. Sentem. Não deve ser fácil mesmo jogar Copa em casa própria, num país acostumado a ganhar e onde o segundo lugar vale nada. Imagina ser desclassificado nas oitavas. Baita pressão. Ah, eles sabiam disso. Verdade. Mas o bicho pega mesmo quando a bola rola lá nas tais arenas. Até então, é tudo só expectativa e vontade. A perna treme mesmo. Ainda que não se queira, que se tente controlar. Quem aí não teve tremedeira no pezinho esquerdo, bem o da embreagem, quando foi fazer exame de auto-escola, dezoito anos recém-feitos? O carro morreu. Era só carta de motorista. Então. Jogadores de futebol não são máquinas infalíveis inovadoras da Apple de Steve Jobs. Chico, eles ganham muito bem para fazer o que deles se espera. É obrigação. Não é. Ganham rios de dinheiro, ninguém nega. Quem quer ser um milionário da bola? Mas não me consta que nos contratos deles esteja escrito que estão obrigados por alguma determinação divina a levantar o caneco. Se não for assim, queimarão nas fogueiras da inquisição, labaredas acesas pela tal opinião pública futebolística. OK, também fiquei ressabiado quando vi o capitão Thiago Silva sentado na bola, linha lateral, a mirar o infinito, abatido, quando a prorrogação terminou no Mineirão. O que passa, capitão? Não acabou. Que apatia é essa? Aí apareceu o Paulinho para, na roda final, bater no peito de cada jogador e chamar os caras para cima, em bom português boleiro. Foi quando o David Luiz disse 'bato o primeiro'. Foi quando o Neymar chamou o Felipão e mandou: 'O último é meu'. Concordo, é preciso tomar cuidado com o tom. Não pode chegar ao volume máximo. A emoção não pode atrapalhar desempenho em campo. O time não pode virar exército napoleônico, esmurrando escudos e urrando de vontade de invadir a Rússia. Até porque pode aparecer um general inverno no meio do caminho. Ou um bom time colombiano. Pode dar bobagem, meu capitão. O desafio do Felipão, conhecido por ser exímio motivador, é buscar inspiração no grego Arquimedes e achar exatamente esse ponto de equilíbrio, para alavancar o desempenho da Seleção. Sinceramente: daqui, de fora, não vou apontar o dedo e condenar os caras por não esconderem a dimensão humana que caracteriza a nossa espécie - razão e sensibilidade. Me parece cruel demais. Vou insistir nesse segredo, Felipão, não espalhe, não conte para ninguém. Treino e terapia em grupo. Coloque essa moçada para suar. Muito. Depois tranque a porta, puxe o divã e diga "vamos falar sobre isso". Freud, Lacan, Piaget... Sei lá. Aí é com você, comandante. Vai que é sua. Já falei demais. Viram só? Divagações futebolísticas numa tarde de domingo. Teve neguinho que escreveu no face que Costa Rica x Grécia fez sentir saudades dos jogos do Paulistão. Será? É, foi chatinho. Emoção mesmo só no finalzinho, para variar, com o empate dos deuses do Olimpo (de novo) e a prorrogação. Vi as penalidades passando manteiga no sanduíche do Daniel. Pênaltis nos olhos dos outros é refresco. Me empolguei com Navas. Como lembrou o Rogério Zé, um só Ruiz já ajudaria bastante o time do Santos. Estão por lá mesmo. Gostaram tanto da Vila Belmiro. Vixi, o pão torrou no forninho. Vou lá fazer outro. O moleque está com fome.     

sábado, 28 de junho de 2014

28 DE JUNHO - SUFOCO. E ERA UMA VEZ UM FANTASMA

Cresci ouvindo uma historinha que dizia assim: era uma vez um fantasma. Trajava camisa azul. Garboso. Calou o Brasil num 16 de julho de 1950. Estádio do Maracanã. 200 mil torcedores. O mais longo minuto de silêncio já visto numa Copa do Mundo. A tragédia que reforçou nos brasileiros o maldito complexo de vira-latas. Estamos fadados à derrota. Jamais. Imaginem na Copa de 2014, saíram de lá dizendo nossos avós. Choro. Celeste. Raça. Schiaffino. Ghiggia. Barbosa crucificado. Jogadores condenados ao panteão dos fracassados. Vice-campeonato em casa. Maracanazo. Toda vez que a gente jogava contra o Uruguai, lá vinha a assombração atormentar. Ganhamos muitas vezes. Em Eliminatórias, em Montevidéu, no Centenário. Goleando. Em amistosos. Na Copa das Confederações. Em Copa América. Em final de Copa América, num mesmo 16 de julho, em 1989. Romário. Até em semifinal de Mundial. México. Não adiantava. O canto ecoava. Maracanazo. Maracanazo. Maracanazo. Reverencio a história da Celeste. Faz parte do Olimpo do futebol. São gigantes. Mas... Sessenta e quatro anos depois, diziam que o tal fantasma tinha voltado. Para escrever mais um capítulo desse livro, agora versão adulta. Ainda mais assustador. Implacável. Ouvi dizer que já tinha até comprado ingresso para a final, 13 de julho, no mesmo (ou não) Maraca. Estaria sentadinho na cadeira 28, fileira A, portão M, setor 1. Bem atrás do gol onde Ghiggia marcou. Assento reservado. Boatos fortíssimos de que, dali, veria o gol do terceiro título. No cantinho esquerdo baixo do goleiro. Tri. Maracanazo. Em Fortaleza, na estreia da equipe do camarada Mujica, cantavam "seremos campeões como da última vez". Maracanazo. Lá, o que vi foi Castelazo. Exibição de gala da Costa Rica. Quis o destino, esse brincalhão caça-assombrações, que o Uruguai voltasse ao Maracanã, numa Copa, para enfrentar um escrete de camisas amarelas e calções brancos. Com um 10 que é o maestro máximo desse torneio. Mata no peito estufado, com estilo. Gira o corpo. Olha. A pelota vai caindo lentamente. Ao alcance de um sem pulo de esquerda. Petardo. José Silvério narraria "ela ficou pedindo me chuta, me chuta... Ele encheu o pé". Muslera voa. Trisca. A bola estufa as redes. ângulo. Que maravilha! Golaço. Mais um. James Rodríguez já tinha anotado tento lindíssimo contra o Japão. Com todo mérito, é agora o artilheiro da Copa. Cinco goles. De craque. No Maracanazo às avessas, teve mais um gol. Da Colômbia. É a Seleção que encanta. Alegria e ousadia. Cuadrado. Armero. Zuñiga. Ospina. Alguém viu o fantasma por aí? Dizem que saiu de fininho, sem fazer alarde, disfarçado, antes de a partida terminar. Não viu a festa colombiana. A essa hora, deve estar desembarcando em Montevidéu. Para nunca mais voltar. Depois do mimimi do "complô contra a Celeste", os uruguaios foram bravos. Mais uma vez. Chega um tempo de Copa, porém, em que, diante de futebol vistoso e bem treinado, só raça não basta. Adiós. Outros fantasmas? Estão por aí. Ariscos. Sorrateiros. Dissimulados. Dementadores. Comensais da morte. O futebol os adora, flerta com eles a cada passe. Cada dividida. Cada decisão por pênaltis. O do Maracanazo, no entanto, foi-se. O último capítulo de um dos livros da minha infância foi escrito hoje. Página infeliz da nossa história. Agora virada. Maracanazo. Estou vivo. Os pênaltis? Vi abraçado ao Daniel, cabeça apoiada no ombro dele. Respirando aceleradamente. Só nós dois. Pai, estou com medo. Gritamos no do David Luiz. Mais alto ainda no primeiro defendido pelo Julio Cesar. Soltamos palavrões para o Willian. Trememos no primeiro convertido pelo Chile. Ficamos aliviados com o do Marcelo. Bateu na mão do goleiro. E daí? O que vale é que entrou. Explodimos na segunda defesa do Julio. No cantinho! Mandamos o Hulk à merda. Pai, estou com medo. Apertou minha mão. Estávamos de joelhos. Só nós dois. Também senti medo no quarto dos chilenos. Gol deles. Foi isso? Sei lá. Perdi as contas. Nossos corações quase pararam no do Neymar. Valeu, Moleque! Atordoado, só vi a quinta cobrança chilena explodindo na trave. Achei que tinha sido na direita. Acabei de ver que foi na esquerda. A imagem ficou turva. Ainda consegui mirar os jogadores brasileiros correndo para pular no Julio Cesar. Abracei o Daniel. Pulamos, pulamos, pulamos. Como se não houvesse amanhã. Descarga de adrenalina. Abraçamos meu pai. Minha mãe. E desabei. Fiquei caído no chão. Meia hora depois, a pressão despencou. Sal na língua. Tudo sob controle agora. Ainda escrevo com o corpo todo moído. Dores nos braços e nas pernas. Como se um caminhão na ladeira tivesse me atropelado. Daniel, fiel escudeiro pé quente. Luiza, minha princesa da sorte, ligou. Corrente de comemoração. Mensagens trocadas com irmãos, primos. amigos. Preciso de uma boa noite de sono. Vou dormir aliviado. Mas preocupado. O Brasil teve lampejos de bom futebol nos trinta minutos iniciais do primeiro tempo. Vacilou em lance amador. Gol do Chile. Apagão. O segundo tempo foi show de horrores. A Seleção foi dominada. Neymar sumiu. Uma das piores jornadas da carreira dele. E que se reconheça que o Chile jogou bem. Sampaoli estudou o Brasil. Neutralizou nossas virtudes. E mostrou boa coleção de atributos futebolísticos - jogo coletivo, troca rápida de passes, volantes habilidosos, atacantes perigosíssimos. Belíssima geração de boleiros chilenos. Dilma e Lula, que compraram a Copa para o Brasil, esqueceram de apresentar o recibo para o árbitro. Sua senhoria anulou gol legítimo de Hulk. Não foi mão nem no Mineirão, nem Lagoa da Pampulha, nem no aeroporto de Confins. Peito. Quem disputa aquelas peladas de final de semana sabe bem que, pela trajetória da bola, foi matada no peito. Como manda o manual do bom futebol. Nota lamentável: imbecis nas arquibancadas do Mineirão vaiaram o hino chileno. Boçais. Beócios. Em campo, a Seleção avançou. Aos trancos e barrancos. Com esse futebol, ficamos na Colômbia. Arruma esse time, Felipão! Já passou da hora. Enquanto o técnico da Seleção quebra a cabeça e vira a madrugada matutando o jogo de sexta-feira, quarta-de-final, coloco ponto final e vou descansar. Com as luzes apagadas. Porque não tem mais fantasma uruguaio vagando por aqui.            

sexta-feira, 27 de junho de 2014

27 DE JUNHO - O PÉ FRIO



Dá uma raiva danada. Daquelas de querer chutar a quina da mesa, com força. E nem sentir dor no dedinho. Porque é batata – chega como quem não quer nada. Senta do seu lado. Puxa conversa. Faz dois ou três comentários. É até simpático. E daí? No jogo difícil, apertado, decisivo, sai rapidinho gol do adversário. Cacetada! Não há Stephen Hawking ou Miguel Nicolelis que expliquem. Não dá para aferir em acelerador de partículas. Não cabe método científico. A culpa é das estrelas. São energias negativas, concebidas em outras dimensões. Multiversos. Forças ocultas. Sem mais delongas - é o famoso PÉ FRIO. Não adianta negar. Eles existem. Não são poucos. Tenho certeza que você conhece ao menos um. Unzinho. Alguns, até. Muitos? Pense bem. Lembrou, né? Fácil. Tem uma tia da minha mãe, irmã do meu avô, que era graduada, especialista, mestre, doutora e pós-doutora na arte da secação futebolística. Nem o Santos de Coutinho, Pelé e Pepe escapava. Mesmo que fosse contra adversário bem mais fraco. Era derrota. Na certa. Imagine o Santos das vacas magras! Meu avô e a irmã eram muito próximos, bem amigos. Ela tinha o costume de almoçar na casa dele todo final de semana, em geral aos sábados. Mas havia um código de ética, pacto de sangue. Irrevogável. Sem direito a recurso. Ela telefonava toda sexta-feira. Para saber a tabela do campeonato. Eryx, tem jogo do Santos amanhã? Tem, Aísa. Venha no domingo. Amanhã não! Ela respeitava. Sem pestanejar. Eu não era nascido, mas a historinha virou caso de família. Relembrada em mesas de muitas festas. Na Copa do Mundo de 1970, meu avô estava na Europa. Mas essa mesma tia resolveu ver Brasil x Uruguai, semifinal, na casa dele, que chamávamos de chácara, em São Bernardo. Não sei o que deu na cabeça da minha mãe e dos meus tios para autorizar tal presença. A fama de seca pimenteira já era conhecidíssima. Mas lá estava ela. Nada de sair gol. Angústia. Tensão. E, pqp, gol da Celeste. Fantasma de 50. Maracanazo. Ela resolveu dar uma voltinha no terraço. Adivinhem? Gol do Brasil! Empate! Clodoaldo! O pessoal que lá estava caiu na real. Não tiveram dúvida: trancaram portas e janelas da chácara. A senhora ficou o resto do jogo do lado de fora. Com frio de junho. Providência bastante sensata, sem sombra de dúvidas. Resultado final: virada canarinho. 3 x 1. Vaga na final. O pé frio dela era tão poderoso que, na família, o nome dessa tia passou a ser sinônimo de neguinho que seca o time do outro. Baita xingamento. Seu Aísa!, manda um, quando o adversário marca. Pé da Sibéria. Verdadeiro iceberg. Ainda não acreditam? Pois tem um conhecido meu, não chega a ser amigo, gente boa, que acho que nunca viu o Santos ganhar no estádio. Tremendo pé frio. Quando toca o celular em dia de Peixe em campo e vejo o número dele, tenho calafrios. Digo sempre que não vou ao jogo, gaguejo, invento desculpa. Não adianta. Lá está o cara, nas arquibancadas. É impressionante. O Santos perde mesmo. Na final da Libertadores, 2011, o maluco teve imprevisto. Na última hora, não pôde ver a decisão contra o Peñarol, no Pacaembu. Beliscamos o tri. Inesquecível. Também não conseguiu ir ao Morumbi, Brasileiro de 2002, nem a São José do Rio Preto, 2004. Santos bicampeão. Em compensação, contra a minha vontade, o sujeito esteve nas finais do Paulista de 2009 (derrota para o Corinthians), de 2013 (de novo perdemos para o Corinthians) e de 2014 (Ituano!). Tirem vocês as conclusões. Aqui em casa, dizemos que a mãe de um amiguinho do Daniel está invicta. Jamais viu o time da escola dos meninos ganhar. Quando ela vai, os pequenos jogam mal, avoados, dispersos, tomam viradas mirabolantes, nada dá certo. Sem ela nas arquibancadas, belas jogadas, golaços e até títulos. Não tentem me convencer. Não é só coincidência. É pé frio mesmo. Não há meia de lã que dê jeito. Na final da Copa do Mundo de 2002, no Japão e na Coreia, meu primo, sem noção do perigo, resolveu levar uma namorada para ver Brasil x Alemanha na casa dos meus pais. Maluco, como assim, não tinha vindo até agora e vem justo na decisão? Vai dar porcaria, meu capitão. Quem mandou inventar moda? Nada de sair gols. São Marcos defendendo tudo. Um olha daqui, outro olha dali. De repente, a moçoila decidiu ir ao banheiro. Não é piada: gol do Brasil! Foi a senha. Pelos olhares, combinamos de trancar a senhorita no lavabo. Só deixamos que ela saísse porque demorou um tanto por lá e o segundo gol veio logo em seguida. Ainda não está convencido? Perguntem aos corinthianos sobre o goleiro Carlos, que começou a carreira na Ponte Preta. Baita pé frio! Talvez o maior de todos. Sujeito simpático, inteligente. Boa praça. Bom goleiro. Mesmo. Mas pé frio. Fazer o quê. A pessoa não escolhe ser pé frio. Ela nasce pé frio. Paciência. No Paulistão de 1988, Carlão machucou-se na fase final. Foi substituído por Ronaldo, que foi muito bem e jogou as duas partidas decisivas contra o Guarani. Carlão não saiu na foto do título! Seleção Brasileira, Copa de 1986, no México, disputa de pênaltis nas quartas. A cobrança do zagueiro Julio Cesar explodiu na trave. E saiu. O francês Bellone chutou na trave. Mas a bola voltou nas costas do Carlos, caído, esticado. E entrou. Gol. França na semi. Brasil desclassificado. Posso ainda refrescar a memória dos palmeirenses. Jorginho. Meia-atacante. Fez parte dos esquadrões do Verdão na época da fila dos dezessete anos. Ficou sempre no ‘quase’. Esteve em campo na final do Paulistão de 1986, contra a Inter de Limeira. Não por acaso, era carinhosamente chamado pelos palestrinos de... Jorginho Pé Frio! Amigos, poderia usar mais uma dezena de exemplos. Ficaria até cansativo. É a mais pura realidade. Os pés frios estão por aí. São de carne e osso. Tudo bem. Você é cético. Acha que não faz sentido. É tudo tolice. Crendice. Bobagem minha. Respeito. Futebol não tem racionalidade mesmo. Mas, pelo sim, pelo não, só para garantir, medida de segurança, vamos tomar cuidado. Prestar bem atenção. Pé de coelho. Mangalô. Três batidinhas na madeira. Folhinha de arruda na orelha. E muita distância dos pés frios amanhã. Longe. Bem longe deles. Porque tem Brasil em campo contra o Chile. E é mata-mata. Combinado?

quinta-feira, 26 de junho de 2014

26 DE JUNHO - LUISITO DÁ ADEUS À COPA

Luisito, Luisito... És craque. Mas desequilibrado. Reincidente. Que tonteria. A mordida saiu cara, meu caro. Nove jogos de suspensão em torneios disputados pela Celeste. Adiós, Copa. Quatro meses sem poder atuar pelo Liverpool (ou pelo Barcelona, pelo Real Madrid. Qualquer time). Multa de cem mil francos (cerca de 250 mil reais). A Copa perde muito com tua ausência. Muito mesmo. Lamento. Futebol não é parque de diversões, brincadeira de roda. Verdade. Mas também não é vale tudo. Não pode dar cotovelada. Não pode quebrar o adversário. Não pode esmurrar. Não vale cusparada. Não pode morder. Simples assim. As imagens são cabais. Correram o mundo. Você agrediu o italiano. Não adianta negar. Sem essa de alegar que foi o ombro do Chiellini que procurou seus dentes. Fica feio. Já deu. Mereces punição. Aceites. Esse é o ponto. Não podia passar em brancas nuvens. A encrenca é que a tal da dona FIFA aproveitou para jogar para a galera e quis ser exemplar. Como se tivesse moral para ser exemplo para qualquer coisa. Sim, ao arrancar a tua credencial, o que te impede de permanecer com a delegação uruguaia, a toda-poderosa pesou a mão. Foi autoritária. Decisão padrão FIFA. Estúpida. Com pitadas de jurisprudência de Joaquim Barbosa. Vão recolher também as credenciais dos dirigentes da entidade envolvidos em casos de corrupção? Remédio em dose cavalar vira veneno. Esdrúxula cretinice. Qualquer tirania deve ser repudiada. Banimento? Escolta policial? Não. Absurdos. Vamos lá, camarada Mujica, confio em sua sensatez. Faça uma gentileza: avisa lá para o pessoal da Celeste que essa ladainha do “todos nos odeiam e estão contra a gente” é tosca. Bobice. Vitimização que não cola. Devem ter ouvido os últimos discursos do ex-presidente Lula. Fato é que os brios dos nossos vizinhos estão mexidos. Cutucaram a onça. Estejam todos certos e preparados – a raça uruguaia não será só fantasma no Maracanã, no próximo sábado. Um por todos, todos por Luisito. Mosqueteiros latinos. Vão comer ainda mais grama contra a Colômbia. Por falar no país do genial García Márquez, onde estavam os olheiros e gerentes de futebol remunerados dos clubes brasileiros, incapazes de rastrear e trazer para cá o talentoso James Rodríguez, antes que ele batesse asas para a Europa? Crônica anunciada da perda de craques. O futebol nos tempos do negócio. Relato de vários náufragos. Notícias de alguns sequestros. De nossos boleiros. Cem anos de exportação. O habilidoso camisa 10 colombiano, bola refinadíssima, de encher os olhos, jogou nas categorias de base da seleção, no Envigado (clube local) e no Banfield, da Argentina, até zarpar para o Porto. E desembarcar no Monaco, da França. Ninguém prestou atenção nele. Santos, São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Flamengo, Cruzeiro, Inter... Ninguém. Gênios da lâmpada! Shazam! Adoramos repatriar jogadores em fim de carreira, salários exorbitantes. Porque têm experiência europeia. Ignoramos solenemente as promessas de nosso continente. Síndrome dos colonizados. Espelho do próspero. Viramos ainda as costas para os bons jogadores que despontam nos diferentes países africanos. E são muitos. Celeiros de bons boleiros. O mesmo raciocínio vale para os técnicos. Desde que o Santos demitiu Muricy Ramalho, defendo a contratação de um treinador estrangeiro. Que tal um Marcelo Bielsa, um Jorge Sampaoli, um Jose Pekerman? Sensacional. Para chacoalhar os poxetos arcaicos dos nossos supervalorizados pofexores. Chega dessa balela de que aqui estão os melhores. Besta reserva de mercado. Amadorismo. Nacionalismo juvenil. Corporativismo medieval. Aplausos para a diretoria do Palmeiras, que ousou romper com essa lenga-lenga. Torço muito para que o trabalho de Ricardo Gareca dê muito certo. Sucesso, querido! Na rodada de hoje, Tio Sam e Alemanha poderiam ter feito jogo de compadres. O primeiro tempo até deixou cheirinho de acordo de cavalheiros. Quase fedeu. O segundo dissipou a nuvem. Boa peleja. Klose em campo. Torci pelo décimo sexto gol em Copas do alemão. Ainda não veio. Vai sair. A sua hora vai chegar, Ronaldo Oportunista. Aguarde. Outro Ronaldo, o Cristiano, não perdeu o lugar de melhor do mundo. Mas voltou mais cedo para Portugal. Vá lá, a despedida foi digna. Vitória sobre Gana, 2 x 1, com um gol do gajo. CR7 está visivelmente baleado. Sem joelho. Atuou no sacrifício. Os companheiros de seleção não ajudam. Bem limitados. Mas essa era a Copa dele. 2018? Sei não. A idade chega para todos. Pesa. Amigo rádio de guerra mais uma vez requisitado, a caminho da universidade. Por fração de segundo, veio a sensação de que ouviria a Internacional Socialista. Bem unidos façamos. Nesta luta final. Uma terra sem amos. A Internacional. Mas o Muro já caiu. E o hino da Rússia, justiça seja feita, é belíssimo também. Parei no posto só para abastecer o carro. Dei de cara com uma televisão enorme, imagem de alta definição, transmitindo a partida. Pedi para verificar o óleo. A água. Calibrar pneus. Limpar os vidros. Puxei papo mole com o frentista. Consegui ver os dez minutos finais do primeiro tempo. Voei para a Arena Sala dos Professores. Segundo tempo. Os boleiros organizadores do próximo Mundial jogaram um futebolzinho bem meia-boca. Foram eliminados, com toda a justiça, pelos bravos argelinos, liderados pelo também habilidoso Feghouli, do Valência da Espanha. Em tempos de Stálin, os camaradas seriam imediatamente enviados para a Sibéria, ao pousar de volta em Moscou. Festa nas ruas de Argel. Mais uma seleção africana classificada para as oitavas. Por aqui, governos de colorações partidárias distintas, tucanos e petistas, insistem em criminalizar movimentos sociais. Prisões arbitrárias. Padrão FIFA. “Não é mais momento de protestar. Durante o torneio, as pessoas querem ver as partidas. É natural”. A fala não é minha. É da candidata do PSOL à presidência da República, Luciana Genro. Esquerdas girando em falso. Feito baratas tontas. Dando cabeçadas. Sem discurso. Sem projeto. Perdidinhas da silva. Partidos imaginando que ainda possuem o monopólio da representação das insatisfações populares. Enquanto isso, a conservadora revista britânica The Economist anuncia que a Copa é um sucesso. Apita o árbitro. Ergue o braço. Fim do período de provas. Férias à vista. Está encerrada a fase de grupos do Mundial. As oitavas começam no sábado. Brasil x Chile. Colômbia x Uruguai. França x Nigéria. Alemanha x Argélia (revanche da marmelada de 1982, para depois derrubar a ex-metrópole?). Holanda x México. Costa Rica x Grécia. Argentina x Suíça. Bélgica x Estados Unidos. Sete latinos. Pulsam as veias abertas da América Latina. Dois africanos. Mama África. Seis europeus. Os colonizadores. E o Tio Sam. O Império. Vamos continuar aproveitando. Faltam só 16 jogos. 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

25 DE JUNHO - A COPA NA ARGENTINA ME ENSINOU O QUE É DITADURA

Começo dizendo um sincero e sonoro muito obrigado. O amigão que fechou a tabela da Copa do Mundo do Brasil não poderia ter sido mais parceiro. Parece até que fui consultado. E que pude palpitar, ajeitar aqui, ajustar acolá. Bonito. Não posso reclamar. Só comemorar. O Mundial começou numa quinta-feira. Para escapar da sexta, 13. No jogo de estreia, feriado na cidade de São Paulo. Como manda o bom senso, atributo que depois se revelaria artigo de luxo para vereadores paulistanos. Sexta-feira não dou aulas. Tranquilo. Segue o jogo. Veio o final de semana. Que beleza! Em Fortaleza, vi todas as partidas. Na segunda, 16, começou a semana de vista de provas na universidade. Agora eu me consagro. Calendário acadêmico. Rotina mais leve, suave, já reduzindo a marcha e desacelerando. Terça, dia 16, Brasil x México. Não tivemos atividades no período noturno. Semana curta. Novo feriado prolongado, a partir de quinta. A bola ficou pedindo me chuta. Ele encheu o pé. Quatro dias de overdose televisiva de Copa. A regra doméstica, inscrita em nossas tábuas sagradas de aliança, manda que o aparelhinho da NET fique permanentemente ligado na ESPN Brasil. Sem intervalos comerciais. A partir de segunda, 23, semana de substitutivas e exames. Para você, para mais ninguém. Terapia indicada - futebol na veia, em doses cavalares. Várias vezes ao dia. Terceiro jogo do Brasil. No final de semana começam as oitavas. No dia 30, próxima segunda, entramos em férias. Recesso na universidade e fase decisiva do Mundial. Romeu e Julieta. Pelé e Coutinho. Casamento perfeito. Regime de dedicação exclusiva à Copa. Por obra e graça do bondoso e perspicaz organizador da tabela, ficou mais fácil dar cabo de meu projeto "ver os 64 jogos do Mundial". Promessa até aqui cumprida. Ainda que algumas pelejas eu resgate nos corujões da madrugada. Chico, olha a sua cara, você está com sono. Bingo. Muito sono. Rotina puxada. É por uma boa causa. Porque também tem o pré-jogo, o show do intervalo, o bate-bola, a linha de passe, o terceiro tempo, a zona mista, os programas especiais, as entrevistas coletivas, os treinos, as crônicas do Veríssimo e do Prata. Conversinha de futebol. Por favor, alguém tem os contatos do cara que vai organizar a tabela da Copa da Rússia? E-mail? Celular? Face? WhatsApp? Preciso falar com ele, com urgência. Sim, é importante. Não adianta deixar recado. É para acertar os ponteiros. Tem a questão do fuso horário. É bom combinar com antecedência. Fico no aguardo. Depois de corrigir as substitutivas de hoje, lá estava eu no camarote da Arena Marconi Bicudo, setor 2, portão Z, fila VV, cadeira 5, para ver Argentina e Nigéria. Nem bem tinha me acomodado e pimba! Messi abriu o placar para os sul-americanos. Sempre ele. Olhei para o lado. Quase perdi o gol de empate da Nigéria. Cinco minutos iniciais empolgantes. Tsunami. Que foi aos poucos se transformando em brisa fraca. Jogo mais estudado. No final, falta cobrada com maestria. Messi. Quarto dele no torneio. Está agora empatado com Neymar na artilharia. Vai ver os times combinaram no vestiário que o roteiro se repetiria no segundo tempo. Empate da Nigéria. Terceiro da Argentina. Não foi do Messi! Cinco minutos da segunda etapa. Aí foi só administrar. Hermanos classificados em primeiro. Primeira seleção africana a garantir vaga nas oitavas. Cem mil argentinos colocaram em prática o projeto Ocuppy Wall Street/Porto Alegre. O Beira-Rio ficou azul. Para desespero dos colorados. Por provocação do primo Luiz Paulo Castro Montes, fico aqui imaginando o que seria uma final Brasil x Argentina. Seleções invictas. Messi e Neymar empatados na artilharia da competição. Disputando, chapéu a chapéu, trivela a trivela, caneta a caneta a honraria de melhor jogador do torneio. Maracanã lotado. Sonho. Ou pesadelo? A Copa merece essa final. De minha parte, por via das dúvidas, já reservei leito na UTI do Instituto do Coração. Esse jogo eu vejo lá. Monitorado por aparelhos. Cercado por cuidados médicos. Mais prudente. Sou fã da Argentina. Apaixonado pelo aconchego hipnotizante de Buenos Aires. Salve, Borges; salve, Pérez Esquivel; salve, madres de Mayo. Mas... futebol é caso à parte. Faço coro com o amigo Fabio de Castro - não quero ver os hermanos levantarem a taça em gramados brasileiros. Rivalidade futebolística é coisa séria. Maradona no es mas grande que Pelé. Aliás, caros amigos argentinos, me digam aí como é que é ter uma Copa a menos que o Pelé. Obrigado. Cedinho, no banho, que é onde a gente tem boas ideias, estava recordando que minha relação com o binômio futebol-Argentina é antiga. Tinha seis anos. Copa de 1978 - a da horrenda ditadura sangrenta no país vizinho. É a primeira de que me lembro. Engraçado, tenho flashes bem marcados. Nítidos. O gol anulado contra a Suécia, quando a bola já viajava para a área adversária, na cobrança de escanteio do Zico. A bola que o Amaral salvou na linha contra a Espanha. A classificação suada contra a Áustria, gol do Dinamite. A batalha de Rosário contra a ... Argentina. Aquela estranha goleada deles em cima do Peru, que tirou o Brasil da final. Campeões morais. Grande budega. A taça ficou com quem mesmo? Naquela Copa, aprendi o que é ditadura. Depois da vitória da Seleção contra a Polônia, saí com minha tia pelas ruas do centro de São Bernardo, terra das greves metalúrgicas, para fazer buzinaço. Fusquinha verde. Estacionamos o carro. Resolvemos andar com a multidão. Rojões estouravam. Peguei minha bandeira do Brasil e fiz menção de amassá-la. Para conseguir carregá-la. Era enorme, um bandeirão; eu, menino franzino. Um policial com cara de pouquíssimos amigos começou a andar em nossa direção. Nervoso. Consigo sentir agorinha o frio que percorreu minha espinha. Gelei. O PM acelerou o passo. Tem alguma coisa errada, fiz bobagem. Mas não sei o que é. Minha tia deu um pulo. Foi falando bem alto 'vamos abrir a bandeira, você segura aqui, eu pego a outra ponta. Bem esticada'. O policial, que estava uns cinco passos distante da gente, fez meia volta e tomou posição na fileira de origem. Capacetes. Escudos. Cassetetes. Cavalos. Cachorros. Carrego na memória e em cada célula minha aquela cena. Paúra. Mais tarde, minha tia explicou - tem um jeito certo de dobrar a bandeira. Não pode amarfanhar. Símbolo pátrio deve ser respeitado. Ofensa, Inocência de criança. Cretinice de milico. Só queria comemorar a vitória. Até hoje, quando lembro, sinto calafrios. Muito medo. Ditadura civil-militar brasileira, muito prazer. Trinta e seis anos depois, o Mundial voltou à América do Sul. Os argentinos estão chegando. São Paulo é a próxima cidade a ser ocupada pelos hermanos. Jogam aqui na terça, primeiro de julho. no Itaquerão, contra a Suíça. Imagina a Vila Madalena. No bolão da família, sigo aos trancos e barrancos. Ainda na parte de cima da tabela de classificação. Imagina depois da Copa. Amanhã acaba a fase de grupos. Sexta-feira não tem jogo.Vazio existencial. Tremedeira. Síndrome de abstinência. O que fazer? Nem o camarada Lênin sabe. O cara que organizou a tabela diz que o intervalo foi friamente calculado. Descanso não apenas para boleiros, mas também para torcedores. Vinte e quatro horas para recuperar energias. Respirar. Preparar os nervos. Fortes emoções estão a caminho.

terça-feira, 24 de junho de 2014

24 DE JUNHO - BEIJINHO NO OMBRO DO ZAGUEIRO ITALIANO

Um historieta começou a ser contata à boca pequena hoje em Montevidéu. Discretamente sussurrada, é verdade. Como manda o manual das boas maneiras. Para não desestabilizar o elenco que, depois de estreia desastrada, parece ter entrado nos eixos. Dizem os uruguaios que, na última folga da Celeste, que treina em Sete Lagoas, Minas Gerais, Luis Suárez caiu na balada. Foi na Savassi, bairro nobre e tradicional reduto festeiro de Belo Horizonte, capital mineira. Esbaldou-se. Esbórnia até o sol raiar. Encantou-se por uma canção que “desejava a todas inimigas vida longa. Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória”. Mandava deixar de recalque. O atacante voltou à concentração fissurado por um nome. Valeska Popozuda, Valeska Popozuda, repetia aos companheiros de time, que faziam cara de ponto de interrogação. Ficou tão fascinado pela moça dos longos cabelos loiros que resolveu homenageá-la na partida contra a Itália, em Natal. Decisão da segunda vaga do grupo D do Mundial. Num lance na área, sem que o zagueiro da Azzurra pudesse imaginar, Luisito surpreendeu e partiu decidido para cima do camisa três italiano. Avançou direto na jugular. Mordeu! Mordeu!, gritava Chiellini. Mostrava as marcas da agressão para o árbitro. Sentado no gramado, Suárez massageava os lábios. Tentava explicar. Mordida? Mordida? No, no. Fue um besito em el hombro. Solo besito em el hombro! Si, si, besito. O juiz mexicano, também fã confesso de tiro, porrada e bomba, achou por bem não expulsar o uruguaio. Para desespero dos italianos, que àquela altura já jogavam com um a menos. Marchisio tinha sido expulso aos quinze do segundo tempo, por entrada dura em Arévalos Rios. Amarelo? Vermelho. Discutível. Chuveiro. Evidente que a Copa foi comprada pela Celeste. Esquema Mujica. Operação Comuna-Mercosul. Com um a menos, sol das duas da tarde na capital do Rio Grande do Norte, a Itália abriu o bico. Godin, zagueiro dos gols decisivos, colocou o Uruguai nas oitavas. Crise na Azzurra. Técnico Cesare Prandelli pede demissão. No bairro do Bixiga, em São Paulo, as cantinas não abriram agora à noite. Nada de macarronada da mamma. Vai ser um jogão, né, pai? Promete, filho. Fui buscar o Daniel mais cedo na escola. Para todos os efeitos legais e pedagógicos, ele tinha aula à tarde. Já quase em férias, provas feitas, última semana, pediu para ver Itália x Uruguai. Justo. Mata-mata já na fase de grupos. Luiza veio também correndo do colégio, rádio da perua escolar ligado. Não queria perder lance algum. Expectativas frustradas. Para ser bondoso, o primeiro tempo foi morno. Chato, né, pai? Teve amigo que mandou mensagem admitindo: dormi. Italianos administrando o empate. Pouco interessados. Uruguaios sem potência para chegar ao gol. No segundo, principalmente depois da expulsão de Marchisio, tivemos mais emoção. Empolgou. Entrega e vontade. Mas não exatamente bom futebol. Buffon terminou a partida como centroavante, na área adversária. Mais um campeão – tetra – do mundo que se vai precocemente. Arriverdeci. “Sooooooooooy Celeste! O fantasma ainda vaga por aí. Sábado, pegam a Colômbia no Maracanã. Maracanazo às avessas? Porque o time de camisas amarelas e calções brancos que goleou o Japão parecia o Brasil dos velhos tempos. Que futebol bonito! Que camisa 10 vistoso, habilidoso. Três vitórias. Nove pontos. Nove gols marcados. Primeiro lugar do grupo C. Com folga. Sobrando. Vou procurar a narração da partida de hoje em alguma rádio colombiana. Essa tem sido outra de minhas diversões nessa Copa da América Latina de sangue e suor. Me deliciar com as vozes e sotaques de argentinos, uruguaios, chilenos e outros hermanos narrando os tentos de suas seleções. Catarses, explosões de metáforas, gritos épicos, odes a feitos heroicos, elogios, fígados desopilados. Festival de palavrões. Despudoradamente. Saborosamente. Narradores-torcedores. De arrepiar. Recomendo. Foi de deixar quase sem fôlego também a decisão da segunda vaga do grupo C. Vi na Arena Sala dos Professores da universidade. Vamos jantar, Chico. Só no intervalo do jogo. Os deuses gregos deram o ar da graça. Entraram em campo. Porque só mesmo com empurrãozinho de Zeus e companhia para a Grécia, time humanamente limitadíssimo, alcançar as oitavas. Pois o Olimpo se fez presente no Castelão, em Fortaleza. Com todos os requintes de crueldade de um drama de Copa do Mundo. Tragédia grega. Foi de pênalti. Invenção divina? Aos 48 do segundo tempo. Para cravar lanças nos corações dos aguerridos marfinenses. Já se preparavam para o embate contra a outra Costa. No domingo, Recife vai mesmo ver é Costa Rica x Grécia. Os chicos têm grandes chances de fazer ainda mais história. E de beliscar vaga nas quartas. Sensacional. Vai, santástica Costa Rica! Sarney desistiu da reeleição ao Senado. Imagina depois da Copa! A prefeitura de São Paulo agilizou operação de emergência para dar conta da multidão que invade a Vila Madalena durante e depois dos jogos. Banheiros químicos. Efetivo policial. Azaração. Ambulantes. Telões. Imagina depois da Copa! Não espalhem, é segredo. Luisito Suárez já confidenciou aos mais íntimos que, se for excluído da Copa pela dona FIFA, punido pelo besito, vai desembarcar de mala e cuia na Vila Madá. Quer muito conhecer a boemia do bairro. Besitos en el hombro. Beijinho no ombrrrro. Com sotaque bem paulistano.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

23 DE JUNHO - O CAI-CAI É ARTILHEIRO DA COPA

“Se você é argentino. Diga lá como é que é. Ter apenas duas Copas. Uma a menos que Pelé”. Aí sim. Mandaram avisar que essa seria a música que daria o tom nas arquibancadas em Brasília, no jogo contra Camarões. Não ouvi. Alguém faltou no ensaio. Ou então, como diria o Mané, estrela solitária, esqueceram de combinar com os torcedores que lá estavam. Ao menos deixaram de lado o meloso “com muito orgulho”. Já estava dando engulhos. Náuseas. O grito que ecoou na arena que leva o nome do gênio das pernas tortas (sim, dona FIFA, Estádio Nacional Mané Garrincha) foi “o campeão voltou”. Melhor. No embalo da galera, a Seleção começou bem. Marcando no campo de ataque. Abriu o placar. Neymar Jr. Empurra mesmo, amigo camaronês. Derruba o moleque em cima dos cinegrafistas. Nas placas. Que ele vai para cima. É assim que ele gosta de jogar. Quantas vezes vi esse filme. O gol acomodou o time. Veio sufoco. Avenida Daniel Alves. Não precisava nem pagar pedágio.  Para desespero do Geraldo, que já estava pensando em privatizar por aquelas bandas também. Para aumentar a tarifa. Trânsito livre. Só faltou estender tapete vermelho. Por favor, passem. À vontade. Passaram. Pressionaram. Empataram. No banco de reservas, olhares atônitos. Preocupados. Que sufoco é esse, pai? Não está bom, filho. No meio-de-campo havia um buraco. A Seleção abusou das ligações diretas entre defesa e ataque no primeiro tempo. Balão vai. Balão volta. Lançamentos longos. Irritantes. Até que um deles finalmente deu certo. Água mole... Preciso, David Luis achou Marcelo livre na esquerda. Ao matar, o lateral já fez o passe. O dez entrou na diagonal. Deixou a bola correr. Não tocou nela. Perto da linha da área, cortou o zagueiro, para a direita. Ajeitou, de leve. Mais um toquinho. Sutil. Só para deixar no jeito. Bateu. Rasante. Por baixo das pernas do adversário. No contrapé do goleiro. Caixa. A corrida de braços abertos. O salto para comemorar. Socando o ar, de baixo para cima. Por um trisco de segundo, congelei a imagem. Voltei a fita. O uniforme ficou todo branco. Manto sagrado. O número nas costas era o 11. O palco, o Pacaembu. Arquibancadas laranjas. No dia 22 de junho de 2011. Há três anos. O tri da Libertadores. Neymar Jr. O cai-cai. Que, a cada jogo, cala-cala a boca dos críticos ressentidos. Tubos de gelol a granel. O cara que é só marketing foi decisivo. Disse “se ele não está, eu estou aqui. Vivendo esse momento lindo. Contem comigo”. Assumiu a artilharia do Mundial. A Seleção respirou. E fez, no segundo tempo, sua melhor apresentação até aqui nesta Copa do Mundo. Sem sustos. Tocando bola. Felipão, o que o Fernandinho estava mesmo fazendo no banco? Paulinho, meu caro, te acho baita jogador. Sério mesmo. Queria você no meu time. Mas os ares da Inglaterra não te fizeram bem. Andas triste. Macambúzio. Acabrunhado. Sem confiança. Fernandinho entrou e tomou conta do meio. Deu passe para o terceiro gol. Fred bigodón! . Desencantou. Se o Brasil for campeão, deixo o mesmo bigode. Palavra. O volante do City fez o quarto.  Sem teimosias, Scolari. A família é grande. Sempre cabe mais um. Fernandinho ganhou vaga no time titular. Combinado?  Sábado, uma da tarde, no Mineirão, contra o Chile. Se o blogueiro mirim do panfleto da Abril passou hoje perto do Itaquerão, teve uma síncope. Era um mar vermelho. Invasão comunista. A revolução em marcha! Chamem os milicos! A CIA! As tropas do general Olímpio Mourão! Calma, Rodriguinho. Eram só os torcedores chilenos. Uns vinte mil. Fazendo ecoar no expresso que leva à ponta da zona leste o “Chi-Chi-Chi-Le-Le-Le”. Dezenove minutos, sem paradas. Luiza já foi cantando junto. Era alegria que não cabia nela. Hoje foi a vez dela estrear em estádios de Copa. Os maravilhosos olhos de jabuticaba procuravam registrar todas as cenas. Para mim, mais uma emoção. O fundão da Copa, cultivado com muito esmero, meses de frilas e de economias, permitiu ver um jogo com cada filho, além dos dois ‘avulsos’. Cruzando a Radial, trombamos com mais dois malucos mandando ver no “vai pra cima deles, Santos!”. Engrossamos o coro. O sujeito não se conteve. “Mais santistas por aqui”. Somos maioria, respondi. La Roja jogou menos do que eu esperava. Apesar do caldeirão que bradava “soy chileno. Esta tarde tenemos que ganhar”. Bem, houve um momento em que pediram Valdivia. Será que passa o Campeonato Brasileiro na terra de Allende e Bachelet? Pai, a Holanda está satisfeita com o empate. Escapa do Brasil. Talvez. Mas Robben é um azougue. Perna esquerda enfeitiçada. Corre mais que o Usain Bolt. Quase marcou o gol da Copa, numa arrancada que começou na intermediária da Holanda. Deixou quatro chilenos a ver caravelas holandesas. Até Mauricio de Nassau tentou pará-lo, só para pedir autógrafo. “É para meu filho. É seu fã”. Foi ignorado pelo carequinha com orelhas de doutor Spock. O camisa 11 seguiu viagem na Star Treck. Bateu cruzado. Passou triscando a trave. Deu passe fenomenal para o segundo gol laranja. Foi o dono do jogo. O chileno que estava na nossa frente não concorda. Para ele, o melhor em campo foi o Vidal. É... mas o volante da Roja não jogou. Tudo bem, o torcedor também não viu a peleja. Dormiu durante noventa minutos. Sono pesado. Só interrompido pela zoação de um corinthiano que, de sacanagem, gritava na orelha do compañero – “gol, de Chile!”. O chileno acordava, assustado. Mirava o placar. Confirmava que não tinha saído gol algum. E voltava a roncar. Encontrei primo no estádio. Encontrei ex-aluna no metrô, na volta. Encontrei colegas professores no mesmo metrô. Pai, adorei. Eu também, Lui. Obrigado. Te amo. Dos nove classificados até aqui, seis são das Américas. Brasil, México, Chile, Colômbia, Costa Rica e Argentina. El condor pasa. Ainda estou tentando ingressos para as oitavas. Aceito doações. Crowdfunding. Venda a preços módicos. Quem sabe. No Rio, Cesar Maia vai com Pezão. Romário, com Lindberg. E eu reclamando aqui em São Paulo. Já preparei as provas substitutivas. Notas devidamente lançadas. Hora do descanso. Preciso me preparar para Itália x Uruguai.  

domingo, 22 de junho de 2014

22 DE JUNHO - CRISTIANO RONALDO AINDA NÃO ESTEVE AQUI

Fim da segunda rodada. Mais um domingo para recuperar as forças, depois do bate e volta a Belôs Aires. Messi! Fico sabendo que foram várias as confusões entre argentinos e brasileiros na cidade. Brigas e garrafadas. Quanta ignorância, Batman. Acompanhei a rodada pela telinha. Alguém viu Cristiano Ronaldo? Porque ele, indicadores apontando para o gramado, depois de bater no peito, costuma dizer "eu estou aqui". Até agora... nada. Não esteve. Sei não. Pode ser que eu queime a língua. No entanto, a participação do melhor boleiro do mundo nos dois primeiros jogos de Portugal foi pífia. Melancólica. Abaixo da crítica. Piaba na estreia contra a Alemanha. O gajo sumido. Sufoco contra o Tio Sam hoje. Empate no último minuto. Bacia das almas. E o moço dos cabelos impecáveis apagado em campo. Não teve telão que desse jeito. Verdade que o passe para o segundo gol foi dele. CR7. Mas é pouco. Bem pouco. Vá lá, os patrícios ainda respiram. Por aparelhos. Já tiveram umas três paradas cardiorrespiratórias. O atestado de óbito estava sendo assinado. O médico quase carimbou. Doutor, doutor, ainda há esperança. Foram reanimados. Mas o quadro é crítico. Precisam vencer Gana. Por boa diferença de gols. E torcer por derrota dos EUA para a Alemanha. Também por razoável diferença de gols. Milagre de Nossa Senhora de Fátima. Seria a terceira profecia? É angústia portuguesa. Com certeza. Camarada Saramago, a vingança contra as metrópoles continua. Ensaio sobre a cegueira. E a Bélgica, hein? Chegou com pompa e circunstância. Seleção revelação. Melhor geração de todos os tempos. Decepção. Que futebolzinho sem graça. Apático. Teve torcedor dormindo nas arquibancadas no primeiro tempo do jogo de hoje, contra a Rússia, no Maraca. Também se safaram nos minutos finais, num lampejo - único - do habilidoso Hazard. Foi só. Estão classificados para as oitavas. Com um futebolzinho... sonolento. Bem sonolento. Vou lá tirar um cochilo. Volto já. Às avessas, aquela que se anunciava como partida para deixar de lado mostrou-se uma bela diversão. Seis gols. Argélia 4 x 2 Coreia do Sul. Para manter a média. Fazer jus a um Mundial que tem privilegiado posturas ofensivas. A Copa das agradáveis surpresas ainda não tem favoritos. O Brasil estreou bem. Rateou contra o México. Ah, a Holanda. Destruiu a Espanha. Quase perdeu da Austrália. O time a ser batido é a Alemanha. Quase foi mesmo, por Gana, depois de ter feito picadinho de Portugal. Quem? Espanha? Deixa para lá. Uruguai? Salve, Costa Rica! Não sei porque colocam a Inglaterra na lista dos favoritos. A relação dos súditos da rainha com o futebol se encerra na invenção do esporte. E um título bastante questionável. Só. A Itália convenceu contra os ingleses. E não viu a cor da bola contra os costarriquenhos. Se não fosse o Messi, a Argentina estaria em apuros. Sim, a França chama a atenção. A Colômbia agrada. O Chile mostra muita força, futebol que encanta. Convence. Os chicos da Costa Rica honram a tradição de DNA ofensivo santista. Mas, todos eles, penso, ainda não despontaram com pinta de favoritos. A terceira e decisiva rodada da fase de grupos promete fortes emoções. A encrenca é que chegamos àquele momento em que dois jogos acontecerão ao mesmo tempo. Copa comprada! O Brasil vai jogar já conhecendo resultados. Podendo escolher adversário! Chile ou Holanda? Que perrengue, cara pálida. Vai comprar mal assim lá em Amsterdã. Ou em Santiago. Imagina na Copa... Meu coração está apertado. Chegamos à metade do Mundial. Só faltam 32 jogos. Ai... Ronaldo, o oportunista que não é mais o único maior artilheiro das Copas, disse que o torneio seria um fracasso. Que a Espanha seria campeã. Ainda bem que ele está apoiando Aécio Neves. Dilma foi oficializada ontem candidata à reeleição. Promete mudanças. Uia. Mas o governo não está no rumo certo? Não há fronteiras para a imbecilidade humana. Uruguaios limpinhos que estiveram no Itaquerão no jogo contra a Inglaterra, área vip, mandaram palavrões para o presidente Mujica. Papagaios imbecis. Nem originalidade têm. A FIFA serviu comida estragada para funcionários e voluntários na Arena Pernambuco. Nojento. Que tal servir essa mesma alimentação padrão FIFA nos camarotes dos estádios? Fica a dica. Passei o dia matutando. No ano passado, esperava-se que a Copa das Confederações fosse uma grande festa. A colocar em evidência um país que faz também da bola elemento constituinte de sua identidade. Explodiram as jornadas de junho. O evento quase foi cancelado, em plena disputa. Em 2014, a histeria coletiva ranheta, inflada pelas narrativas midiáticas movidas por propósitos politiqueiros rastaqueras, previa uma hecatombe de proporções incomensuráveis. Um fiasco. Eis aqui um país incapaz de organizar um evento como a Copa do Mundo. Antes do final da primeira fase do Mundial, marcado por jogos sensacionais, resgate do futebol ofensivo, não é pequeno o coro que pede, simbolicamente, que todas as Copas sejam agora realizadas por aqui. O Brasil não é para amadores. Amanhã tem Seleção em campo. Antes, Chile x Holanda no Itaquerão. Lá estarei. Aliás, ao final do Mundial, poderei dizer, sobre o estádio do Corinthians: "eu estive aqui. Duas vezes". Abraços, CR7.

21 DE JUNHO. LIONEL MESSI. EU VI

Tem um esporte chamado futebol. E tem um futebol que só o argentino Lionel Messi joga. Depois de 91 minutos de jogo e de sofrimento hermano, o craque achou por bem que estava na hora de ligar a chavinha. Decidiu. Golaço. Saímos de casa cedinho. Pai, a viagem demora muito? Estou nervoso. Daniel, meu fiel escudeiro. É a estreia dele nos estádios da Copa. No aeroporto, a diversão do moleque era fazer o inventário das camisas de seleções. Achou até uma do Peru. Lamento se sou repetitivo, mas, imaginem na Copa, foi de novo tudo padrão FIFA. Embarque, decolagem, chegada, táxi. No avião, Daniel se divertiu com gibi do Recruta Zero. Guto Bicudo já nos esperava em BH. Intensa troca de mensagens. Celulares funcionando freneticamente. Estamos indo para o hotel. Encontramos você aí. Só para deixar a mochila. Beleza. Já estou pronto. O taxista pisou fundo. O senhor me desculpe. Se não for assim, não vão chegar. Onze e quinze da manhã. O senhor vê, todas essas avenidas e viadutos foram inaugurados agorinha. São novinhos. É o que a Copa vai deixar para a cidade. Pergunto da festa dos colombianos no domingo passado. O senhor vê, foi bonito. São muito educados. O trânsito travou. Não anda. Onze e quarenta. Moço, estamos perto do Mineirão? Ah, deixo o senhor ali na esquina. Bem pertinho. Celular. Guto, não vai dar tempo. Vem direto para o Mineirão. Vou achar um ponto de encontro. Te aviso. A gente se encontra lá. Os ingressos estão com ele. Frio em São Paulo. Calor em Belo Horizonte. Troco a roupa do Dani no táxi. A mochila vai para o estádio, nas costas. Mochileiro da Copa. Guto, perto da tropa de choque, a partir do ponto por onde só passa quem tem ingresso. Mais quinze minutos. Estamos juntos. Vinte minutos de caminhada. Meio-dia e quarenta e cinco. Messi, cá estamos nós. Quando a bola rolou, abracei o Dani. Te amo, filho. Obrigado. Ganho um beijo. Um sorriso. Em pé nas cadeiras, ele não tira os olhos do campo. Foi a primeira retranca da Copa. Muito bem montada. O Irã foi guerreiro. Valente. Comeram grama. Aplicadíssimos. Mas bem limitados. A Argentina tinha posse de bola. Mas nada de volume de jogo. Pouco produzia. Teve pênalti para o Irã, confirmei agora na TV. Juiz não deu. Os bravos iranianos assustaram. O goleiro hermano pegou três bolas difíceis. Durante uns vinte minutos no segundo tempo, o Irã foi melhor. Ousado. Sonhou com a vitória. A torcida empurrava. Iranianos e brasileiros. Eu procurava ver os dois jogos. O da Argentina e o de Messi. E dizia para o Dani - olhos sempre no Messi. A fanática torcida hermana não parou de cantar. Erro de passe. Vamos, vamos, Argentina. Chute longe do gol. Soy argentino. Bola perigosa do Irã. Maradona é melhor que o Pelé. Caldeirão azul e branco. Camisas tremulando. Prenúncio de tragédia. Noventa e um minutos. Foi quando Messi decidiu que era hora de acabar com aquele tango. Grudou a bola no pé. Cortou para a esquerda. Espaço mínimo. Bateu. Com curva. Vi de frente. Cena de cinema. Quadro aberto. O goleiro pulou. Quase tocou. Não deu. A pelota estufou a rede. Explosão no Mineirão. Loucura. Argentinos correndo. Pulando. Gritando. Abraçando. Cantando. Rodando as camisas. Virou Monumental de Nuñes. Buenos Aires. Belôs Aires. Mi Buenos Aires querido. Por una cabeza. Eu vi gol de Messi. Guto Bicudo festejou. Presente de aniversário dele. Daniel abriu sorriso. Vai contar para os netos dele. Não foi justo. Não foi mesmo. Mas quem disse que há justiça no futebol? Só falta agora o Klose marcar para a Alemanha. Marcou! Ronaldo, o oportunista, não está mais sozinho na artilharia das Copas. Estamos voltando para São Paulo.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

20 DE JUNHO - SANTÁSTICA COSTA RICA

Templo de Pelé. Palco de Robinho. Casa de Neymar. Onde aprendi a ver futebol. A viver futebol. Lá, tenho cadeira cativa, que foi de meu avô. Saudades. Urbano Caldeira. Estádio da Vila Belmiro. Não é arena. Mas tem história. Quanta história. Transpira história. Nelson Rodrigues talvez escrevesse: na Vila, há uma abundância de história. É onde está treinando a seleção da Costa Rica. Ousadia e alegria. Não é coincidência. Certo, Rogério Zé? Os deuses santásticos abraçaram com muito carinho os hermanos da América Central. Abençoaram aquelas camisas vermelhas. Como se fossem alvinegras praianas. Que hoje fizeram história em Recife. Derrubaram mais um campeão do mundo - a Itália. 1 x 0. De quebra, mandaram de volta para casa a também campeã Inglaterra. Topo do Olimpo futebolístico, carimbaram a vaga nas oitavas-de-final da Copa. Poderemos ver o duelo das Costas - Rica x Do Marfim. Como é agradável ver a Costa Rica em campo. Já no Castelão, em Fortaleza, contra o Uruguai, tinham saciado meu exigente padrão DNA ofensivo. A Celeste tentou fazer valer o nome; os chicos jogaram futebol. De gente muito grande. Equipe disciplinada, bem treinada. Defesa bem montada. Atacantes insinuantes. Habilidosos. Com gana enorme de vencer. Sem retrancas. Atacando. Havia sido assim no estádio, aconteceu da mesma forma hoje, no sofá da sala de casa - nos minutos derradeiros, me peguei torcendo. Como se fosse o Santos em campo. E não era o Santos, que treina na Vila Belmiro? Bem, a diretoria do Peixe bem que poderia contratar o centroavante Campbell. Baita camisa 9. Infinitamente melhor que o Leandro Damião. A Itália segue o tradicional roteiro em mundiais. A classificação só virá com muito sofrimento. Conseguem imaginar o que vai ser o Uruguai x Itália em Natal na próxima terça-feira, uma da tarde? A garra e o oportunismo de Luis Suárez contra a elegância e a maestria de Andrea Pirlo? O almoço vai ficar para mais tarde. Para não perder um lance sequer. Das quatro seleções até aqui classificadas, três são da Pátria Grande América - além da Costa Rica, Chile e Colômbia. A intrusa Holanda fecha a lista. Colonizados reescrevem a história. Expulsam colonizadores. Aqui? Não vem que não tem. Salve, Simón Bolívar! Viva José Martí! Ernesto Guevara, presente! Obrigado, Copa do Mundo. Como você é linda. Eu e Daniel saímos correndo para ver o jogo da França na festa do Vale do Anhangabaú. Pai, essa moça do metrô anuncia as estações só em inglês. Não deveria falar também em espanhol? Certamente. Ainda mais com esse brilho da nossa América. Minha relação com a França é de admiração. Herança também do meu avô, desde sempre encantado pela história das guilhotinas que cortaram cabeçorras reais. Democracia moderna. No futebol, sentimento ambíguo. Reverência e temor. Minha lembrança de menino diz que abracei os bleus na Copa de 1982, depois da eliminação do time de Telê. Os franceses, na minha percepção quase adolescente, jogavam o futebol mais próximo daquele praticado pelos brasileiros. Técnica refinada. Dribles. Sempre em busca do gol. Sofri com a desclassificação deles na semi-final, em dramática cobrança de pênaltis, para a cerebral Alemanha, depois de épico empate no tempo normal. Três a três. Abracei os da igualdade, liberdade e fraternidade. Mas chorei com a sequência de derrotas. 1986, a arte de Platini. 1998, a arte de Zidane. 2006, a arte de Zidane. De novo. Somos fregueses. E, vamos combinar, a Marselhesa é o hino mais lindo do mundo. Hoje, no Anhangabaú, pude finalmente ouvi-lo. E acompanhamos mais uma apresentação de gala dos franceses. Com direito a desperdiçar pênalti. Duas vezes. Na cobrança, defesa do goleiro. E no rebote que explodiu no travessão. Precisava? Fizeram cinco. Com facilidade. Desfilando em campo. Garbosos. Destroçando o temido ferrolho suíço. Que não leva gols. Não levava. Chocolate. Os azuis ainda se deram ao luxo de tomar dois. No Anhangabaú paulistano de todas as torcidas, a língua oficial era o sevirol. Todo mundo se virava. Um tantinho de português. Uma pitada de espanhol. Portunhol. Umas palavras em inglês. Portunholglês. Gestos. Mímica. Aponta no livrinho. Mostra a foto. Faz cara de paisagem. No final, todos se entendem. Pausa para um sublime pastel de queijo. Na volta, Daniel descobriu a rua Marconi. Meu sobrenome, pai! Raízes. Em casa, assistimos à virada do Equador - 2 x 1 contra Honduras. Mais um sul-americano que mantém chances de classificação. Soy loco por ti, América! Amanhã, a Costa Rica volta a treinar na Vila. Vai longe. Ah, sim...  Balotelli, agora você já sabe quem é Keylor Navas. O goleiro da Costa Rica. Protegido por Gilmar, Cejas, Rodolfo Rodríguez e Rafael. Orgulho que nem todos podem ter. Aquele abraço. Amanhã, desembarcamos no Mineirão. Hasta la vista.  

quinta-feira, 19 de junho de 2014

19 DE JUNHO - DUAS BOLAS, DOIS GOLS. LUIS SUÁREZ

Para estufar esse filó como eu sonhei. Só se eu fosse o Rei. Para tirar efeito igual ao jogador. Qual compositor. Para aplicar uma firula exata. Que pintor. Parabéns pelos 70, meu xará Chico Buarque. Nada mais digno que um Uruguai x Inglaterra em Copa do Mundo para te homenagear. O inglês passou a catraca do metrô com bilhete único. Deve ter sido comprado pela prefeitura petista para fazer propaganda. Hello, nice to meet you. Hola, que tal? O trem partiu da estação República no embalo dos cantos dos uruguaios. "Sooooooy Celeste!". Estava cheio, bem cheio. Sem superlotação. Tranquilo para quem encara Sé durante a semana, seis da tarde. Subiu cheiro azedo. Podre. Alguém matou feijoada no almoço. E não fez a digestão direito. Desagradável. Uma senhorinha, uns setenta anos, entra correndo. Abraça os netos. Vó, a senhora vai ver jogo de Copa! O primeiro tempo de Colômbia e Costa do Marfim termina zero a zero. Zona Leste pintada de verde e amarelo. Trinta minutos. Artur Alvim station. Na rampa de saída, um figura segura um cartaz. "Buy tickets". Os ingleses tomaram conta dos bares ao redor. Bebem pouco. Quase nada. Tudo bem sinalizado. Voluntários reforçam o caminho para o estádio. Eu e Luiz Paulo Montes andamos com a massa mais uns trinta minutinhos. Rumo ao setor oeste. Quando chegamos perto, tiro da sacola os sapos que vieram comigo. Para enterrá-los no Itaquerão. O estádio é bonito. Belíssimo. Suntuoso. Caminhos de mármore. A arquibancada provisória é bem provisória mesmo. Tem goteiras. Remendos à vista. O Castelão é mais caldeirão. Encontro um santista com uns três metros de altura por quatro de largura. Verdadeiro armário. "É nóis, peixe. Se precisar de alguma coisa é só me chamar". Estou sossegado. Segurança particular. De respeito. Lugares numerados também respeitados. Visão bacana, ligeiramente prejudicada por uma grade de ferro. Nos lances mais próximos do escanteio, preciso esticar o pescoço. Esforço mínimo para quem está acostumado a ver jogos na Vila Belmiro, onde há festival de pontos cegos. O frio é um capítulo à parte. De rachar. Cortante. Venta. A sensação térmica é de oito graus. Não sinto mais a ponta do nariz. As mãos estão roxas. Mas tem inglês com bermuda e camiseta regata. E uma coleção de copos de cerveja. Deu até para encarar a fila da lanchonete. Sanduíche de peito de peru com coca-cola. Dezoito mangos. DEZOITO. Preço padrão FIFA. Estamos atrás do gol onde Luis Suárez vai resolver o jogo, onde a torcida do Uruguai é maioria. Times em campo. "Soooooooy Celeste! Soooooooy Celeste!". Bom. Temos uma torcida de futebol. Os ingleses respondem e urram. "England"! Bom também. Temos duas torcidas de futebol. A moçada começa a bater os pés no chão. "Está balançando, vai cair". Hinos cantados a plenos pulmões. Os colombianos, que venceram a Costa do Marfim por 2 x 1, já tinham dado mais um show. Quando são os irmãos da América, é espetacular. E é mesmo. Maravilhoso. Brasileiros cantando à capela? É brega. Patriotada. Nelson, por favor, afasta da gente esse complexo de vira-latas. Rooney cobra falta que raspa a trave. Cabeceia bola que bate na quina da trave. Cavani cruza com capricho, gentil. Perfeito. Preciso. Na cabeça de Luis Suárez. Rede. Artilheiro. Que decide. Três degraus acima da gente, um inglês vestido de cavaleiro templário xinga. Mas xinga muito. Falta do uruguaio. Fuck! Juiz não dá lateral para a Inglaterra. Fuck! Bandeira marca impedimento. Fuck! No final do primeiro tempo, ele senta. Abaixa a cabeça. Cruza as mãos, como se estivesse rezando. Protegido pela armadura da fé, parece conversar com deus. Pede gols. Pelo menos dois. Intervalo. Tempo para um xixizinho padrão FIFA. A fila do banheiro foi a maior que pegamos - quinze minutos. Uruguai volta melhor. Perde muitos gols. O templário volta a xingar. Fuck! Fuck! Fuck! Inglaterra equilibra. Toma conta do jogo. Muslera faz milagre. Rooney empata. O templário entra em transe. Grita. Pula. Abraça todos os brasileiros que estavam ao lado dele. Gol! O Santo Graal! Agora ele não pára de gritar "England". Ao lado, o maluco manda: "se terminar empatado, tem prorrogação e pênalti". Falava sério. Ficou decepcionado quando dissemos que não seria bem assim. Na nossa frente, um sósia do português José Mourinho. Acho que vou entrevistá-lo. E mandar o texto para a Folha. E para O Globo. Publicam. Certeza. Ainda que a contragosto, fazendo beicinho, o jornal dos Frias reconheceu hoje que a Copa vai bem, obrigado. "A Copa faz uma semana hoje com uma coleção de pequenos problemas de organização, mas, até esse momento, nada capaz de provocar grandes danos à imagem do país. O bordão "imagina na Copa", repetido antes do Mundial como premonição de uma crise na infraestrutura e de possível fracasso do evento, não se concretizou". Jornais de hoje noticiam também que as Forças Armadas brasileiras negam que abusos tenham ocorrido em instalações militares durante a ditadura. Não foram abusos mesmo. Foram torturas. Assassinatos. Desaparecimentos. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Em campo, o Uruguai renasce. Uma bola estourada por Muslera. O zagueiro inglês salta. Não alcança. Suárez filma o lance. Parte. Ganha na corrida. Balaço de direita. "Soooooooy Celeste"! O artilheiro uruguaio pegou pouquíssimas vezes na bola. Resolveu a parada. O cavaleiro templário desabou. Ficou calado, até o final do jogo. Quando o juiz apitou, a festa uruguaia no gramado e nas arquibancadas foi emocionante. Procurei o templário. Não estava mais lá. Tinha sumido. Naquele setor, era a única cadeira vazia. "Soooooooooy Celeste! Sooooooooy Celeste"!     

quarta-feira, 18 de junho de 2014

18 DE JUNHO - QUE FÚRIA?

A campeã voltou. Mais cedo para casa. Dois jogos, duas derrotas. Sete gols sofridos. Um só anotado. De pênalti - bem mandrake. A Fúria comprou a Copa! Está na cara! Esquema Reino de Castela! Será? Maracanã e Espanha definitivamente não combinam. Não ornam. A atual campeã do mundo chegou falando grosso. Confiança de quem tinha papado tudo nos últimos anos. Vai terminar a Copa sussurrando fininho, enfrentando a Austrália num vale-nada. Já pensou perder para os cangurus boleiros e terminar em último do grupo? Acho que os jogadores espanhois queriam mesmo era retornar a tempo de ver o novo rei ser coroado. Por qué no te callas, Chico? Vai começar a temporada de caça às bruxas. Não era tudo isso mesmo. Ganharam por acaso em 2010. Espanha não tem camisa. Não tem história. O futebol está entrando nos eixos. Voltando ao normal. Foi só ventinho passageiro. A convocação do Diego Costa rachou o time. Subiram no salto. Empáfia. Pode ser tudo isso e mais um pouco. Mas o fato, meus profetas do apocalipse, é que não se ganha dois títulos europeus de seleções e uma Copa do Mundo por sorte. Obra do acaso. Iniesta e Xavi têm lugar de destaque no altar dos craques de todos os tempos. O Chile foi grande. Estupendo. Não deu chances. A começar pelas arquibancadas. Contagiantes. Que o la tumba serás de los libres o el asilo contra la opresión. Allende, meu camarada, el pueblo unido. Cantando. Festejando. Bonito. O vermelho tomou conta do estádio. Propaganda subliminar encomendada pelo PT. Aposto. Cretina foi a invasão da sala de imprensa por alguns torcedores trogloditas sem ingresso. Babaquice completa foi novamente a histeria de xingamentos contra o atacante Diego Costa. Quem ofende é a mesma torcidinha de balada que acha que o suprassumo do máximo num jogo de Copa do Mundo é dar tchauzinho para o telão. Fazer coraçãozinho juntando as mãos. E entoar a plenos pulmões o "com muito orgulho, com muito amor". Paspalhos. Ouvi o primeiro tempo no rádio, no carro. Um tantinho, até o primeiro gol, cravadinho, junto com a Luiza e o Daniel. Depois, até os trinta do segundo tempo, a caminho da universidade. Fatura garantida. Os quinze minutos finais consegui ver na Arena Sala dos Professores. Temperatura e umidade relativa do ar bastante agradáveis. Arquibancadas e gerais completamente lotadas, setores 1, 2, 3... Torcida docente cerrando fileiras com os bravos e hábeis baixinhos chilenos. O jogo nem tinha acabado e o nosso terceiro tempo já estava a todo vapor. Éramos todos espectadores-palpiteiros. Comentaristas padrão FIFA. "A metrópole não está se dando bem mesmo. Portugal vai logo também. Nunca vi um time correr tanto. Muito bom esse zagueiro central. A Espanha não renovou, trouxe uma geração envelhecida. Não dá para deixar o Xavi no banco. Esse técnico é louco. Valdivia entrou. Mas já pediu substituição. Sentiu fisgada na coxa. Prefere ser poupado". A encrenca, torcida brasileira, é que esse bom time do Chile pode em breve cruzar o caminho do Brasil. Ou talvez seja a temida Holanda, que fez hoje um ótimo jogo bumerangue contra os cangurus australianos. Saiu na frente. Tomou a virada. Revirou a partida. 3 x 2. Vem chumbo grosso por aí. Antes, claro, o Brasil precisa confirmar no campo a classificação para as oitavas. Dormi mal a noite passada. Ressaca. Sono agitado, quebrado. Levantei várias vezes. Meio dormindo, meio desperto, aquele estado de vigília entorpecida, comecei a pensar no que faria se fosse o Felipão. Primeiro, carcada geral. Depois, conversinhas aos pés de ouvidos. Dirigidas. Paulinho, guri, esqueceu o futebol em Yokohama? Marcelo, bah, deixe de se jogar na área. Bernard, os milicianos ucranianos roubaram a alegria de suas pernas? Daniel Alves, comer a banana foi genial. Mas dá para jogar um pouquinho de bola também? Oscar, quero um jogo bom, outro também. Fred, tem muito neguinho aí que colocou você no bolão como artilheiro da Copa! Honre esse compromisso! Neymar, tu é craque. Mas solta a bola de vez em quando, combinado? Estou nervoso. Imagina na noite de domingo. Imagina na Olimpíada. Imagina quando o árbitro apitar o início do jogo contra Camarões - que hoje, com um a menos, foi massacrado pela Croácia. Falta muito para segunda-feira? Os nobres vereadores paulistanos rejeitaram o projeto que decretava feriado no dia do jogo. Sábios. Será volta de feriadão. Tem Chile x Holanda no Itaquerão, começo da tarde. E todo mundo saindo cedo do trabalho para ver o Brasil. Promessa de fortes emoções. São Paulo vai travar. Perdi a liderança no bolão da família. Amanhã estarei no Itaquerão. Uruguai ou Inglaterra? Quem vai acompanhar a Espanha?          

terça-feira, 17 de junho de 2014

17 DE JUNHO - FUTEBOL MOLEQUE. SELEÇÃO BUROCRÁTICA

Vai, Chico. Vem tirar a bola de mim. Vem aqui. Olé! Agora eu sou o goleiro. Você chuta. Pode mandar. Vou defender. Tomo distância. Ele toma posição. Ameaço uma vez. Finjo de novo. Ele abre os braços. Passo o pé por cima da bola. Pedalo. Brinco. Dou risada. Ele fica impaciente. Vai logo! Não enrola! Três passos para trás. Começo a correr. Aponto o canto. Dou um toque bem de leve, na esquerda dele, que se atira. Faz a defesa. Rola. Levanta com a bola como se fosse um troféu. Orgulhoso, me encara. Desafia. Viu só? Não disse que eu ia defender? O saguão do primeiro andar da universidade estava quase vazio. Ritmo de férias. Aproveitamos. Fizemos daquele espaço uma muito aconchegante arena. Quase padrão FIFA. Eu e o Henrique, seis anos, filho da professora Claudia. Mandamos ver. Clássico movimentado, disputadíssimo. A pelota era minúscula. Quase bolinha de ping-pong, um pouco mais pesada. Tinha o distintivo do Palmeiras desenhado. Para o menino, era a brazuca oficial. A camisa dele estava molhadinha de suor. Os cabelos loiros estavam desgrenhados. Mãos pretas de tanta sujeira. Felicidade estampada no rosto. Não para, Chico. Estou ganhando. Soltou a bolinha no ar. Meteu o pé nela. Sem deixar cair no chão. Verdadeiro sem-pulo. Que explodiu no ombro de uma mocinha que ousara invadir o campo, sem avisar. A invasora riu. Foi sem querer. Desculpa, moça, mandou o Henrique. E continuou correndo com a redonda. Quando eu tinha a idade dele, também transformava em campo qualquer metro quadrado disponível. Podia ser a sala do apartamento (a janela era o gol). O corredor ao lado da sala de aula. O tanque de areia da escola. Um pedaço da calçada em frente ao prédio. Qualquer coisa que fosse chutável fazia as vezes de bola. Uma tampinha de garrafa. Copinho de danone. Potinho de yakult. Garrafinha de água. Mais resistente, latinha de refrigerante era objeto de máximo desejo. Tínhamos, os boleiros, um compromisso de honra: não pisar nas pelotas improvisadas. Em hipótese alguma. Jamais. Nunquinha. Porque se fossem amassadas, o jogo terminava. Nem pensar. Eram partidas épicas. Memoráveis. Verdadeiras decisões de campeonato. Nervos à flor da pele. Rivalidades. Quem queria perder para a outra classe? Cada racha... As meninas ficavam torcendo. A gente se empolgava. Disputávamos cada bola. Comemorávamos cada gol. O garoto responsável pelo tento da vitória não raro saía carregado. Aplaudido. Herói. Os uniformes sofriam. Terminavam o dia imundos. Rasgados. As mães davam broncas. Homéricas. Assim não dá. Agora vai usar essa camisa até o final do ano. Não vou comprar outra. Azar o seu. Depois, solidárias, adotavam medida de emergência. Mandavam o sapateiro colocar nos joelhos e cotovelos aqueles remendos ovais de couro. Da mesma cor, de preferência. Horrorosos. Mas eficientes. Garantiam sobrevida às calças e blusões. Jogando com o Henrique, voltei aos meus sete, oito anos. A manhã passou mais rápido. Ajudou a descarregar a tensão. Exorcizar demônios. Estava precisando. A bola, essa desde sempre minha amiga de todas as horas. Qualquer que seja o formato dela. O tamanho. O peso. Paixão antiga. Que nasceu quando eu ainda era óvulo e espermatozoide. Um, dois, três. Respira. Concentra. Tem Seleção em campo de novo logo mais. Contra o encardido e bem arrumado México. Segunda rodada do grupo. Valeu, Henrique! Demos boas risadas. Agora preciso ir embora. Chico, outro dia a gente joga de novo? Fechado. E bom jogo do Brasil para você. Era o que sinceramente eu esperava. Mais uma vitória convincente do time de Felipão. Gols. Show de Neymar. Quem sabe até garantíssemos a classificação antecipada. Estava tudo pronto. Castelão lotado. Clima de festa em Fortaleza. A cidade está tomada pelo verde e amarelo. Hino à capela. Apita o árbitro. A bola do Brasil? Não apareceu. Sofremos pressão. Passamos apuros. Erramos passes. Vimos a pelota passar bem perto da trave de Julio Cesar algumas vezes. Fomos burocráticos. Criatividade zero. Improviso menos dez. Não, não falo de arrogância, salto alto. Os jogadores correram. Dividiram, se esforçaram. Mas foi só. A Seleção jogou mal. Verdade que o goleiro mexicano foi um dos destaques da peleja. Salvou uma cabeçada de Neymar em cima da linha, no primeiro tempo. Defendeu cabeçada de Thiago Silva à queima-roupa, finalzinho do jogo. E ainda abafou chute de Neymar, também no segundo tempo. A torcida ficou preocupada. O desempenho dos nossos boleiros ficou bem aquém daquilo que são capazes. Todos? Não. Tiro Luis Gustavo dessa conta. Disputou mais uma partida soberba. Impecável. É discreto. Brilhante. Joga de cabeça erguida. Marca firme, sem fazer falta. Não erra passes. Tem excepcional senso de cobertura. Toma conta de todos os espaços. É um volante clássico, das antigas. Ele foi o ponto fora da curva. Numa rodada que foi, no conjunto, bem modorrenta. A mais fraca até aqui. A Bélgica decepcionou. Bateu cabeça para virar o jogo contra a Argélia. A Rússia começou perdendo. Só conseguiu empatar com a Coreia do Sul. Para além dos gramados, os números são alvissareiros. Em cinco dias, São Paulo recebeu 64 mil turistas. Dez mil deles são estrangeiros. Na véspera da abertura da Copa, duas mil pessoas visitaram o Museu do Futebol. Copa do Mundo é também tempo de saborear as crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Hoje ele escreveu sobre o carinho com que o volante italiano Pirlo trata a gorduchinha. Recomendo. No bolão da família, nenhuma mudança. Terminei a terça-feira na liderança. Daniel continua na parte de cima da tabela, brigando com os grandes. Aflito. Querendo saber os palpites de todos os demais participantes. Aguardo com ansiedade o Espanha x Chile de amanhã. Promete. Imperdível. Primeira surpresa da Copa? Será que o Henrique gostou do jogo do Brasil? Boa noite. Bom descanso.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

16 DE JUNHO - O BOLÃO DO DANIEL

Final de semestre letivo. Aplica prova. Corrige prova. Lança nota. Prepara substitutiva. Começa a pensar nas novas disciplinas. A organização da Copa, no entanto, foi generosa. Tabela padrão FIFA. A semana é curta. Vem aí mais um feriadão. Uruguaios e ingleses prometem tomar conta das ruas de São Paulo. A Vila Madalena vai ferver. Mais ainda. Lá se vai quase uma semana. Ainda não me conformei com as estúpidas ofensas dirigidas à presidenta Dilma na abertura. Típico comportamento dos ressentidos e raivosos, alimentados pelos relinchos de Reinaldos e Rodrigos. O aprendiz de blogueiro do panfleto da Abril, aliás, detonou hoje o "2014" em vermelho que aparece no logo oficial do Mundial. Garante que é mensagem subliminar do PT. O vermelho dos comunistas comedores de criancinhas. Precisa ser internado. E levar com ele todos os insanos leitores. Saiu a primeira parcial do bolão da família. São 24 participantes - além do núcleo específico Marconi Bicudo, irmãos, pais, cunhado, cunhadas, primos, namoradas dos primos, tios, sobrinhos. Diversão que já tem muitas Copas. Tradição. Daniel é a revelação de 2014. Vice-líder. Um só ponto atrás do primeiro colocado. Cravou vários resultados. Menino boleiro colocando medo em gente grande. O pequeno ficou entusiasmadíssimo. Adora uma competição. Ainda mais futebolística. Às vezes exagera. Ontem, no jogo da Argentina, comemorou o gol da Bósnia como se fosse do Santos. Ele tinha 2 x 1; eu, 2 x 0. Matou dois coelhos com um tento só. Tirou o doce da boca do pai - aliás, torceu abertamente contra mim, sem qualquer constrangimento. E avançou firme na tabela de classificação. Saiu correndo pela sala. Parecia o coelhinho das pilhas duracell. Não parava. Estou bem no bolão, estou bem no bolão, cantava. Ria à toa. Tirava sarro. No almoço, hoje, volta da escola, entrou pela porta da sala como um furacão. Nem tirou a mochila das costas. Quanto está o jogo de Portugal? Estou fazendo pontos no bolão? Já estava 1 x 0 para a Alemanha, gol de pênalti, logo no comecinho. Era duelo de uma seleção de um homem só (Portugal de Cristiano Ronaldo, apagadíssimo na Fonte Nova) contra uma legião de craques (Khedira, Lahm, Özil, Kroos, Götze e Müller - que meio/ataque é esse? Covardia). No banco alemão, Miroslav Klose. Torço muito para ele entrar. Marcar dois gols. E arrancar do oportunista Ronaldo global aecista a marca de maior artilheiro das Copas. Daniel senta ao meu lado. Pai, tenho 2 x 0. Estou no jogo. E você? Dei 3 x 1, respondo. Ele faz piada. Xi, dançou. Portugal não vai marcar hoje. A previsão parece se confirmar quando o brucutu Pepe dá um tapão e uma cabeçada no atacante alemão. Expulso. Com justiça. Com um a menos, vem o massacre. O primeiro tempo termina 3 x 0. Alemanha baila. Aula de futebol. Apresentação de favorita. O moleque fica tenso. Já não dá mais para ele cravar. Torço por um gol dos patrícios. Pai, será que alguém tem 3 x 0? Vão me passar? Vou perder a vice-liderança? Que porcaria! Quarto gol da Alemanha no final do segundo tempo. Ele comemora. Boa! Duvido que alguém tenha goleada! Ninguém vai acertar o resultado! Tudo vai ficar igual! Sai gargalhando. Prepara as escalações. E vai jogar mais uma partida de Copa do Mundo de bexiga no quarto. Ouço no rádio que o comércio no entorno do Itaquerão triplicou no dia da abertura. A expectativa é vender e lucrar mais ainda nas próximas partidas. Índice de atraso dos voos é de apenas 4%. Oficialmente. Menos que a média internacional. Padrão para além da FIFA. Imagina na Olimpíada. No Rio, a beleza da festa dos argentinos no Maracanã concorreu com a brutalidade da polícia militar nas ruas próximas. Tiro, porrada e bomba. A PM de Cabral/Pezão imita a PM de Geraldo. E vice-versa. Não sabem como lidar com protestos. A população de São Paulo está com medo da água retirada do volume morto do sistema Cantareira. Mas continua votando no Geraldo. O democrata Aécio persegue e censura jornalistas. Nos gramados, o Mundial é um sucesso. Correspondentes estrangeiros sugerem que é a melhor Copa desde a de 1982, na Espanha. Nas redes sociais, 70% das manifestações na semana passada eram contrárias ao torneio; hoje, 70% são favoráveis. Serve como termômetro de narrativas. Partidas muito boas, seleções ofensivas, baita média de gols. Irã x Nigéria - a exceção a confirmar a regra. Sofrível. De doer. Sono. Mas é Copa. Não desliga a televisão. Trombadas, furadas, empurrões, caneladas, bicudas para a arquibancada. Daniel não perde a chance. Essa Nigéria horrível não faz gol. Vai ferrar o meu bolão. Porcaria de time. Não sabem jogar. Segundo tempo foi no rádio. A brincadeira era narrar em iraniano e em nigeriano, arriscando sotaques de tribos diferentes. Era o que dava para fazer. Já no final, o narrador mandou um "se tirarem as traves, ninguém vai sentir falta". A peleja foi medonha até o fim. Já vi coisas bem melhores nas areias do José Menino, em Santos. Consegui chegar na universidade a tempo de ver o gol relâmpago dos Estados Unidos contra Gana. Trinta e dois segundos. Um dos mais rápidos da história das Copas. Daniel no telefone. Ferrou, ferrou. Vou zerar. Dei vitória de Gana. Estou ferrado. Consegui imaginar o tamanho da tromba. Ouvi - e entendi - os resmungos. Mandei segurar a onda. É só brincadeira. Diversão. Sem estresses. Mais provas (rescaldo da greve dos metroviários na semana passada). Corrigidas. Notas lançadas. Gana foi melhor o jogo inteiro. Pressionou. Mas sem chutar. Ainda marcou belo gol de empate. O zagueirão, últimos minutos, achou que era legal brincar na defesa. Em jogo de Copa. Cedeu escanteio tolo. 2 x 1 Estados Unidos. Esse fui eu que cravei! Cinco pontos no bolão. Assumi a liderança. Daniel está agora em quarto, três atrás de mim. Tudo embolado. Emocionante disputa. Amanhã estreiam duas seleções que prometem fazer boa Copa - Bélgica e Rússia. Acompanharemos. Tem o segundo jogo do Brasil. Daniel quer saber os palpites do meu bolão. Vai secar, claro. Vou lá começar a concentração.

domingo, 15 de junho de 2014

15 DE JUNHO - QUANTO ESTÁ O JOGO DA FRANÇA?

Domingo dedicado a treinos regenerativos. Descanso merecido. Estava quebrado. Passei a manhã na cama, na frente da TV. Conversinhas de futebol. Treino do Brasil. Hulk machucou. Preocupa, dizem os repórteres. Na entrevista coletiva, o atacante diz que foi só susto. Precaução. Garante que joga contra o México. Vai ver que os comentaristas esportivos estão inspirados pela temporada de festas juninas. Olha a cobra! É mentira! Olha a chuva! Já passou! Estou mais vermelho que um pimentão. Paulista branquelo que acha que consegue encarar o sol do Nordeste. Toma, papudo. Ainda bem que não está ardendo. Por falar em calor, italianos e ingleses se arrastavam em campo ao final do segundo tempo ontem, em Manaus. Esgotados. Faz parte. Paciência. O Brasil também já precisou atuar debaixo do sol do meio-dia em Dallas, na Copa dos Estados Unidos, em 1994. Padrão tio Sam. Lá, como cá. O taxista que me leva ao aeroporto sonha com uma final contra a Argentina. Grandioso. Desde que o Brasil ganhe. Check-in em três minutos. Isso mesmo, três. Assim não dá, presidenta. Está errado. O que vão dizer dessa Copa depois? Cadê o caos aéreo anunciado, cantado em verso e prosa? Tome providências, por favor. Com urgência. Mar de sombreiros e camisas verdes. Mexicanos chegando empolgados. Camisas celestes quase desbotadas. Uruguaios partindo cabisbaixos. Preocupados com o fantasma. Não o de 1950. O de uma possível volta antecipada para casa. Jogam no Itaquerão na quinta contra a Inglaterra. Quem perder... Estarei lá. Estou deixando Fortaleza. Valeu! A Seleção Brasileira está chegando. Cocei a cabeça. Se arrumar ingresso para a partida do Brasil no Castelão, estico a reserva no hotel. Fico até terça. Vontade não falta. Mas não dá. Semana de vista de provas na universidade. O dever chama. A loja oficial da FIFA no aeroporto é impraticável. Assalto. O produto mais barato que vi por lá custa 49 reais. Um chaveiro que é réplica da taça. Minúsculo. 49 reais. Quem pode? Por falar em exclusão, vi poucos negros no Castelão. Pouquíssimos. Salva de palmas para a democracia racial brasileira, maximizada pelos preços populares dos ingressos cobrados pela dona FIFA. Vi Suíça x Equador almoçando. Primeiro tempo truncado. Segundo tempo melhor, mas sem grandes emoções. A temperatura ferveu no finalzinho. Eletrizante. Times atirados. Atacando. O jogador do Equador perdeu gol feito. No contra-ataque, último minuto, virada da Suíça. Ouvi uns gritos de comemoração no aeroporto. Passadinha rápida na livraria, para ver as manchetes dos jornais. Dois dias sem ler as edições impressas. Síndrome de abstinência. Dessa vez, não me pararam por carregar canivetes escondidos. Que bom. Talvez eu não tenha então cara de terrorista. O avião decolou na horinha marcada. Cravado. Pode isso, Dilma? Fica difícil assim. Imagina na Olimpíada! A moçoila da poltrona da frente usava tranquilamente o celular. Apesar dos insistentes e categórico "a partir de agora, todos os aparelhos eletrônicos devem ser desligados". Muito civilizada. O avião deu umas chacoalhadas esquisitas na primeira hora de viagem - 2345 quilômetros separam Fortaleza de São Paulo. Dica que sempre me deram - olhar para a comissária de bordo. Foi o que fiz. Ela continuava andando, preparando o lanche. Tudo bem. Me acalmei. Tenho medo de avião. Não levanto para ir ao banheiro. Não durmo. Leio um tanto de "O professor", do Cristovão Tezza. Vai escrever bem assim lá no "Filho eterno". Livraço. Livraços. A televisãozinha de bordo mostrava gols de Copas passadas. A máquina laranja da Holanda em 1974. A Copa da ditadura na Argentina. O futebol arte do escrete do Telê em 1982. La mano de dios em 1986. A França de Platini. Bacana. Divertido passa tempo. Caraca, mas eu estava mesmo era querendo saber quanto estava o jogo da França contra Honduras, em Porto Alegre. Que angústia. Não poder ver ao vivo um jogo da Copa. Goleada? Outra zebra? Eryx Pereira, que estava no Beira Rio, prometeu gravar A Marselhesa. Allons enfants de la Patrie. O hino mais bonito do mundo. Fiquei sabendo depois que não tocaram os hinos. Deu pau. Problema técnico. Já vi a cena. Fiasco. Os times perfilados. Nada. Que feio, Blatter. Que padrão FIFA é esse? Lembram quando, na Copa do México, tocaram o Hino da Independência? Doutor Sócrates ficou fulo. O avião pousou também no horário certinho. É. Estou achando que monsieur Blatter não vai mais querer fazer Copa no Brasil. Nunca mais. Minha agonia terminou assim que pude religar o celular. Mais de 40 mensagens num grupo do uatzap praticamente narravam a partida da França inteirinha. Várias vozes, a mesma peleja. Saboroso. Vivas ao mundo virtual! 3 x 0 França. Com direito a uso de tecnologia num deles. Vou ver o VT em casa. Todinho. Deve passar na madrugada. Projeto assistir na íntegra a todos os 64 jogos da Copa. Vai dar. Pego de relance o primeiro gol - contra - da Argentina no saguão de desembarque. Táxi em menos de cinco minutos. O senhor pode por favor ligar o rádio? Para ouvir a Argentina. O motorista não pestaneja. Fico imaginando os lances. Partida morna, sem emoção. Chego em casa a tempo de ver o segundo tempo. Antes, muitos abraços apertados e beijos carinhosos da Elisa Marconi, da Luiza e do Daniel. Não há lugar como o lar. Sentamos para ver juntos o segundo tempo. Apelidamos nosso sofá de Arena Estávamos Todos Com Saudades. Padrão mais que FIFA. Jogo continua sem graça. Mas o Maraca estava bonito, pintado de azul e branco. Foi quando apareceu o craque. Para fazer valer o ingresso. Messi. E um pequeno pollo - certo, Lisandra de Moura? - do goleiro hermano no final. O resultado ajudou a manter a espetacular média de 3,3 gols por jogo até aqui na Copa no Brasil (37 tentos em 11 partidas). Maravilha. Um brinde ao futebol. Imagine na Olimpíada! Minha coluna dói. Três hérnias de disco. Minha alma sorri. Feliz. Final de semana especial. Inesquecível. Trinta graus em Fortaleza. Dezoito graus em São Paulo. Já separei o cobertor. Vou cair na cama. Mereço. Amanhã tem jogão. Alemanha x Portugal. Conversamos. Ótima semana para todos.