quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

2015


"A revolução acontece quando o extraordinário se transforma em cotidiano" (Ernesto Che Guevara).

Um 2015 de muitas revoluções para todos. 


domingo, 21 de dezembro de 2014

COM OU SEM 3D?

Discussões políticas-cinematográficas acaloradas em uma manhã seca, quentíssima e grudenta de um preguiçoso domingo de férias.
- Vamos ver o Hobbit?, convidou Elisa Marconi.
- Sim!, gritamos todos.
Primeiro tema da pauta do dia superado e resolvido por consenso.
- No final da tarde, sugeri.
Proposta também aprovada com quatro votos, sem divergências, questões de ordem ou de encaminhamento.
- 3D ou não?, continuou Elisa, presidindo a mesa.
A bancada rachou. Discursos e argumentos inflamados.
- Sem 3D!, bradou Luiza.
- Com 3D!, defendeu Daniel.
Eu disse que era indiferente. Abstenção. Elisa engrossou o desejo da bancada feminina. Voto de minerva. Daniel ficou isolado. Mas não desistiu.
- Deve ser muito mais emocionante com 3D.
Em silêncio, ponderei e concordei. Fiquei imaginando as batalhas dos cinco exércitos ao alcance das mãos. Mas Luiza respondeu com propriedade.
- Eu fico com muita dor de cabeça. E a mamãe também prefere sem. Dois a um. Vence a maioria. Democracia.
O moleque resolveu apelar para teses aecistas.
- Então vou pedir seu impeachment!
Achei mais sensato suspender a sessão extraordinária. Breve recesso. Para acalmar os ânimos. Voltaremos em breve, com as resoluções finais.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

REVISITANDO PALAVRA CANTADA

Espíritos dezembrinos. Corações sinceramente abertos a retrospectivas críticas e a caraminholar planos para os 365 dias vindouros. Ventos de uma boa e alegre nostalgia entraram pela janela do quinto andar de um prédio que fica no topo de uma das tantas ladeiras do bairro de Perdizes. 

Procura daqui, fuça de lá, não gosta desse, não quero aquele. Nariz torcido e caretinha para vários filmes. Nem pensar em desenho animado, adolescente que já é. Sem muita paciência para escolher, é verdade, como de costume. Mas depois de uns cinco minutos, finalmente Luiza dá um grito de quem ganhou a caça ao tesouro. Pai, posso alugar esse show do Palavra Cantada? Está no NOW, três e noventa. Quero ver. É aquele que a gente foi, tinha o DVD. Eu adorava, o Dani também. Deixa, deixa, deixa, vai. 

Devo ter feito cara de espanto. Fui pego de surpresa, confesso. Nada de Harry, Zayn, Louis, Niall ou Liam? Nada de One Direction? Trocados por Sandra Peres e Paulo Tatit? Autorização imediatamente concedida. Quem sou eu para atrapalhar esse reencontro repentino e delicioso com a infância? 

Palavra Cantada. A Lui era menininha; o Dani, um bebê. Era uma febre. O tal amado DVD, de um show no Auditório Ibirapuera, rodava várias vezes por dia, sem tréguas. Até quase furar. Com direito a rodas, palmas, danças e coreografias imitadas e inventadas. Tombos, cambalhotas e gargalhadas. "Brincadeira, choradeira, Pra quem vive uma vida inteira. Mentirinha, falsidade, Pra quem vive só pela metade". 

Paulo e Sandra são Luiza e Daniel no colo, leite na mamadeira, passeios no carrinho, manhas no berço, nas sonecas das tardes, nos tanques de areia, nas brincadeiras de bonecas e bonequinhos, nos tapetes coloridos de livrarias ouvindo histórias e fuçando prateleiras. Perninhas curtas, braços pidões sempre estendidos. Abraços e beijos estalados. "Rato, meu querido rato. Eu não sou assim de fino trato. Pra selar este contrato. Minha luz é passageira. Fico sempre por um triz. Mesmo quando estou inteira. Vem a nuvem me cobrir. Ela sim, nuvem faceira. É que lhe fará feliz". 

Eram os tempos da escola Alecrim, os amigos e amigas inseparáveis, a Lulu, a Sossô, a Julia, a Dani, o Danilo, o Ian, o Ernesto, além das aventuras no cavalão branco, no balanço de pneus, na ponte colorida, na caverna do urso imaginário. Saudades dos banhos de esguicho só com calcinha ou cueca, no ritmo gingado da capoeira e da malemolência dos primeiros toques na bola. "Gosto quando vou brincar na rua. Gosto quando encontro meu amigo. Gosto quando a mãe do meu amigo. Me oferece uma bolacha. De água e sal". 

Lembro de termos ido a três shows do Palavra. O primeiro foi comemorativo, o famoso, no Ibirapuera, com o palco se abrindo ao fundo e revelando os encantos do Parque na música final, para deleite das crianças, boquiabertas e sem piscar. O segundo foi uma espécie de acústico, apresentação intimista para pequeno público, na FNAC de Pinheiros. Conseguimos os três últimos lugares, quando os dois já ameaçavam beicinho e faziam menção de começar a chorar, decepcionados. Não foi só: ao final, abraços, beijos, fotos e autógrafos no CD. "Luiza e Daniel, beijos do Paulo e da Sandra". O terceiro, animadíssimo, foi num carnaval, com direito, claro, às canções do CD Carnaval. Sem esquecer os clássicos. "Entre o Oriente e ocidente. Onde fica? Qual a origem de gente? Onde fica? África fica no meio do mapa do mundo do atlas da vida. Áfricas ficam na África que fica lá e aqui. África ficará". Os tambores dessa música são impressionantemente fortes e tocantes. Tribais. Contagiantes. 

Eles gostavam muito também dos Saltimbancos, Casa de Brinquedos, Arca de Noé, Plunct-Plact-Zum, cantigas de roda, Hélio Ziskind. Mas não havia quem pudesse concorrer com Palavra Cantada. Quantas não foram as vezes em que se fantasiaram de Paulo e Sandra, na companhia da prima Maristela, e atormentaram a vida da tia-madrinha para que desenhasse a dupla com seus instrumentos musicais. Palavra Cantada é cheirinho de infância saudável e feliz. Gosto de diversão com cidadania. Textura híbrida de ritmos maluca e harmonicamente variados e costurados. É também um tantão do meu aprendizado como pai. "Lápis, caderno, chiclete, pião. Sol, bicicleta, skate, calção. Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão. Criança não trabalha, criança dá trabalho. Criança não trabalha..".

Estão lá de novo, grudados no sofá, só no pé com pé e esperando a sopa do neném - a garbosa fã de One Direction, doze anos, e o marrento campeoníssimo boleiro, oito anos. Com quase 43, vou lá me juntar a eles.  Saborosa sexta-feira. "Oi, oi, oi... Olha aquela bola. A bola pula bem no pé. No pé do menino. Quem é esse menino? Esse menino é meu vizinho...Onde ele mora? Mora lá naquela casa...Onde está a casa? A casa tá na rua...Onde está a rua? Tá dentro da cidade... Onde está a cidade? Do lado da floresta... Onde é a floresta? A floresta é no Brasil... Onde está o Brasil? Tá na América do Sul, no continente americano, cercado de oceano e das terras mais distantes de todo o planeta". 

AMANHÃ



Fazia muito tempo que não tinha insônia. Nem sou capaz de dizer quando foi a última vez que contei carneirinhos, sem sucesso, e vi o dia clarear, sem ter conseguido pregar os olhos. Pois nessa madrugada a maldita da danada me pegou de jeito. Sem avisar nem pedir licença. Implacável. E tome virar na cama, de um lado para o outro, setecentas e sessenta e oito vezes, sem encontrar (nem passei perto) os caminhos de sonhos para alcançar os aconchegantes embalos dos braços de Morfeu. Ariano é aquele sujeito que, além de não fugir de briga alguma (está olhando por quê?) e de ter sempre fé na vida (vai dar tudo certo, confia em mim), carrega consigo a deliciosa e teimosa mania racional de achar que tudo pode controlar. E não pode? Olhando para o teto, braços cruzados atrás da cabeça, cidade incrivelmente silenciosa, comecei a agendar, passo a passo, como vai ser o sábado. Acordar, controlar a ansiedade, votar nas eleições do Santos, controlar mais um pouco a ansiedade, almoçar, continuar controlando a ansiedade, tomar banho, não esquecer de controlar a ansiedade, vestir o uniforme. Ansiedade. Nada de ficar enrolando nos vestiários. O jogo começa seis em ponto. É importante chegar cedo, com antecedência, para preparar as arquibancadas e respeitar os convidados-torcedores. Quando o árbitro apitar e a bola começar a rolar, será preciso ter muita técnica e disciplina, como ensina o hino do glorioso alvinegro praiano, e ser ligeiro (para poder fazer tabelinhas e trocar passes com todos os que lá estarão) e hábil (para agradecer, com palavras, autógrafos, fotos e dedicatórias singulares os representantes das diferentes tribos e torcidas que prometem marcar presença).  Excepcionalmente, por motivos óbvios, na arena padrão FIFA onde acontecerá a partida literária de confraternização de final de ano – também conhecida como Arena Bar São Cristovão – será permitida a venda de bebidas alcoólicas. Recomenda-se deixar os carros em casa.  99 táxis pode ajudar. O time treinou forte, o grupo está unido, vamos colocar em prática tudo o que o professor pediu, o coração vai na ponta das chuteiras. Ousadia e alegria, muita alegria, um sete a um (a nosso favor) de alegrias, numa noite que se anuncia como inesquecível. O friozinho na barriga é inevitável. É decisão de campeonato. Já enfrentei outras finais e lancei outros dois livros, é verdade, golaços muito queridos, a sugerir reflexões sobre o fazer jornalístico e algumas contribuições sobre as relações entre Saúde e Cidadania. Mas não posso negar – “Memórias de uma Copa do Mundo” é especial. Aquele gol de placa, uma matada no peito e um sem-pulo no ângulo. Porque é meu primeiro (de muitos, espero) livro de histórias. Trinta e cinco crônicas que preservam um tanto do que foi o Mundial disputado por aqui. Relatos de um torcedor, o universo boleiro – outra de minhas paixões – em cena, em suas mais diferentes e fascinantes facetas. Ficção e realidade juntas e misturadas. Fez o caminho inverso – legítimo filho das redes sociais, saiu primeiro em formato digital, para então ter os direitos federativos e econômicos generosamente adquiridos pela Chiado Editora, que abraçou o projeto e fez nascer a tão sonhada versão impressa. Tornou-se possível graças aos bondosos incentivos dos leitores-torcedores, que fizeram tremular as bandeiras e não pararam de cantar um minuto – “publica! Publica! Publica!”. E como o mundo do futebol é marcado por mandingas e superstições (prometo seguir à risca os rituais amanhã), devo lembrar que há exatamente vinte anos, numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1994, com as arquibancadas do auditório Freitas Nobre da querida ECA/USP lotadas, explosão de afetos, defendi meu Trabalho de Conclusão de Curso e me formei nas artes e ciências do Jornalismo. Naquele mesmo dia, conheci a Elisa, amor da minha vida, eterna capitã da minha Seleção. Bons presságios. Duas décadas depois, e agora já com Luiza e Daniel, joias das categorias de base, oxalá outros universos narrativos, não necessariamente jornalísticos, estejam a exigir e cobrar minhas letras. Um novo tempo de escritas. Sei que todos já sabem, muitos já confirmaram presença. É ansiedade de autor-atleta principiante. Reforço o convite – será imenso prazer poder abraçá-los amanhã, no lançamento de “Memórias de uma Copa no Brasil”.  De certa forma, Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo, Suárez, James Rodriguez, Robben, Feghouli, Navas, Kroos e tantos outros craques estarão conosco. Os deuses do Himalaia, senhores soberanos e protetores do futebol, também já compraram ingressos para a festa. Abraços e beijos e até lá (goooool da Alemanha...). 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

MELIANTES DE ALTA PERICULOSIDADE

Foi dos medos mais terríveis que já senti na vida. Aquela adrenalina que toma conta de cada mitocôndria de cada célula do corpo e paralisa todos os músculos. Só tenho lembrança de pavor parecido quando, aos seis anos, em férias de verão, chácara em São Bernardo, moleque abusado, achei que poderia encarar numa boa o filme "Sete máscaras da morte". Cabeças degoladas rolando escadas e mulheres afogadas em banheiras, sem contar os choques elétricos. A calça do pijama quase amanheceu molhada. Na madrugada, corri para a cama do meu avô. Três noites sem dormir. Pesadelos e lencóis cobrindo a cabeça, artimanha que, imaginava em minha incocência de criança, seria suficiente para me proteger e escapar dos assassinos televisivos que, àquela altura, tinha certeza, sabiam quem eu era e me perseguiam.
No meio da tarde de ontem, cruzamento da rua Cardeal Arcoverde com a João Moura, agradável e tradicional bairro de Pinheiros, fui tomado por aquela mesma tremedeira, subindo em ondas arrebatadoras pelas pernas e braços. O trânsito estava lento - o que não é exatamente uma novidade na cidade que é senhora da maior frota de carros do país (quase seis milhões de carangos). Amarelo. Vermelho. Parei. Antes da faixa de pedestres. Foi quando bati os olhos na ladeira onde ainda resistem bravamente alguns sobradinhos simpáticos e aconchegantes, que me remetem a cheiros e cores da minha infância. Eles estavam se aproximando. Pedaladas firmes e ritmadas. Caras de gente dos infernos. Pouco enxergava dos rostos deles, é verdade, escondidos por máscaras e capacetes. Mas eram expressões perversas. Tenho certeza. Nem olhavam para os lados. Luvas e joelheiras ajudavam a compor o figurino dos meliantes. Cavaleiros medievais repaginados, versão século XXI. Darths Vaders com roupas coloridas.
Eram três. O primeiro vinha um pouco mais à frente, como um líder destemido, seguido de perto por mais dois malfeitores. Um triângulo, típica posição de ataque. Já tinham certamente tudo combinado e e ensaiado. O comandante dá o bote. A retaguarda protege e termina o serviço. Eu era a vítima escolhida. As rodas continuavam girando em sintonia, rasgando com firmeza a faixa vermelha lulo-petista. O líder soltou a mão esquerda do guidão. Ergueu o tronco. Fez um sinal. Os três imediatamente apertaram os breques, reduzindo em seguida a frequência das pedaladas. Assaltos, sequestros-relâmpago, espancamentos... São capazes das mais terríveis atrocidades, essa escória sob duas rodas.
Travei as portas do carro. Fechei os vidros. Cerrei os dentes, maxilar doendo com tanta pressão. A mão esquerda procurou a carteira. Com a direita, digitei 190 no celular. Bastaria apertar discretamente a tecla verde com a figurinha do telefone e gritar, sei lá, 'socorro, atenção, marginais na Cardeal com João Moura'. Os policiais militares entenderiam a senha, meu sufoco. Pelo retrovisor, pude notar que a motorista do carro de trás, sei lá qual desses possantes de luxo, conversava animadamente pelo viva-voz, sem qualquer receio. Que cretina. Fiz menção de avisá-la, de gritar 'cuidado, vagabundos de bicicleta'. Recuei. Permaneci imóvel. Se perceber qualquer movimentação suspeita, não reaja, não faça movimentos bruscos e que possam assustar. É o que recomendam os bons manuais de segurança e sobrevivência nessa selva urbana.
Com todo cuidado, desligo o rádio. Tocava Raul. 'Mamãe não quero ser prefeito. Pode ser que eu seja eleito. E alguém pode querer me assassinar'. Não digo matar, que não sou dessas coisas, sou gente de bem; mas bem que tenho vontade de dizer poucas e boas para esse prefeito gato que resolveu atrapalhar o trânsito paulistano com essas malditas e imprestáveis ciclofaixas vermelhas. Para quê? Só para enfeiar a metrópole? Para atrair e juntar essa corja? Olho para elas e me revolto. Diabos, como farão os moradores dessas ruas nesse final de ano? Onde os familiares e amigos vão estacionar seus carros para as ceias natalinas e as confraternizações sempre muito autênticas e verdadeiras, embriagadas de sinceros afetos e de presentes com valores mínimos? Como vão essas pessoas carregar os perus? As saladas? Os manjares? Os fios de ovos? As cerejas e uvas? Fico imaginando a correria desbragada pelas calçadas e as trombadas, choques de travessas e tabuleiros, já que serão obrigados a deixar os automóveis sabe-se lá onde.
Foi só insight. Voltei. As bicicletas estão muito perto, sei lá, uns vinte metros, se tanto. Pé na embreagem. Engato a primeira. Cinco metros. Pedal direito, pedal esquerdo, pedal direito, pedal esquerdo, as correias girando em compassos sincronizados. Chegaram. É agora. Vamos lá. Mais duas pedaladas. Tomara que levem só o dinheiro. Dos males, o menor. Sem violência física. Não tiro os olhos deles. Eles me ignoram. Passam reto. Nem olham para mim. Escapei. Escapei! Perceberam que eu estava esperto, preparado. Só pode ser. Certamente. Vão atacar algum outro desavisado logo mais adiante. Ainda deu tempo de observar aquelas luzinhas vermelhas piscando acima das rodas traseiras. Verde. Acelerei, ainda com a adrenalina estourando. Parti cantando pneus. Pedestres olharam assustados. Fiquem espertos, seus tontos, não sou eu a ameaça. Ainda estão rondando por aí. Virei à direita na Cardeal. Músculos queimando de tão doloridos, as pernas ainda tremendo, sem conseguir controlar direito o pedal da embreagem (exatamente como acontece quando a gente faz exame de auto-escola).
O susto ainda não passou. Aquelas figuras pedaleiras não me saem da cabeça. Quem anda de bicicleta não presta. Todos sabemos disso. São gente sem qualificação. São pessoas do mal. Meliantes. Vagabundos. Muito, muito cuidado com esses calhordas. Olha, está cada vez mais difícil viver em São Paulo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

OS MINISTROS DE DILMA

Embora a tragédia já tivesse sido anunciada, a confirmação de Katia Abreu como Ministra da Agricultura é uma lástima. Péssima notícia. 

E, se forem mesmo oficializados os demais nomes que estão hoje sendo anunciados pelos jornalões, Dilma parece querer repetir o desenho ministerial do primeiro mandato do governo Lula (2003-2006).

Em 2003, o ex-presidente usou a área econômica (Antonio Palocci na Fazenda + Henrique Meirelles no Banco Central), a Agricultura (Roberto Rodrigues) e o Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Luiz Fernando Furlan) para agradar os empresários, dar satisfações ao reizinho mandão mercado e apresentar-se aos investidores como uma administração confiável, cumpridora dos contratos. 

Para os chamados ministérios sociais, foram chamados políticos que pudessem colocar em marcha as políticas públicas de distribuição de renda e inclusão: Educação ficou com Cristovão Buarque; Cidades, com Olívio Dutra; Assistência e Promoção Social, com Benedita da Silva; Meio Ambiente, com Marina Silva; Desenvolvimento Agrário, com Miguel Rosseto; Trabalho, com Jaques Wagner; Minas e Energia, com Dilma Rousseff; Saúde, com Humberto Costa; e Previdência, com Ricardo Berzoini. 

Além disso, os Direitos Humanos, além de Ministério específico (Nilmário Miranda), foram contemplados também com a Secretaria de Políticas de Igualdade Racial (Matilde Ribeiro) e com a Secretaria de Direitos da Mulher (Emilia Fernandes). Ao fazer essa opção, Lula levou a 'luta de classes' para dentro do governo, como já observou o cientista político André Singer, em suas análises sobre o lulismo. Ortodoxia econômica versus desenvolvimentismo. Muitas disputas - algumas delas acirradíssimas - colocavam em pólos opostos ministros do mesmo governo. Lula arbitrava e mediava esses confrontos. 

Doze anos depois, minha impressão inicial é que Dilma deseja apostar na mesma estratégia. Fazenda (Joaquim Levy), Planejamento (Nelson Barbosa), Agricultura (Katia Abreu, argh...) e Desenvolvimento (Armando Monteiro) são os presentes entregues ao mercado. O preço que deve ser pago para tentar fazer o país continuar avançando na área social, de acordo com a avaliação da presidenta (e também do ex-presidente, obviamente, que certamente tem forte participação nessas escolhas. Os dois trocaram muitas figurinhas nos últimos dias). Em contrapartida, espera-se um cenário menos instável e/ou sujeito a especulações. Apenas na expectativa do anúncio dos nomes, a bolsa de valores de São Paulo subiu hoje 5,02%, e o dólar registrou queda de 2%, fechando perto de R$ 2,50. Dilma e Lula devem ter comemorado. 

Se meu raciocínio político estiver correto, a presidenta terá reservado novamente a área social para ministros que tenham competência, experiência, habilidade e jogo de cintura para superar os desafios e inaugurar um novo ciclo de políticas públicas e de distribuição de renda. Aqui, Dilma deve fazer acenos evidentes às esquerdas, aos setores progressistas da sociedade. Por fim, os ministérios da chamada cota política (Casa Civil e Relações Institucionais, por exemplo) devem ser destinados a pessoas da mais absoluta confiança da presidenta, com bom trânsito com o Congresso e capazes de fazer da Reforma Política uma prioridade. Não é por acaso que Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, é um curinga que pode aparecer em diferentes pastas dessa natureza. 

Meus poréns e ressalvas: a conjuntura política é hoje gigantescamente diferente daquela vivida no início de 2003. Dilma enfrenta um cenário muito menos amistoso, com muitas turbulências, uma oposição que garante que não vai lhe dar tréguas, a mídia grande atuando de maneira implacável para desestabilizar o governo, além de cretinos ressentidos que, insuflados por discursos de ódio, ocupam as ruas para pedir impeachment e golpe. Lula tinha um capital político (a novidade, a esperança, a mudança) e uma paciência social para esperar que Dilma não terá. Para ela, é aqui e agora. A presidenta está longe também de manifestar a habilidade de negociação encarnada pelo antecessor. Conseguirá mediar os conflitos que vão explodir no interior do governo? Vale lembrar, como bem já ressaltaram intelectuais como o filósofo Vladimir Safatle, que o modelo lulista já deu sinais de esgotamento. Não é mais possível garantir inclusão apenas via ampliação do consumo. Será preciso radicalizar. Dilma vai bancar essa inflexão? 

Por fim, e não menos importante, Dilma conseguiu sair vitoriosa na eleição, depois de um segundo turno duríssimo, exatamente porque os movimentos sociais e populares e as forças progressistas e de esquerda assumiram, inclusive nas ruas, a responsabilidade histórica de reelegê-la, para escapar da tragédia do retrocesso representado pela outra candidatura. Sem tergiversar, para usar uma palavra cara à presidenta: Dilma só foi reeleita porque foi abraçada, na reta final, pelas esquerdas. Como vai agora, ministério sendo montado, dialogar com essas forças políticas? As esquerdas ficarão satisfeitas com esse desenho ministerial? O que o MST e os indígenas, por exemplo, vão dizer de Katia Abreu na Agricultura? Repito - uma lástima. Até porque a ruralista deverá ser protagonista do segundo mandato.

Por ora, Dilma fez agrados ao mercado e aos conservadores do latifúndio. É mais do que momento de acertar as contas políticas com quem deu a cara a tapa durante a campanha e que verdadeiramente representa a base social de apoio do segundo mandato. Alimentada pelo antecessor e guru político, a presidenta parece querer resgatar uma estratégia de governabilidade que pode ter dado certo em outros tempos, mas que, por conta das andanças e mudanças do bonde chamado História, é uma roupa que já não nos serve mais. A hora é de tensionar, marcar posição, não de acomodar. As urnas indicaram o caminho.

domingo, 2 de novembro de 2014

OS ACERTOS DO LULISMO ALIMENTARAM A SERPENTE DO GOLPE

A serpente peçonhenta e golpista que andou rastejando e mostrando seus olhos esbugalhados e dentes afiados ontem na avenida Paulista não quebrou a casca do ovo nem dele escapou empurrada pelos erros e pelos não feitos dos governos Lula-Dilma (que são muitos, muitos mesmo, e devem ser apontados, criticados e combatidos, democraticamente).
A cobra sorrateira encontrou as condições favoráveis de temperatura e pressão para se apresentar publicamente, sem pudores ou constrangimentos, exibindo-se perigosamente, porque foi fortemente impulsionada pelos acertos oferecidos pelos doze anos de administrações petistas no plano federal.
Os avanços garantidos pelo lulismo é que não são tolerados por quem agora sente saudade de tempos horrendos e obscuros. O que a Casa Grande não aceita é uma democracia com presença e cheiro de povo. Morrem de medo do andar de baixo cutucando o andar de cima. Ficam horrorizados quando constatam que espaços até muito recentemente destinados quase que exclusivamente aos filhos das elites foram também justamente ocupados por herdeiros daqueles que consideram uma 'ralé que já não aceita mais seu devido lugar de origem'. O bacana da SUV não se conforma em ter de pedir passagem no trânsito para o 'pobretão do carro popular, comprado por conta de redução de IPI e em suaves prestações'. A madame tem úlceras doloridíssimas quando tromba com sua empregada frequentando a mesma loja, o mesmo salão de beleza, usando o mesmo perfume. É ódio de classe.
O professor Jessé de Souza já escreveu que "é a raiva ancestral de uma sociedade escravocrata, acostumada a um exército de servidores cordatos e humilhados, que explica a tolice dos que compram a ideia absurda de mais mercado no país do mercado já mais injusto e concentrado do mundo. A raiva, no fundo, é contra o fato de muitos desses esquecidos estarem agora competindo pelo espaço antes reservado à classe média, como vimos nos 'rolezinhos', nas reclamações dos aeroportos cheios e na perda da distinção com relação à 'gentinha' não mais tão cordata e humilhada. Sem o ressentimento e o desprezo ao populacho - no fundo, o medo da competição social transformada em agressão -, não há como entender que tanta gente seja manipulada por um discurso hoje tão descolado da realidade como o da virtude do mercado e demonização do Estado". Vale reforçar: para ele, esse sentimento de ódio que se espalha e cria raízes cada vez mais profundas é "o medo da competição social revertido em agressão".
Na esteira desse ressentimento raivoso, e como uma das complexas consequências das manifestações de junho do ano passado, que destravou pautas progressistas tanto quanto escancarou a caixa de Pandora, o filósofo Paulo Arantes aponta o surgimento, no Brasil, de "uma direita não convencional, que não está contemplada pelos esquemas tradicionais da política, interessada apenas em impedir que aconteçam governos".
Esperavam, os endinheirados coléricos, interromper esse processo ainda muito incipiente - não dá para superar 500 anos de exclusões em doze de governo, há muito ainda a avançar e conquistar - no último domingo. Jogaram muitas fichas nessa virada, no retorno triunfal. Como as urnas não lhes foram favoráveis, passaram a apostar fortemente na serpente da instabilidade institucional e do golpe. Pitbulls da mídia, passeata na Paulista, pedidos sórdidos de auditoria em urnas, o silêncio conivente do principal partido de oposição do país, que não tem a dignidade de vir a público para rechaçar com veemência essas aventuras autoritárias (ao contrário, só faz reforçá-las e legitimá-las, para desespero de democratas como Franco Montoro e Mario Covas), vociferações e mimimis em redes sociais...
Para esses iluminados que fazem juras de amor ao Brasil e se enrolam na bandeira verde e amarela (mas que querem mesmo é escapar para Miami, porque lá é tudo mais bacana e moderno) e que berram feito loucos contra uma tal de 'ditadura bolivariana de Cuba' (ao mesmo tempo em que pedem outra ditadura, via golpe militar), vale qualquer negócio ou ação para tirar o PT do poder. Qualquer negócio, insisto. Por consequência, estariam empurrando essa ralé que teve a ousadia de botar as manguinhas de fora de volta para a senzala.
A 'democracia' brasileira voltaria, então, a cheirar bem. Fragrância de patchouli. Com muito orgulho e com muito amor.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

NAMORO POLITICAMENTE PROIBIDO

Pediu licença, deu boa noite a todos. Primeiro jantar com a família da namorada. Estava tenso. Levou flores. Aceitou um copo d'água. Conversaram sobre amenidades. O calor, a brisa fresca, o trânsito, que loucura, cada vez mais caótico, futebol, a rodada do final de semana promete. Sorte de principiante, descobriu que torcia para o mesmo time do pai da moçoila. Agradou. Arrasou. Bastante articulado. Inteligente. Boa impressão. Engraçado. A mãe chamou a filha na cozinha. Precisava de ajuda. Não se conteve. 'Filha, muito simpático esse rapaz! Será que ele não quer ir para Miami com a gente no final do ano? A casa foi reformada, vamos passar o mês todo lá. Convida, vai! Convida!'. Riram baixinho. No jantar, antes que o convite pudesse ser feito, a conversa escorregou na política. Eleições. Segundo turno. Ousou dizer: 'votei na Dilma'. Cinco segundos de um silêncio pesado. Corrupto, safado, sem-vergonha, ladrão, burro, ignorante, mensalão, devolve o dinheiro da Petrobras, vai para Cuba viver com bolsa esmola, petralha! A garota chorava copiosamente. 'Mentiroso, cretino, você não me falou nada. Me enganou!'. Foi expulso da casa. O namoro? Proibido. A garota nunca mais ouviu falar dele.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

AMIGOS, ESTOU PENSANDO EM CASAR DE NOVO

Confesso que andava meio acabrunhado com o facebook. Vontade danada de sumir por uns tempos, fazer hibernar minha conta, acatando conselho de alguns amigos que se arretaram e decidiram se afastar do festival de asneiras que assola a rede. Já não tinha mais Dramin B6 que desse jeito nas náuseas. Estava quase concordando com uma amiga muito querida, que costuma chamar o face de anticristo, por conta das intolerâncias, preconceitos e namoros com a Idade Média que encontramos por aqui. Mas eis que a engenhoca criada pelo geniozinho Zuckerberg me fez sorrir de novo. Acorda, Chico, deixa de ser ranzinza. Quanto pessimismo. Não reclama. Sua vida é bela. Fui obrigado a concordar. Compungido. Tomei um choque de realidade. Depois do que li hoje, nada mais tem importância - o fedor do debate político que anda insuportável, o fato de o Brasil estar sendo varrido por onda conservadora, os tempos cinzentos que se anunciam no horizonte. Tudo bobagem, babaquice e mesquinharia. Fundamental é mesmo prestar irrestrita solidariedade a quem confiou piamente em padrinhos de casamento e foi mortalmente traída. Sabes o que é isso? Terrível! Uma desgraça! Você entrega seu futuro nas mãos de alguém que você considerava pra caramba e... fica a ver navios. Abandonada. Esquecida. Jogada às traças. Como assim? Foi o que aconteceu com uma pobre coitada que resolveu usar o face para fazer um tocante e justíssimo desabafo. Em resumo, a rapariga dizia no texto que postou "estar muito chateada com um casal de padrinhos que não tem noção do quanto custa pra fazer um casamento". O drama: quando fez os convites, a moçoila especificou para cada casal convidado para abençoar o matrimônio quais os presentes que deveriam ser ofertados, definindo ainda prazos para as entregas. Ela precisava montar a casa dela, oras bolas. Como a data estabelecida já tinha estourado, e um presente ainda não havia chegado, ela resolveu conversar com os padrinhos furões. Tudo com muita educação e elegância, claro. Regras de etiqueta. Pois não é que os maledetos e ingratos tiveram a ousadia de dizer que não poderiam mais arcar com o presente combinado, pois tinham investido em equipamentos de um curso para o filho? Quanta audácia. Não satisfeita, a dupla teve a pachorra de dar apenas 500 reais para os afilhados, em espécie, para que pudessem gastar a verba da forma como julgassem melhor. Aí já é demais. Quinhentos mangos? E a noiva é lá senhora de aceitar esmolas? Justo para ela, que detesta e abomina o bolsa família, essa migalha doada a vagabundos. Teve impulso de rasgar o dinheiro, de cuspir nos padrinhos. No face, a rapariga traída escreveu "o que eu faço com 500 reais? Achei uma falta de consideração da parte deles. Se não iam poder dar o presente, por que aceitaram ser padrinhos? Depois, se sabiam que tinham uma responsabilidade como padrinhos, podiam muito bem ter esperado mais um pouco para o curso do filho. Afinal, eu estava contando com isso. Tô muito chateada e com muita vontade de desconvidar o casal, mas ele é o melhor amigo do meu noivo (imagina se fosse inimigo) e acho chato chamar alguém tão em cima da hora". Que situação. Daqui, só posso dizer: minha filha, tens toda a minha incomensurável solidariedade. Tremenda sacanagem. Absurdo. Que raios de padrinhos são esses que não entendem esse negócio chamado casamento? Mais, querida do face: preciso te agradecer, do fundo do coração. Porque você me acordou para a vida, me deu uma ideia genial. Vou pedir de novo a mão da Elisa Marconi em casamento. É, nossa união é apenas civil, vamos agora investir forte no matrimônio religioso. Sagrado sacramento mercantilista. Certamente vamos aprender com os erros tão tristemente relatados pela senhorita. Antes de fazer os convites para os padrinhos, faremos uma reunião solene e exigiremos declarações de imposto de renda, holerites e extratos de movimentações das contas correntes dos últimos três meses. A partir dessa triagem, será estabelecida a divisão dos presentes. Tudo com muita parcimônia. Queremos um apartamento novo, área nobre da cidade, terracinho gourmet, sauna, piscina, quadras, academia e pelo menos quatro vagas na garagem. Óbvio, câmeras de segurança espalhadas pelo condomínio, cercas eletrificadas e homens de preto nas guaritas e nos muros, armados, para reforçar proteção. Uma casa em Orlando, para passar as férias com o Mickey. Viagem de lua de mel para Cancún. Tinha pensado numa SUV, mas diferenciados já me disseram que é meio brega. Melhor exigir uma mercedes. Ah, vá, tudo bem, pode ser uma SUV também. Para variar. Ostentar. Tudo a nossa cara, Elisa! Nada mais de vida miserável! E seremos felizes para a sempre, até que a morte nos separe. Meus amigos, por essas e por outras é que não saio mesmo do face. Não arredo pé. É muita felicidade. Um manancial de ótimas ideias. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

VOU-ME EMBORA PRA REPÚBLICA DO NORDESTE

Meus queridos irmãos nordestinos, lamento muito, peço desculpas, mas a latrina fedorenta foi novamente destampada pelos bandeirantes civilizados aqui do estado que é a locomotiva da nação. E aí vocês já sabem como é, diarreia esclarecida e água barrenta diferenciada para todos os lados. Alto nível, sempre. Não do Cantareira. Das falas nossas de cada eleição. Porque aqui somos todos bem educados, muito informados, graduados, especialistas, doutores. Nada de grotões, dos quais queremos distância. E tome 'bolsa vagabundo, só pensam em ter filhos, ignorantes que não sabem votar, vermes da nação' e outras elegâncias quatrocentonas. Óbvio, já resgataram e vociferam o progressista e ancestral 'é preciso separar São Paulo desse resto do país. Não dá mais para aguentar essa ralé nordestina'. Pois querem saber, meus companheiros aí de cima? Tomem as rédeas do processo e da história e definam a separação. Desenhem as linhas divisórias. Proclamem a independência da República Nordestina. Antes que algum aventureiro o faça. Deixem o Sul maravilha a ver navios. Só peço que me concedam, por gentileza, a cidadania nordestina. Para mim, Elisa Marconi, Luiza e Daniel. Será uma honra imensa pular o muro, atravessar a fronteira e conviver com nossos iguais. Nas dores e nas delícias de sermos o que somos. Humanos. Recebam em terras de vocês essa família que tanto respeita e admira essa região e seu povo. Que prazer. Que alívio. Muito obrigado. De coração.

domingo, 28 de setembro de 2014

GERALDO, DEVOLVA MEU BANHO

Você nem bem começou a entoar, afinadíssimo, aqueles mágicos primeiros versos do clássico do Wando, ‘você é luz, é raio, estrela e luar, manhã de sol...’, e lá vêm aquelas pancadas nada delicadas e que te fazem pular de susto, ‘pow, pow, pow’ na porta do banheiro. O grito de alerta que chega lá de fora lembra a tragédia anunciada. ‘Ei, vai logo, não demora, sem enrolação. Vai acabar a água do Cantareira’. Fato consumado: Geraldo Alckmin alcançou a proeza de colocar ponto final num dos mais humanos prazeres que já fomos capazes de inventar. Nada mais de um bom, reconfortante e demorado banho. Nem pensar em cantar no chuveiro. A ordem agora é ser breve. Brevíssimo. Bravíssimo, Geraldo. Entra, molha, ensaboa, enxagua e sai. Para ajudar a preservar o tantinho que ainda resta de um reservatório moribundo, agonizante, em seus últimos suspiros. Estamos chegando ao volume de cadáver em composição. Porque o morto já foi novamente assassinado. Duplo homicídio. Gerenciamento exemplar, planejamento de dar inveja. Privatiza a empresa que cuida da água, vende ações nos Estados Unidos. Prática de primeiro mundo. Arrebenta. Esgota. Esgoto. Tudo o que for possível. Sem dó. É ano de eleição. Não pára, não pára, não pára. Racionamento? Não, que bobagem. Só contingenciamento, para não acabar com a reserva técnica. Os tucanos adoram eufemismos. Especialistas alertam para resíduos, elementos químicos, tratamento não adequado. Estado de atenção. Doenças. O governador garante que não há perigo. Faz pose para fotos em tempo de campanha. Jura que bebe água da torneira. Selo de qualidade alquimista. Estamos trabalhando. Qualquer dia desses, aliás, no meio de um debate ou da propaganda eleitoral, cuidado, Geraldinho Boa Pessoa vai ter uma distensão buco-maxílica. Sério. Fico preocupado. Porque ele movimenta todos os músculos da face - e mais alguns outros - para dizer sempre que 'esss-ta-mos trrra-ba-llhhan-do peee-lass peeess-ssso-ass'. Impressionante. Fico aqui na frente do espelho ainda embaçado, depois de mais um banho relâmpago, tentando imitar, reproduzir. Não consigo. Deu câimbra. Socorro, acudam, preciso de massagem facial! E de um bom banho. Daqueles de deixar a água cair sem dó enquanto se pensa na vida, sem compromisso, quentinho, fumaça tomando conta do banheiro, sem vontade alguma de sair do box. Frio danado do lado de fora. Seis da matina. Numa cidade bipolar climática como São Paulo, dez de temperatura pela manhã e trinta no final da tarde, tenho saudade também de uma ducha gelada antes de dormir, daquelas de refrescar todos os ossos e músculos do corpo. Sem chances. Agora é só tcheco, tcheco, imita o gato, bacia e canequinha. Rapidinho. Mais grave, dom Geraldo de Pinda conseguiu por tabela estragar um de meus mais produtivos momentos intelectuais. É duro. A falta de água atinge diretamente instantes mágicos de minha criatividade. Sério, já perdi a conta de quantos lides (abres de matérias, no jargão jornalístico) escrevi enquanto tomava banho. Lembro de uma reportagem sobre estudos a respeito de atraso na percepção de objetos que não havia jeito de desencalacrar. Conceitos de Física, modelos matemáticos, circuitos neuronais, córtex cerebral. Um inferno. Anda de lá, anda de cá, revisa anotações, rabisca. Nada. Deixei quieto. Fui tomar banho. Relaxa. Desliga. Eureka! Os parágrafos começaram a aparecer, um a um, bonitos, encorpados, coerentes. No compasso da água que batia no chão. Com o chuveiro funcionando a todo vapor, sem olhar para o relógio, encontro maneiras mais didáticas de explicar um problema de Matemática para a filha, faço as contas dos pontos que faltam para escapar do rebaixamento (que fase, Santos), monto questões de provas de várias disciplinas, organizo o orçamento do mês. Dá até para pensar com cuidado no que responder para aquele sujeito mala que você sabe que, bem cheirosinho, vai ter que encontrar logo em seguida numa festa e que faz sempre questão de dizer em alto e bom som que bolsa-família é coisa de vagabundo e que casamento entre homossexuais é inadmissível, negócio de gente doente. Claro, ele elogia o Geraldo, que considera excelente administrador. Não fosse o governador, jura, a água já teria acabado. Competência acima de qualquer suspeita. Vão vendo. Se estamos assim em setembro, imaginem na Copa, quer dizer, perdão, imaginem no verão. Dezembro de fritar ovo no asfalto. Aquele calor insuportável, reuniões e relatórios em salas fechadas e sem ar condicionado durante todo o dia, corpo grudento e melado. No final do expediente, a vontade inenarrável de ligar o chuveiro e esquecer que existe amanhã. Opa, alto lá, pode parar por aí, só pode banho bem rápido. Manda ver no estilo francês. Perfuminho no cangote. Bota a sovaqueira para arejar. Desodorante 48 horas. E taca-lhe pau. Porque o nível do Cantareira é o mais baixo da história. Quanto mais cai, mais sobem as intenções de voto no governador do volume morto. Reeleição à vista. Em primeiro turno. Ele nada de braçada em águas calmas e cristalinas. A gente fica com a crise de água no colo. Mais quatro anos alquimistas. Cantareira seco, tropa de choque e balas de borracha, estupendos setenta quilômetros de metrô, escândalo do trensalão, professores mal pagos, saúde sucateada, movimentos sociais criminalizados, especulação imobiliária, reintegrações de posse violentas. Sem direito sequer a um banho que se preze, banho de verdade. Mais quatro anos de Tucanistão. Putz, preciso tirar o moleque do chuveiro. Quase cinco minutos. Pow, pow, pow. ‘Chega de cantoria, filho. Sai já daí. Olha o nível do Cantareira. Vai acabar.'

domingo, 14 de setembro de 2014

FUTEPINHA

Daniel passou três dias num acampamento com a escola, perto de Campos do Jordão. Na véspera, era só alegria e empolgação. Folgado que só ele, ajudou até a arrumar a mala, preocupadíssimo em levar as trocentas camisas de times de futebol. O resto era absolutamente supérfluo, desnecessário. Fizemos, claro, e várias vezes, todas aquelas recomendações chatas e cansativas que todos os pais fazem, desde os tempos das cavernas - agasalhe-se, coma direitinho, não esqueça das frutas, cuidado com as brincadeiras em piscinas e lagos, nada de empurrar amigos ou de pular no raso, terminando com o efusivo 'divirta-se, aproveite muito'. E aquele aperto no coração quando o ônibus partiu, a garotada pulando, batucando e acenando. Tempo curto, só 60 horas sem o moleque por perto, mas bateu saudade danada, que tentava resolver procurando fotos das aventuras no site do acampamento. Encontramos bem poucas - uma no lanche, outra numa brincadeira com corda e algumas em que o maluco aparecia com lama do dedinho do pé até a raiz do último fio de cabelo, depois de atravessar a famosa e temida Trilha do Barroso. E só. Ainda comentei em casa - acho que o Dani foge do fotógrafo. Quando ele chegou, Elisa Marconi não perdeu tempo em aplicar a também tradicional sabatina de checagem.
- Filho, você não foi na piscina?
- Fui, mãe, mas só uma vez.
- Por quê?
- Estava jogando bola.
- E na tirolesa?
- Preferi ficar jogando bola.
- Teve charrete também, né?
- Teve. Mas eu estava jogando bola.
- Poxa, mas você passou três dias jogando bola?
- É... Quase. Porque teve uma hora que os monitores tiraram a bola da gente.
- Ah...
- Mas aí a gente jogou futepinha!
- Como?
- É futebol com a pinha, aquela fruta!
E ninguém teve ideia de tirar foto do sensacional clássico de futepinha.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

CAMINHANDO COM AS PRÓPRIAS PERNAS

A mensagem pipocou e iluminou a tela do celular no final da manhã. “Posso ir a pé e sozinha para a aula de agora à tarde?”. Truco. E não tenho cartas na mão. Fui pego de surpresa. Primeira vez. Vá lá, já zanzou sozinha aqui pelas redondezas, mas foram sempre distâncias curtinhas, saídas breves. Treinos. Seria a primeira aventura pedestre tão ousada. Será? “É muito longe, filha”, respondi. Sem convicção. Bobagem. Só para ganhar tempo. Sabia que ela insistiria no assunto. Conheço a fera. Só estava cobrando a fatura daquilo que estamos conversando nos últimos tempos – autonomia, independência, confiança. Cresceu. É mocinha. Desafios novos. Estaremos sempre, sempre por perto. Mas tem um novo mundo aí para você. Vá lá, desbravá-lo. Bonita fala. Mas agora é para valer. Truco. Nem bem tinha entrado em casa para o almoço, volta das aulas da manhã, bateu de novo na tecla. “Viu minha mensagem? Quero ir sozinha agora à tarde. Posso?”. Saída estratégica leão da montanha pela esquerda, ainda acusando o cruzado de direita no queixo, saí do corner, quando o árbitro já ameaçava abrir contagem para o nocaute, e ofereci solução intermediária. “Daqui até lá não dá, é uma boa pernada, como escrevi. Mas te deixo ali perto, naquela esquina onde normalmente a gente pára. Dali, você segue sozinha. E eu vou para a universidade”. Topou sem piscar os olhos. Com sorriso de conquista no rosto. Que se cumpra o combinado. Guardou o celular? Fechou a bolsa? Anda sempre com ela na frente do corpo, tá?. Atenção aos sinais, certo? Espere o verde de pedestres. Atravesse sempre na faixa. Linha reta. Sempre atenta. Cuidado. Ela logo percebeu que a lista seria infinita. Talvez fosse uma última tentativa de adiar aquele momento. Vai que ela desiste. Nada. Pode deixar, pai. Fique sossegado. Confie em mim. Ainda teve tempo de me fazer delicioso carinho no ego. Que aula você dá hoje, pai? Pois você vai ter de esperar eu passar na faculdade. Porque quero ter aulas de Teoria Literária com você. Agora sim, nocaute. E ainda ganhei um beijo! Nocaute duplo, implacável. Bateu a porta do carro. Lá foi ela, lindíssima, botas novas, boina na cabeça, cachos esvoaçantes. Ainda a vi caminhar por uns cem metros, mirando o espelho retrovisor. Até sumir do meu ângulo de visão. Respirei. Acelerei. Liguei o rádio, como sempre faço, para ouvir notícias. Zero de atenção. Não sou capaz de lembrar de qualquer fala da âncora, dos repórteres. Só fazia olhar para o relógio do celular. Contava os minutos e tentava imaginar onde ela estaria. Atravessando a avenida. Descendo o ladeirão, agora. Isso, virando na curvinha. Cinco minutos. Cheguei a discar para o celular dela. Cancelei. Caramba, já deu tempo. Parei num farol. Dez minutos. Pintou mensagem no zapzap! Ufa... Pai, cheguei bem. Engatei a primeira marcha, aliviado. Orgulhoso. Ri de mim mesmo. Foi só a estreia.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ENTREVISTA RÁDIO GLOBO - 'MEMÓRIAS DE UMA COPA NO BRASIL"



São quase vinte minutos de uma animada conversa futebolística/copística com a Juliana Cabral e o Rafael Esgrillis, da rádio Globo AM. Foi na noite de quinta-feira, 24 de julho. Muito divertido. Espero que se divirtam também. 

terça-feira, 29 de julho de 2014

PROCURA-SE BAKUNIN. PAGA-SE BEM

Era difícil se movimentar na sala discreta, acanhada e inundada por parafernália de fios coloridos pendurados em todos os cantos. Fumavam freneticamente. Era automático, em sequência, nem pensavam - acendiam um novo cigarro na bituca do outro, antes de finalmente apagá-la no pires de café que fazia as vezes de cinzeiro. Os olhos lacrimejavam. Pouco se importavam. Durante o dia, tinham matado meia dúzia de barras de chocolate. As embalagens vermelhas e melecadas ainda estavam rasgadas e jogadas no chão. Agora, mandavam ver em sanduíches do McDonald's. Dois Big Macs e dois Quarteirões. Batatas fritas. P1 limpou com o dorso da mão o filete de queijo cremoso que ficou preso no bigode. Virou de uma vez só um golaço de coca-cola, copo grande. Light. Soltou um arroto, falando quase o abecedário inteiro. P2 caiu na gargalhada. Maluco, pegamos aqueles terroristas de surpresa. Que maravilha. Os elementos nem tiveram tempo de se evadir, meu chapa. QAP. Certo, copiei. QSL. Valeu. TKS. Perdão, foi esse maldito rádio. Como estava dizendo, a operação foi nota dez. Tudo na maciota. Sigilo total. E a carinha daquele babaca daquele filhinho de papai que estava com a lata de vinagre escondida na mochila? Molotov puro. A namoradinha estava limpa. Mas o Vagnão foi mais esperto, rato velho, soltou um panfleto subversivo na bolsa da malandra. Foi enquadrada junto. Cretina. E agora fica esse povinho dos direitos humanos falando em prisões ilegais, fazendo campanha sem vergonha pela libertação desses terroristas. Porra, os caras são meliantes, sujeitos de alta periculosidade, ameaçam quebrar tudo, falam em revolução, pregam contra o tal de sistema. Formam quadrilha. Planejam atentados. E querem ficar soltos? Tem de prender preventivamente mesmo. Antes que a porcaria da merda aconteça. Se ainda não fizeram, vão aprontar. Pode ter certeza, meu irmão. Às favas com os escrúpulos de consciência. Ouvi isso outro dia, do chefe. Ele contou que é da época da ditadura. Outros tempos. Hoje a coisa é bem diferente. Só estou encafifado porque ainda falta o cabeça. É, o cabeça, maluco. O chefão. O que apita. O que manda. P2 fez sinal com as mãos, agitado. Rápido, para de falar e ouve. Ouve! Estão se falando! Vai, vai, vai! Sentaram imediatamente. P1 quase se estatelou no chão. Foi salvo pela pontinha da cadeira. O ossinho da bunda doía. Fones de ouvido a postos. Garranchos começaram a aparecer nas folhas de papel estrategicamente colocadas ao lado dos aparelhos de gravação. A ligação foi rápida, pouco mais de um minuto. Olharam-se. Quase ao mesmo tempo, arrancaram os fones, atirados longe, e saíram correndo. P1 empurrava P2, que atropelava P1, que tentava ganhar a frente de P2, que quase conseguiu passar um rodo em P1. Entre ombradas e pernadas, chegaram juntos à sala do delegado. Chefe, chefe, conseguimos, não falta mais nada. Quadrilha completa. Missão cumprida. Temos o nome do chefão da quadrilha! É, a ligação estava meio ruim, uns chiados. Mas deu para ouvir os dois subversivos grampeados falando em destruir o sistema, em anarquismo coletivista, em acabar com as classes. E citaram com todas as letras o sujeito que está inspirando esses atos terroristas todos. É o manda-chuva, vai na nossa, só pode ser. Chama-se Bacurin. Não, peraí, está aqui anotado. É Bakunin! Isso, Bakunin! Tenho certeza. Anotei direitinho, não tem erro. Ba-Ku-Nin. Veja aqui. Deve ser gringo. E precisamos ser rápidos, senhor, os tontinhos estavam saindo de casa para um seminário com ele. Sim, certeza, textos xerocados e tudo. Encadernados. Material explosivo. Onde? Na universidade. Federal. Se a gente acelerar, pegamos todos juntinhos, de uma tacada só. Perfeitamente, vou pedir os mandados de prisão e preparar a equipe. Preciso dos outros dados do tal Bakunin, Procura lá nos registros, P2, RG, CPF, filiação, endereço. Rápido e rasteiro. Chegou seu dia, Bakunin. Nos aguarde! E lá se foram os dois pelos corredores da delega, punhos e dentes cerrados, sem conseguir esconder a felicidade da conquista.

domingo, 13 de julho de 2014

13 DE JULHO - CAPÍTULO FINAL. DECIME QUE SE SIENTE AHORA...

Quando o árbitro apitou o fim do jogo, Alejandro Sabella, técnico da Argentina, olhou para Joachim Löw, treinador da Alemanha, e deixou escapar um sonoro "que meleca!". Tensão para mais de cem minutos. Schürrle arranca pela esquerda. Rente à linha lateral. Deixa o marcador argentino para trás. Eu levanto da cadeira. O atacante alemão olha para o meio da área. Percebe a jogada. Cruza. Götze mata no peito estufado. A bola vai caindo mansinha. Já estou quase dentro da televisão. O camisa 19 bate com a perna esquerda esticada. Chute cruzado, colocado, maroto, canto esquerdo do goleiro. Puffff. Fim da invencibilidade do arqueiro Romero. Oito minutos do segundo tempo da prorrogação. A maioria da torcida explode no Maracanã. Angela Merkel aplaude nas tribunas do estádio. Os índios pataxós comemoram em Santa Cruz de Cabrália. Berlim e Munique pulam e começam a festa. Eu grito pela janela da casa dos meus pais. Alemanha campeã do mundo. Tetracampeã. Teve até dança indígena e pajelança no círculo central do templo do futebol mundial. Merecido. Quando a presidenta Dilma entregou a taça, vi de relance, bem rapidinho, atrás do ombro dela, o presidente do conselho dos deuses do futebol. Estava feliz. Fez sinal de positivo. Justiça divina. Desapareceu sem deixar rastros. Torci. Não escondi. Sem ódios. Sem desprezar infinitas afinidades e canções latino-americanas. Adoro e respeito profundamente a Argentina. O povo argentino. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, não obstante... Que me desculpem os hermanos, como já escrevi por aqui, mas torcer na final pela Alemanha era fundamental. Rivalidades futebolísticas que movem boleiros. A Argentina foi guerreira, taticamente quase perfeita. Defesa muito bem montada, fechando espaços, ocupando o meio. Viu como funciona, Felipão? Jogaram por uma bola. Um lampejo de genialidade de Messi, quem sabe. Tiveram chances. Três - com o camisa 10, com Higuaín e com Agüero. Desperdiçaram. Paciência. Venceu o melhor. Levou a taça quem esteve se preparando para essa Copa pelo menos desde 2002. Projeto de longo prazo. Oxigênio renovado de cabeças e mentalidades. Estilo de jogo. Treinamento. Pararam em duas semifinais nos últimos dois Mundiais. Beliscaram o terceiro lugar em ambos. Estava na hora. Um brinde ao futebol da Seleção da Alemanha, capaz de resgatar a arte do toque de bola para combiná-la com a eficiência de um esquema tático moderno. Os germânicos atuaram embalados pelas defesas de Neuer, o melhor goleiro do planeta bola. A versatilidade de Lahm. A exuberância técnica de Boateng - que partida fez esse príncipe negro hoje. Schweinsteiger foi boleiro incansável, presente em todos os cantos do campo. Kröos é um senhor maestro, a reger a orquestra. Na frente, Klose e Müller têm faro de gol. E Götze foi iluminado. Como é só futebol, tudo é brincadeira, tenho certeza que os argentinos, mesmo amuados, vão levar na boa. Até porque entoaram a canção nas arquibancadas de todos os estádios por onde passaram. Aprendemos. Reinventamos. Sei lá, não me sai da cabeça essa nova versão. Ando pela sala de casa a cantá-la. Argentina, me diz como se sente. Ver de longe cinco estrelas a brilhar. Te juro, ainda que os anos passem. Você nunca vai me alcançar. Cinco Copas, só eu tenho. E sem trapacear. Mi 'papá' não se dopou para jogar. Uma coisa mais te digo. Pra nunca mais esquecer. O Pelé tem mais Copas que você! Tudo na paz. Só sarro. Na boa. Lamento. Aqui, não. Mais quatro anos na fila. Pelo menos. Pai, todas as seleções sul-americanas jogaram no Maracanã. Menos o Brasil. Sábio Daniel. Pois é. Felipão insiste em ser personagem de realidade paralela. Saga trágica e cômica. A gente chora e ri. De raiva. Usa a piada para processar a dor. É deprimente ver o treinador num tal vídeo que teria sido vazado por sabe-se lá quem. As imagens mostram o técnico da Seleção mais uma vez insistindo na ladainha do fizemos nosso papel e vivemos seis minutos de pane. Armação pura. Felipão gosta bem delas. Aposta nelas. A CBF é também mestra nessas arapucas. Tudo de caso pensado. Showzinho estapafúrdio. Recusamos o papel de bobos da corte. Na coletiva de ontem, após a derrota para a Holanda, o treinador escorregou perigosamente no exercício do mau-caratismo. A empáfia e a arrogância atingiram níveis insuportáveis. Recusa-se terminantemente a assumir os erros. Hora de pedir o boné. Reconheço virtudes do Felipão. Mas parou no tempo. Só para lembrar: jabuti não sabe subir na árvore. Quando chega ao topo, é porque alguém o colocou lá. Estrutura. Tem algo maior, chamado Confederação Brasileira de Futebol, entidade autoritária e intocável. É mais do que tempo de defenestrar essa corja. Não é por seis minutos. É por dignidade. História. É preciso condenar também com veemência o que aconteceu hoje no Rio de Janeiro, fora do estádio. Não há democracia com prisões arbitrárias. Não há democracia que possa conviver com proibição de manifestações e protestos. Basta. Basta. Não tem mais relato? Acabou? Sério? Foi maravilhoso enquanto durou. Vou sentir saudade. Nasceu como quem nada queria. Prosperou, abraçado pela generosidade dos amigos leitores. A minha Copa do Mundo. Singular. Sonho de criança. Vivido intensamente, muito de perto, espaços variados. Personagens múltiplos. A nossa Copa do Mundo. Foram trinta e cinco textos. São falas de um torcedor. Nada de especialista. Nem tenho cacife para tanto. Naveguei nos mares de fortes emoções. Fotografei, com palavras, momentos inesquecíveis. Como dizia Nelson Rodrigues, sem paixão não se chupa nem um chicabon. Há erros e acertos. Para todos os lados. Contradições? Muitas. Lá e cá, aqui e acolá. Sempre. Que bom. Somos todos humanos. O mais bacana foi ter a companhia de vocês. A gente se vê na Rússia, em 2018.      

sábado, 12 de julho de 2014

12 DE JULHO - FELIPÃOZINHO VERMELHO, UM CONTO DE FADAS

Os jogadores tinham acabado de almoçar na Granja Comary. Estavam trancados em seus quartos, isolados, descansando. Extenuados. Rotina estafante. Muitos treinos. Felipão saiu da mesa no restaurante disposto a dar uma volta pela concentração. Preciso espairecer, arejar a cabeça, anunciou. Tempo nublado, frio, garoa. O técnico da Seleção se agasalhou e vestiu uma capa vermelha, com chapéu. Bem vistosa, cor viva. A marca do patrocinador estampada no peito. Vou dar um passeio no bosque. Pela estrada afora, quero ir bem sozinho. O conselheiro Parreira, fazendo as vezes de uma mãe cuidadosa, sempre a postos para ajudar, preparou imediatamente uma pequena cesta com comes e bebes. Doces, salgados e sucos. Na tampa, a marca de outro patrocinador. Leve, meu amigo. Você mal tocou na comida. Deixou o prato quase cheio. Pode ser que sinta fome no meio do caminho.Vai te fazer bem. O fiel escudeiro deixou ainda um alerta: Felipão, cuidado, prefira a trilha que fica à esquerda dos campos de treinamento. Não vá pelo caminho do rio. Passe longe dali. É perigoso. Recebi um relatório ultra secreto e muito detalhado, feito pelo Gallo e pelo Roque Junior, que revela que há muitos jornalistas que fazem perguntas indiscretas acampados ali. São abutres esperando as presas. São lobos maus em pele de carneirinho. São comunistas que comem criancinhas, mulheres grávidas batidas no liquidificador e técnicos de futebol como sobremesa. Fique bem atento, meu amigo. Se proteja. À tardinha, ao sol poente, mais leve e bem contente, esteja de volta. O gaúcho de bigode não fez questão de esconder a contrariedade. Saiu bufando, batendo os pés. Esses caras acham que não sei o que é melhor? O que é adequado? Eu decido. Vou caminhar por onde eu quiser. Quem manda aqui sou eu. Aos diabos com esses relatórios. Estou farto deles. Escolho o Bernard. A escalação é minha. A responsabilidade é minha. Foi só uma pane. Foi repetindo várias vezes as mesmas falas. Parecia tentar se convencer do que dizia. Guerra de narrativas. Puxou um pouco mais o capuz vermelho, para proteger o rosto dos pingos gelados. Não fez questão de desviar das poças. O chão de terra estava escorregadio, muitos galhos de árvore caídos. Levou sete tombos. Nada sério. Só acidentes de percurso. Apagão. Ligeiro. Equilibrou-se. O horizonte estava cinzento. Triste. Amuado. Felipão desobedeceu Parreira. Foi margeando o rio, atirando pedrinhas na água, observando os círculos que elas provocavam. Passou uma hora naquela brincadeira. Já cansado, pernas doendo, não se incomodou de sentar no barro, próximo da margem. Sentiu pontada no estômago. Fome. Mandou ver num sanduíche de queijo e presunto. Suco de acerola com abacaxi. Fez cara feia. Não tinha de laranja? Olhar parado, sem expressão, mirava o infinito. Não mexia um músculo do rosto. O silêncio foi bruscamente interrompido por burburinho que vinha do outro lado da cerca, na cabeceira do rio. Felipão, Felipão, vem cá, chega mais aqui, por favor. Eram os jornalistas. O técnico da Seleção olhou para eles. Tinham orelhas, olhos e narizes enormes. Mãos peludas. Garras. Rabos compridos. Caninos afiadíssimos. Babavam. Levou uns sete segundos pensando. Concluiu: o Parreira não manda em mim. Lá vou eu. Levantou-se e aproximou-se da cerca. Eram sete repórteres, mais precisamente. Por um instante, Felipão teve a impressão de que vestiam camisas rubro-negras. Chacoalhou a cabeça. Estava tendo alucinações. A primeira pergunta foi um direto no estômago dele. Sentiu-se engolido. Felipão, por que você escalou o Bernard? A responsabilidade é minha. Eu escalei o time. Não podia abrir antes para vocês. Felipão, vocês já conversaram sobre a derrota? Eu assumo, foi uma tragédia. Não vou esquecer. Foi um apagão. Uma pane. Nada deu certo. Foi uma pane. Acontece. A responsabilidade é minha. Felipão, a rotina de treinos foi adequada? O trabalho foi bem feito. Planejamento nota dez. Não posso achar que é o fim do mundo só por uma derrota. Foi uma pane. Acontece. Mas quatro gols em seis minutos, Felipão? Veja, nos dez primeiros minutos do segundo tempo, tivemos quatro chances. Não marcamos. Já pensaram se a gente tivesse feito os quatro? Virava outro jogo. É coisa de maluco. Nem em dez mil anos... Mas e o Bernard, Felipão? Por quê? Ele já sabia o que fazer. Tinha sido orientado. A escolha foi minha. Eu assumo a responsabilidade. Não deu certo. Só isso. Foi uma pane, um apagão. Acontece. Acontece. Felipão! Felipão! Não eram os jornalistas-lobos maus. O técnico da Seleção virou-se para o lado oposto. Lá vinha a mamãe Parreira, descendo a ladeira. Estava acompanhado pelo caçador Murtosa, que chegou mudo e saiu calado. Meu amigo, que teimosia. Eu avisei. Não deveria ter vindo aqui. Ainda bem que o Gallo e o Roque Junior me avisaram. Esses caras são insuportáveis. Estão satisfeitos? Pois vão ficar contentes em saber que tenho aqui mais um e-mail da Dona Lúcia. Acabei de receber. Ela reforça a confiança no nosso trabalho, diz que viveu alguns dos dias mais felizes da vida dela e deseja muita sorte na disputa do terceiro lugar contra a Holanda. Agradece ainda a leitura da primeira carta, na coletiva. Diz que se sentiu honrada. Lisonjeada. E vocês, abutres da imprensa, podem ficar sossegados. O trabalho para 2018 já começou. Está sendo perfeito. Nenhum deslize. Nada. Somos favoritos. Já estamos com a mão na taça. O hexa é nosso. Agora venha, meu amigo. Vamos voltar. Já está quase na hora do treino, que hoje vai ser duro, longo. Terá sete minutos. De volta à concentração, sempre protegido por Parreira, Felipão foi avaliado pela equipe médica. Sete doutores. Sentia náuseas, dor de cabeça, leve tremedeira. Recomendaram afastamento de todas as atividades. Repouso absoluto. O gaúcho de bigode está emocionalmente abalado, aparvalhado. Babeta. Não fala coisa com coisa. Construiu realidade paralela. Vive um conto de fadas. Você sabia, doutor? Foi só um apagão, só uma pane, repetia, à exaustão, olhando assustado para os médicos. Sem tirar a capa vermelha com chapéu. É sério. Ele precisa se cuidar. Descansar. Desejo pronta recuperação. Torço para que esse afastamento de qualquer trabalho relacionado à Seleção dure pelo menos mais uns doze anos. Teimoso, o gaúcho de bigode decidiu ainda comandar o time na disputa do terceiro lugar contra a Holanda. Ninguém manda em mim. Estou bem. Eu decido. Eu escalo. Cá entre nós, é certamente a partida mais sem graça da Copa. Vale nada. É como aquele relatório anual de prestação de contas da firma que você faz, com urgência, por ordem do chefe, powerpoint bonito, já sabendo que é apenas medida burocrática, só para executivo ver. O texto vai mesmo é parar no arquivo morto - ou numa lata de lixo. Em campo, a Seleção que protagonizou o maior vexame do futebol mundial nos últimos tempos contra a eterna promessa de "agora vai, chegou a nossa vez" das Copas. Em 2014, a Holanda jogou como nunca - e ficou de fora, como sempre. Impressionante. Enviei ofício consultivo aos deuses do Himalaia, para confirmar se há algum decreto ou medida provisória divina que impeça terminantemente a equipe laranja de ser campeã do mundo. Aproveitei e perguntei por que o Vasco é sempre vice. Ainda não me responderam. Estão reclusos, recolhidos. Em silêncio. Desde o e-mail que mandaram ao Felipão, depois do Minerazo, não deram mais sinal de vida. Ali, já avisavam: "beijo e não liga". Hoje, aqui em casa, nem os tradicionais rituais futebolísticos marcaram presença. Teve cerveja. Sem tensão. Luiza foi ao cinema com a amiga. Daniel mandou um 'nem estou nervoso'. Resmungou. Chorou, inconformado, logo no começo. Depois foi brincar no celular. Felipão resolveu ocupar o meio de campo. Agora, cara pálida? É o chamado 'futebol Rubinho'. Sempre atrasado. Gol da Holanda aos dois. Gol da Holanda aos dezesseis. Não são só seis minutos. O desespero continua. Pesadelo sem fim. Amontoado de jogadores aparvalhados em campo. Na beira do gramado, Felipão não perde a pose. Vamos, vamos. É só uma pane. O trabalho é bom. Não podemos esquecer que o trabalho é bom. A defesa brasileira mais vazada da história das Copas. A torcida de balada no Mané nem se importa. Está feliz. Fazem ola. Dão gritinhos. Tiram self. Com muito orgulho. Com muito amor.  Pois eu já estava comemorando a invencibilidade da zaga brasileira no segundo tempo! No finalzinho, veio o terceiro. Apagão mais demorado esse. Já comecei a ver na televisão chamadas para o retorno do Brasileirão. O Santos enfrenta o Palmeiras na próxima quinta-feira. Aranha, Victor Ferraz, David Braz, Bruno Uvini e Mena; Arouca, Souza e Lucas Lima; Geuvânio, Gabriel e Rildo. Sei não. Estou achando até bom. Opa, ideia melhor ainda: vou ler Chapeuzinho Vermelho com o Daniel. Pela estrada afora, eu vou bem sozinho. Foi só uma pane. O trabalho é bom. Somos os melhores. Já peguei o livro da menininha que vai visitar a vovozinha. O mundo dos contos de fadas é bem mais gostoso. Delicioso. Fantasias. Ilusões. Dá tudo certo no final, sempre feliz. Né não, Felipão?      


Em tempo - o texto foi postado antes da coletiva pós-quarto lugar. O conto de fadas assumiu ares de cinismo. Mau-caratismo. 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

11 DE JULHO - MARIN, DEL NERO E CIA - PEÇAM PARA SAIR!

São Paulo, 11 de julho de 2014

À Confederação Brasileira de Futebol,
A/C Sr. José Maria Marin

Prezados,

não tenho procuração de quem quer que seja para escrever. Tampouco pretendo colocar à mesa planos infalíveis do Cebolinha, capazes de convidar o Cascão para dar nó nas orelhas do coelhinho da Mônica ou de enfrentar o pesadelo futebolístico em que vossa senhoria e sua turma nos mergulharam. Acho, no entanto, que expresso de alguma maneira os sentimentos de boa parte dos torcedores brasileiros. Mistura de perplexidade com raiva. Talvez os senhores ainda não tenham tomado pé do tamanho e da gravidade do que aconteceu no Mineirão, na tarde da última terça-feira. Até entendo. Não é para mim, não é do meu perfil (nem para a minha modesta conta bancária), não é do meu gosto, mas deve ser bacana mesmo viver em salões suntuosos, comendo e bebendo do bom e do melhor, em reuniões com executivos e patrocinadores graúdos, sobrenomes que abrem várias portas, em viagens ao exterior, andando de lá para cá em iates luxuosos, jatinhos particulares ou em helicópteros de aliados, participando de negociações que envolvem contratos polpudos. Minha modesta percepção, no entanto, sugere que esse estilo de vida e de administração deve em algum momento ter feito com que perdessem qualquer conexão com a realidade mundana, cotidiana. Fincaram raízes num mundo paralelo, onde tudo é lindo e maravilhoso, mar de bolas rosas, sem conflitos ou dificuldades. Nesse planeta virtual de vocês, o Brasil continua a ser o país do futebol, temos os melhores jogadores e técnicos do planeta, toda a preparação foi muito bem feita, obrigado, e podem todos ficar sossegados, porque já estamos com as duas mãos na taça da Copa de 2018. Somos favoritaços para trazer o próximo caneco! Preparem-se, o hexa vem aí. Já encomendaram até algumas novas versões de "mostra sua força, Brasil e amarra o amor na chuteira", para embalar a cantoria da torcida na Rússia. Sem abandonar, claro, o delicioso "com muito orgulho, com muito amor". Não esqueçam de dizer para esse pessoal já encomendar os ingressos com um tal de Raymond Whelan. Faz preço camarada, entrega em casa. Sigilo absoluto. Se apertar, ele foge. Oportunidade única. Por falar em único, talvez os deuses do futebol, com quem conversei tanto durante essa Copa no Brasil, estejam nos oferecendo a derradeira chance de mudar esse estado das coisas. Último bonde apitando na estação. Desçam imediatamente desse pedestal que os faz intocáveis, meus senhores. Está carcomido, desgastado, caindo de tão podre. Não se sustenta mais. Himalaia é só para as divindades mesmo. Engulam por gentileza essa conversinha mole do "foram só seis minutos de apagão". Não nos tratem como imbecis. A crise de energia do futebol brasileiro é antiquíssima. Não começou com o esgotamento das águas do sistema Cantareira. Não entenderam? O Geraldo pode explicar com mais detalhes. Já está no volume morto. Mas tem desconto para quem gastar menos água. Bonito. Nos gramados, essa crise tem outro nome. Chama-se futebol de improvisos. Muito prazer. Podem chamar também de Futebol Ostentação - não porque desfila dribles e golaços em campo, mas porque se preocupa muito mais com marketing e receitas publicitárias. A força da grana que ergue e destrói coisas belas. Aparências e imagens. Simulacros. Discursos vazios. Slogans e logotipos. Marcas. Como perguntar não ofende, vamos lá: quantos patrocinadores tem mesmo a CBF? Quanto arrecada por ano? Quantos são os compromissos contratuais espetaculares que precisam ser rigorosamente cumpridos? Até quando fornecedores de material esportivo vão continuar definindo nossa agenda de amistosos? Até quando emissoras televisivas vão interromper treinos para garantir mais cinco minutos de fama e holofotes para seus apresentadores paspalhos e seus caldeirões de imbecilidades? Até quando jornalistas que fazem perguntas que 'incomodam' serão tratados a pão e água? Até quando entrevistas coletivas serão espetáculos circenses? Acho que já deu para entender qual é a raiz mais profunda da encrenca. Não? Estrutura. E me desculpe, Dona Lúcia, com todo o respeito que lhe devo, sua carta foi mesmo muito elegante, mas não está tudo bem. Perder de sete da Alemanha numa semifinal de Copa do Mundo não é algo natural, normal. É inaceitável. Vocês, senhores gestores (adoro essa palavra!), estão jogando na lata do lixo a linda história do futebol brasileiro. Viramos motivo de chacotas, no mundo todo. Até o Taiti resolveu desafiar a Seleção para uma pelada. Vá lá, para quem só consegue mesmo enxergar cifrões, talvez seja difícil, bem complicado compreender a importância que a Seleção tem para o povo brasileiro (e uso essa expressão de propósito mesmo, com consciência), o papel que a canarinho cumpre como um dos elementos constituintes de nossa identidade cultural. Nunca antes na história desse país. Precisamos de uma reviravolta de métodos, revolução de mentalidades. E essas mudanças, profundas, doloridas, demoradas, difíceis, que serão marcadas por idas e vindas, não passam por vocês, burocratas da Confederação. Ao contrário - queremos que estejam bem longe. Não atrapalhem. Não temos fórmulas prontas. Mas carregamos conosco todos os sonhos do mundo. O Bom Senso Futebol Clube precisa ser ouvido. Seriamente. Que as ideias de Paulo Andre, Alex, Dida e outros boleiros sejam transformadas em iniciativas concretas. Os feitos da Alemanha devem nos servir como inspiração. Não para copiá-los, mas para traduzi-los para a nossa realidade específica. Só um detalhe, não pode passar batido: dos 23 jogadores convocados pelo técnico Joachim Löw, 16 atuam em clubes germânicos. Dos 23 convocados por Felipão, apenas quatro jogam em times brasileiros. Essa é uma das chaves para desatar o nó. Boas propostas não faltam. Precisamos de gente séria para reuni-las e implementá-las. Humildade e serenidade para reconhecer que paramos no tempo. Não são poucas as seleções que assumiram papel de protagonistas, estão na nossa frente, praticam futebol muito mais moderno. A torcida -  aquela das arquibancadas de cimento, não a de balada - vai precisar ter paciência. Apoiar. Estamos falando em algo para daqui uns dez anos. Mas é preciso dar a largada imediatamente. Por tudo isso, senhores Marin, Del Nero e demais dirigentes e membros da cúpula da CBF, nos façam uma enorme gentileza... Sem querer ofender, como diz o Daniel... Respeitosamente... Vazem! Caiam fora! Sumam! Peguem seus bonés (ou cartolas)! Peçam para sair! Levem com vocês o Felipão, o Murtosa, o Parreira, o Mano, o Tite, o Muricy, o Gallo, o Luxemburgo. Não aceitamos mais do mesmo. Vão aproveitar seus mundos nababescos de sonhos. E nos permitam, apaixonados de verdade pelo futebol, reconstruir aquilo que verdadeiramente nos pertence. Obrigado.

Em tempo - se não servir para mais nada, o texto terá ao menos me permitido desabafar. Estava precisando... 

quinta-feira, 10 de julho de 2014

10 DE JULHO - OS ARGENTINOS QUE ME DESCULPEM, MAS TORCER PELA ALEMANHA É FUNDAMENTAL

Adoro Buenos Aires, cidade aconchegante, antiga e moderna, intensa em suas belezas naturais e construções humanas, que sempre me recebeu muito bem quando estive por lá. As livrarias em cada esquina, a imensidão da Nove de Julho, o estádio de La Bombonera, os artistas na rua, o tango, o museu de Carlos Gardel, os parques de Palermo, a pulsante Praça de Maio com seus protestos, manifestações políticas e andanças das avós e mães de desaparecidos políticos, os cafés onde se pode sentar e passar a tarde inteira, apenas para ler um jornal ou um livro, sem ser incomodado. Moraria fácil na capital argentina. A literatura deles contempla esplendor único de letras e de narrativas. Ernesto Sabato, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Ricardo Piglia. Precisa dizer mais? Mercedes Sosa. Gracias a la vida. Volver a los 17. Ernesto Guevara. É admirável, exemplo a ser seguido por outras nações, o esforço da sociedade argentina em não permitir que sejam esquecidas as atrocidades cometidas pela ditadura militar que lá se instalou nos anos 1970. Arquivos foram abertos, torturadores - incluindo o ex-presidente da República Jorge Videla - foram julgados. Condenados à prisão. Sou fã confesso das iniciativas argentinas que pretendem democratizar o acesso à informação e colocar ponto final aos monopólios midiáticos. Adoro a altivez com que negociam com os abutres do mercado financeiro internacional, sem dobrar a espinha. Brasil e Argentina sofreram com a exploração colonial de Portugal e Espanha, respectivamente. São parceiros de Mercosul. Messi é gênio da bola. Foi um privilégio poder vê-lo ao vivo, no Mineirão, contra o Irã. E ser brindado com um golaço dele. Pois então. Dito tudo isso, anuncio em alto e bom som a quem possa interessar que vou torcer na final da Copa do Mundo pela... Alemanha. Sim, isso mesmo, pela Alemanha. Porque, para além de todas as teias apaixonantes que nos conectam aos hermanos (com respeito, sem tom pejorativo), existe algo específico que nos afasta de forma inexorável. Chama-se rivalidade futebolística. É sério. Muito mais forte que eu. Não há quem me convença do contrário. Não se trata de construção nossa. Os argentinos também reconhecem e fazem uso dessa rivalidade. É via de mão dupla. E antes que pedras comecem a ser atiradas, puxa, você entra nessa esparrela, mais serenidade e menos violência, falo aqui de saudável e civilizado sentimento que move adversários (não inimigos) de ludopédio que torcem e defendem cores e bandeiras diferentes. Apenas isso. Nada da cadeiradas, garrafadas, socos, tiros. Essa selvageria fica colocada em outro plano. Longe, bem longe de ufanismos nacionalistas. Não quero saber de preconceitos ou exclusões xenofóbicas. Falo de uma disputa que se resume às quatro linhas. Só. Combinado? Os argentinos ocuparam as ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre, de Brasília... Por onde passaram, cantaram o 'Decime qué se siente. Maradona és mas grande que Pelé'. Pois quero solidariamente continuar respondendo com o 'diz aí como é que é ter somente duas Copas, uma a menos que Pelé'. Eles vão lembrar do Caniggia e do Maradona em 1990. Eu vou mostrar recortes dos jornais de 1982, quando levaram um passeio do esquadrão de Telê na Espanha. Vão responder que, naquele ano, não levantamos o caneco. Verdade. Mas temos cinco. Eles, só dois. O mesmo que o Uruguai. Unzinho mais que a França, a Espanha, a Inglaterra. Amigos, os caras estão na fila faz 21 anos - conquistaram a Copa América em 1993. De lá para cá, nenhum torneio de peso. O último Mundial deles é o de 1986. Eu era um menino, tinha 14 anos. A Argentina está vinte e oito anos na seca de Copas! E agora vou torcer para que o volume morto do Cantareira acabe com essa estiagem? Desejar que eles recebam o caneco em pleno Maracanã, templo do futebol mundial? Para ouvi-los cantando no Mario Filho que 'Maradona és mas grande que Pelé'? Sinto muito. Não contem comigo. Sou movido por forças ocultas implacáveis, que me dominaram, tomaram conta dos meus atos e pensamentos. Vesti a camisa alemã e saí por aí. Mas você vai torcer por um europeu? Como fica a solidariedade sul-americana? Sou latino de carteirinha. Sem imperialismos. Louco por ti, América. A aceitar esse argumento, no entanto, teria de concordar também com o Galvão Bueno e seus arroubos de "time tal é o Brasil na Libertadores". Sinceramente, a não ser que minha memória esteja fraquejando, não me recordo de ter encontrado nas arquibancadas do Pacaembu, na final de 2011, corinthianos, são-paulinos e palmeirenses torcendo pelo Santos, contra o Peñarol. Colorados não foram às carreatas das vitórias do Grêmio na competição continental, em 1983 e 1995. Gremistas não cantaram o hino do Inter em 2010. Corinthianos não usaram a camisa do Palmeiras, em 1999. Não vi palestrinos dizendo "fazemos parte do bando de loucos" em 2012. Santistas, torcemos todos para o São Paulo em 1992, 1993 e 2005, não é verdade? Aposto e ganho que vascaínos tiveram alterações de humor quando o Flamengo venceu a Liberta de 1981. Rabugices rubro-negras se fizeram sentir quando o clube cruz-maltino venceu o torneio, em 1998. Não me consta que atleticanos e cruzeirenses tenham festejado juntos nas ruas de Belo Horizonte as duas conquistas do Cruzeiro e o feito sul-americano mais recente do Atlético. Perguntem aos tricolores cariocas e aos botafoguenses o que acham de serem os únicos grandes a não ter estrela da Libertadores no peito. Mas não somos todos brasileiros? Por que então não torcemos para os brasileiros? Tem sigla e nome, amigos. SRMB - Saudável Rivalidade que Move os Boleiros. Volto ao início - Argentina, encantos mil. Mas futebol é outra história. Combinado? Nessa final em especial, minha torcida não se dá apenas contra os argentinos. É também a favor da Alemanha. A simpatia contagiante de Schweinsteiger e companhia me cativou. O futebol jogado pela esquadra alemã me encantou. O meio de campo germânico me arrebatou - Khedira, Schweinsteiger, Kross, Özil e Müller. De encher os olhos de qualquer ser humano que preze a arte da bola. Sem contar o Klose, que teve a hombridade de ultrapassar Ronaldo, o Oportunista, na artilharia das Copas. Na final, o 11 da Alemanha pode ampliar essa vantagem. Quem sabe o Müller chegue mais perto também. Sensacional. A dignidade alemã na vitória contra o Brasil no Mineirão me fascinou. Os alemães merecem - muito - ser premiados pelos serviços inestimáveis prestados ao futebol nos últimos quinze anos, para arredondar. O quarto título mundial serviria para coroar esse trabalho. Para resumir: depois da desclassificação na primeira fase da Eurocopa de 2000 e da derrota na final da Copa de 2002, os alemães entenderam que o futebol que estavam jogando tinha se tornado obsoleto e ultrapassado. Cortaram na carne. Julgaram e prenderam dirigentes corruptos. Criaram centros de treinamento para revelar jovens talentos. Bancaram escolinhas de futebol para crianças, espalhadas pelo país inteiro. Recusaram-se a vender seus principais clubes para magnatas russos ou árabes. Preços dos ingressos para os jogos do campeonato nacional foram mantidos em padrões razoáveis para o torcedor médio alemão, sem elitizar o esporte. A média de público da Bundesliga é a mais alta do mundo - 45 mil por partida. A Seleção é um mosaico de nacionalidades, ajudando a combater o racismo e a xenofobia que ainda contaminam setores significativos da sociedade germânica. Soco no estômago dos neonazistas. Özil é de família turca. Khedira é da Tunísia. Podolski e Klose nasceram na Polônia. A família de Boateng vive em Gana. A Alemanha, se vitoriosa no domingo, poderá cumprir um papel que não pôde infelizmente ser desempenhado pela Seleção do Telê, em 1982, porque derrotada naquela oportunidade: escancarar que o futebol bonito, bem jogado, com pinceladas de arte, pode ao mesmo tempo ser eficiente. Vencedor. Razão e sensibilidade. Dribles e treinamento. Um goleiro que é um monstro. Defesa sólida, técnica e forte. O melhor meio de campo do futebol atual. E artilheiros com fome de gols. Amigos que vão torcer pela Argentina, respeito todos vocês. Muito. Mas essa seleção da Alemanha me representa. É para ela que vou torcer na grande final. Sim, sei que essa opção pode suscitar os instintos mais primitivos de alguns. É só futebol. Certo? Abraços a todos. E bom jogo.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

9 DE JULHO - JUNTANDO OS CACOS

Quando a volta de Vocês Sabem Quem era iminente e os sinais de proximidade da batalha final se acumulavam no embalo dos 'avada kedavra', o professor Alvo Dumbledore lustrava as varinhas mágicas, preparava os feitiços e sabiamente já alertava: "Harry, serão tempos difíceis". A hecatombe vivida ontem no Mineirão mandou recado cristalino como as águas que um dia existiram no sistema Cantareira: se já não estava fácil, o futebol brasileiro vai viver tempos ainda mais difíceis. Conturbados. A ferida está purulenta. Arde. Dói. Sangra. Estamos chafurdando no volume morto. Dumbledore, no entanto, tentou antes de sua morte mostrar a Harry e seus amigos que Lord Voldemort, embora expressão máxima de um mundo triste e obscuro, não andava sozinho. Vivia acompanhado de professores das trevas, dementadores, comensais da morte, bruxos que não sabiam muito bem se estavam lá ou cá, seguidores permeados por dúvidas, agentes dissimulados. Como sou fã confesso do diretor da Escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts, nos acertos, desvios e contradições que ele sempre carregou, não esperem de mim porradas nos jogadores. Não vou apontar dedo para culpados. Não vou demonizá-los. Não vou queimar uma geração que, se não é espetacular, é bem boa. Se a ideia é reconstruir, refundar, resgatar o verdadeiro futebol brasileiro, e não só detonar, esse processo passa necessariamente por Thiago Silva, David Luiz, Marcelo, Luis Gustavo, Oscar, Neymar, Willian....Não vou ajudar a forjar novos Barbosas. Ainda no campo, ontem, disposto a terceirizar responsabilidades, Felipão chegou a passar a mão no celular secretíssimo. Fez menção de ligar para o presidente do conselho dos deuses do futebol. Queria espinafrar a divindade, que havia prometido proteção extra para a Seleção Brasileira na semifinal. O gaúcho de bigode recuou quando acessou, via celular, um e-mail que havia chegado do Himalaia. Urgente, cravava a mensagem. Resumidamente, tom lacônico, distante, sem a intimidade verificada em papos anteriores, dizia "nem tente nos culpar. Por sua conta e risco, você resolveu mandar a campo um time que jamais havia treinado junto. Que temeridade. Depois do segundo gol da Alemanha, crônica de uma massacre anunciado, meio de campo completamente entregue aos panzers germânicos, você sentou no banco de reservas. Imóvel. Impávido colosso. De lá só saiu quando o jogo terminou. Converse com o seu amigo Muricy. Pergunte a ele quais as lembranças que tem daquele passeio que levou do Barcelona, quando dirigia o Santos, na final do Mundial Interclubes de 2011. Será que você viu aquela decisão? Será que você acompanhou os jogos da Alemanha nos últimos quatro anos? Vá se catar. É a nossa vez de te mandar para o inferno. Há coisas na vida que são bem mundanas mesmo, resultado de escolhas feitas por seres humanos. Não há como os deuses possamos interferir. Ação e reação. Benevolentes que somos, perdoamos. Mas a bobagem não volta atrás. Só para dar retorno: concluímos a nossa investigação sobre quem daqui de cima poderia ter facilitado a contusão do Neymar. Faço mea culpa. Deuses também falham. Imaginei que pudesse ter sido algum deus milongueiro admirador do futebol argentino, apreciador de um trágico tango, a aprontar estrepolias e facilitar o caminho dos hermanos na final. Nada disso. O que aconteceu naquele final de tarde de sexta-feira foi uma raríssima tempestade de radiação solar,  fenômeno que libera cargas eletromagnéticas muito intensas. A conexão do Himalaia com o mundo profano foi interrompida por alguns breves minutos. Por mais que tentássemos, nossas mandingas não chegavam até vocês. O bloqueio foi muito forte. Foi o tempo suficiente para deixar Neymar com o corpo aberto. Paciência. A mãe natureza é soberana. Contra ela, nem os deuses podemos. Respeitamos. Obedecemos. Bom jogo para você na disputa do terceiro lugar. Abraço e não me liga". Nó na garganta. Ressaca pior que a de mistura de dez caipirinhas com uma dúzia de latinhas de cerveja. Insônia que resistia até mesmo à contagem de carneirinhos. Arrisquei então durante a longuíssima madrugada, ponteiros do relógio que se arrastavam, tentar contato com o presidente do conselho divino. Foi solícito, apesar do adiantado da hora. Deuses não dormem. Consegui entrevistá-lo. Fiquem sossegados - era ele mesmo, não um sósia. Chequei. Não aceitei só cartão de visitas. Pedi até as digitais. Exame de DNA. Pois vossa senhoria, a entidade máxima espiritual da bola, me garantiu que os deuses do ludopédio estão dispostos a generosamente nos oferecer, sem custos adicionais de qualquer espécie, um conjunto de ideias para a refundação do futebol brasileiro. Ele diz que, se os cartolas da CBF tivessem um pingo de vergonha na cara - e ele sabe que não têm -, assinariam ainda hoje contrato com o Guardiola. Renunciariam em seguida. A gente topa? Banca? Vamos encarar de frente e defenestrar a famiglia? Engolir esse orgulhinho besta e infundado, enterrar de vez a tosca aversão a técnicos estrangeiros? Vai ver a gente merece mesmo o Del Nero sucedendo o Marin. O opositor era o Andres Sanchez. Corram para as montanhas. Tite vem aí. Novo salvador da pátria. Cordeirinho. 1 x 0 é goleada. O Gallo, quem sabe. É queridinho do esquemão. O pofexô Vanderley está livre, leve e solto, sem compromissos, é sempre uma opção para comandar poxetos mirabolantes. Que tal o Muricybol? Tudo mais do mesmo. Meu interlocutor lembrou que, após a Copa, o Brasil faz amistoso no dia 5 de setembro, provavelmente contra a Colômbia, enfrentando o Equador quatro dias depois. Sabem onde? Nova Jersei, Estados Unidos. São esses os vínculos que desejam estabelecer com a torcida? Pois, sugere, que se jogue numa dessas tantas arenas que foram construídas para a Copa. Uma peleja em Manaus, outra em Curitiba. Para começar. A partir daí, uma partida por mês, viajando pelos quatro cantos desse país. Para que entre em campo não só a Seleção Brasileira. Mas a Seleção do Brasil. Ingressos a preços populares. Sem precisar pedir ajuda para os Lamines Fofanas ou Raymonds Whelans da vida. Para lotar os estádios. Voltar a ter o futebol como símbolo da nossa cultura, expressão da vontade do povo, pelo povo, para o povo. Retomarei esse assunto, nas crônicas derradeiras desta Copa. Treinamento vai ser prioridade. Não só nos jogos. Um time competente e vencedor é bem mais que um agrupamento de jogadores com boas intenções. Motivar é preciso - treinar é imprescindível. Em sua estadia no Brasil, para a disputa da Copa, a Alemanha teve só um dia de folga. Precisa desenhar? Intercâmbios. Viagens. Estudos. Táticas. Esquemas alternativos. O calendário será reformulado. Clubes com dívidas serão proibidos de participar de competições oficiais. Todos os times deverão ter sempre em campo ao menos três jogadores com entre 18 e 20 anos, formados nas categorias de base. Novos talentos. Sem apelação. Bônus e recompensas polpudas para quem revelar armadores, não só volantes. Em busca daquele clássico camisa 10 que tanto nos fez falta nesse Mundial. Uma Liga, para além dos desmandos da CBF, será responsável por organizar as competições. O vespeiro de contratos de exibição de jogos será revirado do avesso. Caixa preta. Sem monopólios. A viabilizar horários sensatos de início das partidas - e não "bem amigos da Rede Globo" só depois do final do capítulo da novela. Um jogo não pode acabar quando a torcida já não tem mais metrô ou ônibus para retornar para casa. Bom Senso Futebol Clube. Reviravolta nas estruturas e métodos. Revolução de mentalidades. Entranhas. Humildade. Gostei do que o presidente do conselho dos deuses me disse. Vamos pensar juntos? Convite feito. O futebol brasileiro - aquele que ficou perdido em algum lugar do passado - agradece. Mirem-se no exemplo daqueles boleiros de Berlim. De minha parte, vaias em alto e bom som para os que queimaram a bandeira do Brasil na Vila Madalena. Vocês são lamentáveis. Vaias ainda mais fortes para os que usam o tsunami do Mineirão para comemorar suposta vitória do país da honestidade e do trabalho sério contra o país do jeitinho, da vagabundagem e das bolsas para meliantes. Vocês são crápulas. Sanguessugas. Vaias múltiplas para os que escrevem desbragadamente nas redes sociais que o governo da Dilma é tão incompetente que gastou bilhões de dólares para ter a Copa, e a Seleção não foi nem capaz de ganhar a taça. Culpa da Dilma, óbvio. Como queriam demonstrar. Aliás, esperem aí um segundinho, deixem ver se entendi. Queriam então que o Brasil, por ser sede, comprasse mesmo a Copa? Oras, mas não eram vocês, arautos da ética, exemplos de conduta ilibada, com muito orgulho e com muito amor, que batiam no peito para condenar o torneio que já tinha sido comprado pelo Brasil? E agora vêm a público para lamentar que tudo não estivesse mesmo previamente arranjado? Compra ou não compra? Que contradição é essa? Decidam-se, por gentileza. Querem saber? Vocês são hipócritas. Heróis sem nenhum caráter. Por fim, vaias ensurdecedoras para quem comemora a derrota da Seleção, acreditando que por conta dela poderá colher dividendos eleitorais. Vocês são desprezíveis. Imagine na Olimpíada. Imagine na próxima Copa no Brasil. Ronaldo, o Oportunista, o Klose te manda 16 abraços. Quem foi o mané que disse que a Copa acabou ontem? Acabei de ver Argentina e Holanda comendo pipoca. No sábado, vou torcer para o Brasil beliscar o terceiro lugar. E no domingo tem os hermanos, que jogam a vida por uma bola de Messi, o gênio, contra o timaço da Alemanha. Imperdível.