quinta-feira, 10 de julho de 2014

10 DE JULHO - OS ARGENTINOS QUE ME DESCULPEM, MAS TORCER PELA ALEMANHA É FUNDAMENTAL

Adoro Buenos Aires, cidade aconchegante, antiga e moderna, intensa em suas belezas naturais e construções humanas, que sempre me recebeu muito bem quando estive por lá. As livrarias em cada esquina, a imensidão da Nove de Julho, o estádio de La Bombonera, os artistas na rua, o tango, o museu de Carlos Gardel, os parques de Palermo, a pulsante Praça de Maio com seus protestos, manifestações políticas e andanças das avós e mães de desaparecidos políticos, os cafés onde se pode sentar e passar a tarde inteira, apenas para ler um jornal ou um livro, sem ser incomodado. Moraria fácil na capital argentina. A literatura deles contempla esplendor único de letras e de narrativas. Ernesto Sabato, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Ricardo Piglia. Precisa dizer mais? Mercedes Sosa. Gracias a la vida. Volver a los 17. Ernesto Guevara. É admirável, exemplo a ser seguido por outras nações, o esforço da sociedade argentina em não permitir que sejam esquecidas as atrocidades cometidas pela ditadura militar que lá se instalou nos anos 1970. Arquivos foram abertos, torturadores - incluindo o ex-presidente da República Jorge Videla - foram julgados. Condenados à prisão. Sou fã confesso das iniciativas argentinas que pretendem democratizar o acesso à informação e colocar ponto final aos monopólios midiáticos. Adoro a altivez com que negociam com os abutres do mercado financeiro internacional, sem dobrar a espinha. Brasil e Argentina sofreram com a exploração colonial de Portugal e Espanha, respectivamente. São parceiros de Mercosul. Messi é gênio da bola. Foi um privilégio poder vê-lo ao vivo, no Mineirão, contra o Irã. E ser brindado com um golaço dele. Pois então. Dito tudo isso, anuncio em alto e bom som a quem possa interessar que vou torcer na final da Copa do Mundo pela... Alemanha. Sim, isso mesmo, pela Alemanha. Porque, para além de todas as teias apaixonantes que nos conectam aos hermanos (com respeito, sem tom pejorativo), existe algo específico que nos afasta de forma inexorável. Chama-se rivalidade futebolística. É sério. Muito mais forte que eu. Não há quem me convença do contrário. Não se trata de construção nossa. Os argentinos também reconhecem e fazem uso dessa rivalidade. É via de mão dupla. E antes que pedras comecem a ser atiradas, puxa, você entra nessa esparrela, mais serenidade e menos violência, falo aqui de saudável e civilizado sentimento que move adversários (não inimigos) de ludopédio que torcem e defendem cores e bandeiras diferentes. Apenas isso. Nada da cadeiradas, garrafadas, socos, tiros. Essa selvageria fica colocada em outro plano. Longe, bem longe de ufanismos nacionalistas. Não quero saber de preconceitos ou exclusões xenofóbicas. Falo de uma disputa que se resume às quatro linhas. Só. Combinado? Os argentinos ocuparam as ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre, de Brasília... Por onde passaram, cantaram o 'Decime qué se siente. Maradona és mas grande que Pelé'. Pois quero solidariamente continuar respondendo com o 'diz aí como é que é ter somente duas Copas, uma a menos que Pelé'. Eles vão lembrar do Caniggia e do Maradona em 1990. Eu vou mostrar recortes dos jornais de 1982, quando levaram um passeio do esquadrão de Telê na Espanha. Vão responder que, naquele ano, não levantamos o caneco. Verdade. Mas temos cinco. Eles, só dois. O mesmo que o Uruguai. Unzinho mais que a França, a Espanha, a Inglaterra. Amigos, os caras estão na fila faz 21 anos - conquistaram a Copa América em 1993. De lá para cá, nenhum torneio de peso. O último Mundial deles é o de 1986. Eu era um menino, tinha 14 anos. A Argentina está vinte e oito anos na seca de Copas! E agora vou torcer para que o volume morto do Cantareira acabe com essa estiagem? Desejar que eles recebam o caneco em pleno Maracanã, templo do futebol mundial? Para ouvi-los cantando no Mario Filho que 'Maradona és mas grande que Pelé'? Sinto muito. Não contem comigo. Sou movido por forças ocultas implacáveis, que me dominaram, tomaram conta dos meus atos e pensamentos. Vesti a camisa alemã e saí por aí. Mas você vai torcer por um europeu? Como fica a solidariedade sul-americana? Sou latino de carteirinha. Sem imperialismos. Louco por ti, América. A aceitar esse argumento, no entanto, teria de concordar também com o Galvão Bueno e seus arroubos de "time tal é o Brasil na Libertadores". Sinceramente, a não ser que minha memória esteja fraquejando, não me recordo de ter encontrado nas arquibancadas do Pacaembu, na final de 2011, corinthianos, são-paulinos e palmeirenses torcendo pelo Santos, contra o Peñarol. Colorados não foram às carreatas das vitórias do Grêmio na competição continental, em 1983 e 1995. Gremistas não cantaram o hino do Inter em 2010. Corinthianos não usaram a camisa do Palmeiras, em 1999. Não vi palestrinos dizendo "fazemos parte do bando de loucos" em 2012. Santistas, torcemos todos para o São Paulo em 1992, 1993 e 2005, não é verdade? Aposto e ganho que vascaínos tiveram alterações de humor quando o Flamengo venceu a Liberta de 1981. Rabugices rubro-negras se fizeram sentir quando o clube cruz-maltino venceu o torneio, em 1998. Não me consta que atleticanos e cruzeirenses tenham festejado juntos nas ruas de Belo Horizonte as duas conquistas do Cruzeiro e o feito sul-americano mais recente do Atlético. Perguntem aos tricolores cariocas e aos botafoguenses o que acham de serem os únicos grandes a não ter estrela da Libertadores no peito. Mas não somos todos brasileiros? Por que então não torcemos para os brasileiros? Tem sigla e nome, amigos. SRMB - Saudável Rivalidade que Move os Boleiros. Volto ao início - Argentina, encantos mil. Mas futebol é outra história. Combinado? Nessa final em especial, minha torcida não se dá apenas contra os argentinos. É também a favor da Alemanha. A simpatia contagiante de Schweinsteiger e companhia me cativou. O futebol jogado pela esquadra alemã me encantou. O meio de campo germânico me arrebatou - Khedira, Schweinsteiger, Kross, Özil e Müller. De encher os olhos de qualquer ser humano que preze a arte da bola. Sem contar o Klose, que teve a hombridade de ultrapassar Ronaldo, o Oportunista, na artilharia das Copas. Na final, o 11 da Alemanha pode ampliar essa vantagem. Quem sabe o Müller chegue mais perto também. Sensacional. A dignidade alemã na vitória contra o Brasil no Mineirão me fascinou. Os alemães merecem - muito - ser premiados pelos serviços inestimáveis prestados ao futebol nos últimos quinze anos, para arredondar. O quarto título mundial serviria para coroar esse trabalho. Para resumir: depois da desclassificação na primeira fase da Eurocopa de 2000 e da derrota na final da Copa de 2002, os alemães entenderam que o futebol que estavam jogando tinha se tornado obsoleto e ultrapassado. Cortaram na carne. Julgaram e prenderam dirigentes corruptos. Criaram centros de treinamento para revelar jovens talentos. Bancaram escolinhas de futebol para crianças, espalhadas pelo país inteiro. Recusaram-se a vender seus principais clubes para magnatas russos ou árabes. Preços dos ingressos para os jogos do campeonato nacional foram mantidos em padrões razoáveis para o torcedor médio alemão, sem elitizar o esporte. A média de público da Bundesliga é a mais alta do mundo - 45 mil por partida. A Seleção é um mosaico de nacionalidades, ajudando a combater o racismo e a xenofobia que ainda contaminam setores significativos da sociedade germânica. Soco no estômago dos neonazistas. Özil é de família turca. Khedira é da Tunísia. Podolski e Klose nasceram na Polônia. A família de Boateng vive em Gana. A Alemanha, se vitoriosa no domingo, poderá cumprir um papel que não pôde infelizmente ser desempenhado pela Seleção do Telê, em 1982, porque derrotada naquela oportunidade: escancarar que o futebol bonito, bem jogado, com pinceladas de arte, pode ao mesmo tempo ser eficiente. Vencedor. Razão e sensibilidade. Dribles e treinamento. Um goleiro que é um monstro. Defesa sólida, técnica e forte. O melhor meio de campo do futebol atual. E artilheiros com fome de gols. Amigos que vão torcer pela Argentina, respeito todos vocês. Muito. Mas essa seleção da Alemanha me representa. É para ela que vou torcer na grande final. Sim, sei que essa opção pode suscitar os instintos mais primitivos de alguns. É só futebol. Certo? Abraços a todos. E bom jogo.

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