domingo, 13 de julho de 2014

13 DE JULHO - CAPÍTULO FINAL. DECIME QUE SE SIENTE AHORA...

Quando o árbitro apitou o fim do jogo, Alejandro Sabella, técnico da Argentina, olhou para Joachim Löw, treinador da Alemanha, e deixou escapar um sonoro "que meleca!". Tensão para mais de cem minutos. Schürrle arranca pela esquerda. Rente à linha lateral. Deixa o marcador argentino para trás. Eu levanto da cadeira. O atacante alemão olha para o meio da área. Percebe a jogada. Cruza. Götze mata no peito estufado. A bola vai caindo mansinha. Já estou quase dentro da televisão. O camisa 19 bate com a perna esquerda esticada. Chute cruzado, colocado, maroto, canto esquerdo do goleiro. Puffff. Fim da invencibilidade do arqueiro Romero. Oito minutos do segundo tempo da prorrogação. A maioria da torcida explode no Maracanã. Angela Merkel aplaude nas tribunas do estádio. Os índios pataxós comemoram em Santa Cruz de Cabrália. Berlim e Munique pulam e começam a festa. Eu grito pela janela da casa dos meus pais. Alemanha campeã do mundo. Tetracampeã. Teve até dança indígena e pajelança no círculo central do templo do futebol mundial. Merecido. Quando a presidenta Dilma entregou a taça, vi de relance, bem rapidinho, atrás do ombro dela, o presidente do conselho dos deuses do futebol. Estava feliz. Fez sinal de positivo. Justiça divina. Desapareceu sem deixar rastros. Torci. Não escondi. Sem ódios. Sem desprezar infinitas afinidades e canções latino-americanas. Adoro e respeito profundamente a Argentina. O povo argentino. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, não obstante... Que me desculpem os hermanos, como já escrevi por aqui, mas torcer na final pela Alemanha era fundamental. Rivalidades futebolísticas que movem boleiros. A Argentina foi guerreira, taticamente quase perfeita. Defesa muito bem montada, fechando espaços, ocupando o meio. Viu como funciona, Felipão? Jogaram por uma bola. Um lampejo de genialidade de Messi, quem sabe. Tiveram chances. Três - com o camisa 10, com Higuaín e com Agüero. Desperdiçaram. Paciência. Venceu o melhor. Levou a taça quem esteve se preparando para essa Copa pelo menos desde 2002. Projeto de longo prazo. Oxigênio renovado de cabeças e mentalidades. Estilo de jogo. Treinamento. Pararam em duas semifinais nos últimos dois Mundiais. Beliscaram o terceiro lugar em ambos. Estava na hora. Um brinde ao futebol da Seleção da Alemanha, capaz de resgatar a arte do toque de bola para combiná-la com a eficiência de um esquema tático moderno. Os germânicos atuaram embalados pelas defesas de Neuer, o melhor goleiro do planeta bola. A versatilidade de Lahm. A exuberância técnica de Boateng - que partida fez esse príncipe negro hoje. Schweinsteiger foi boleiro incansável, presente em todos os cantos do campo. Kröos é um senhor maestro, a reger a orquestra. Na frente, Klose e Müller têm faro de gol. E Götze foi iluminado. Como é só futebol, tudo é brincadeira, tenho certeza que os argentinos, mesmo amuados, vão levar na boa. Até porque entoaram a canção nas arquibancadas de todos os estádios por onde passaram. Aprendemos. Reinventamos. Sei lá, não me sai da cabeça essa nova versão. Ando pela sala de casa a cantá-la. Argentina, me diz como se sente. Ver de longe cinco estrelas a brilhar. Te juro, ainda que os anos passem. Você nunca vai me alcançar. Cinco Copas, só eu tenho. E sem trapacear. Mi 'papá' não se dopou para jogar. Uma coisa mais te digo. Pra nunca mais esquecer. O Pelé tem mais Copas que você! Tudo na paz. Só sarro. Na boa. Lamento. Aqui, não. Mais quatro anos na fila. Pelo menos. Pai, todas as seleções sul-americanas jogaram no Maracanã. Menos o Brasil. Sábio Daniel. Pois é. Felipão insiste em ser personagem de realidade paralela. Saga trágica e cômica. A gente chora e ri. De raiva. Usa a piada para processar a dor. É deprimente ver o treinador num tal vídeo que teria sido vazado por sabe-se lá quem. As imagens mostram o técnico da Seleção mais uma vez insistindo na ladainha do fizemos nosso papel e vivemos seis minutos de pane. Armação pura. Felipão gosta bem delas. Aposta nelas. A CBF é também mestra nessas arapucas. Tudo de caso pensado. Showzinho estapafúrdio. Recusamos o papel de bobos da corte. Na coletiva de ontem, após a derrota para a Holanda, o treinador escorregou perigosamente no exercício do mau-caratismo. A empáfia e a arrogância atingiram níveis insuportáveis. Recusa-se terminantemente a assumir os erros. Hora de pedir o boné. Reconheço virtudes do Felipão. Mas parou no tempo. Só para lembrar: jabuti não sabe subir na árvore. Quando chega ao topo, é porque alguém o colocou lá. Estrutura. Tem algo maior, chamado Confederação Brasileira de Futebol, entidade autoritária e intocável. É mais do que tempo de defenestrar essa corja. Não é por seis minutos. É por dignidade. História. É preciso condenar também com veemência o que aconteceu hoje no Rio de Janeiro, fora do estádio. Não há democracia com prisões arbitrárias. Não há democracia que possa conviver com proibição de manifestações e protestos. Basta. Basta. Não tem mais relato? Acabou? Sério? Foi maravilhoso enquanto durou. Vou sentir saudade. Nasceu como quem nada queria. Prosperou, abraçado pela generosidade dos amigos leitores. A minha Copa do Mundo. Singular. Sonho de criança. Vivido intensamente, muito de perto, espaços variados. Personagens múltiplos. A nossa Copa do Mundo. Foram trinta e cinco textos. São falas de um torcedor. Nada de especialista. Nem tenho cacife para tanto. Naveguei nos mares de fortes emoções. Fotografei, com palavras, momentos inesquecíveis. Como dizia Nelson Rodrigues, sem paixão não se chupa nem um chicabon. Há erros e acertos. Para todos os lados. Contradições? Muitas. Lá e cá, aqui e acolá. Sempre. Que bom. Somos todos humanos. O mais bacana foi ter a companhia de vocês. A gente se vê na Rússia, em 2018.      

Um comentário:

  1. Valeu Chicão! Esperamos seus textos sobre a Rússia. Quem sabe não conseguimos cobrir alguma partida ao vivo? Seria um sonho. Abraço! Ussit.

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