segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A SÃO PAULO DEMO-TUCANA É UMA CIDADE TRISTE E SUCATEADA

Estamos chegando ao final de 2011 e as movimentações partidárias que envolvem a sucessão municipal paulistana do ano que vem começam a ganhar contornos de uma fotografia cada vez mais precisa e nítida. É momento bastante propício portanto para arregaçar as mangas, recuperar o fôlego, preparar argumentos, afinar os discursos e começar a disputar espaço político, com firme disposição para desconstruir democraticamente o "gerenciamento asséptico" demo-tucano (que tem lado, obviamente) e resgatar a cidade de São Paulo do abandono e do conservadorismo a que foi condenada durante a gestão Serra-Kassab (2005-2012). Ao final destes oito anos, o que se nota é uma megalópole à deriva, sisuda, abandonada à própria sorte, sem rumo, carente de sonhos e de utopias, resignada a enfrentar um cotidiano cinzento e sem graça. 

Quando esteve à frente da administração municipal (2005-2006), José Serra só fez se preocupar em usar a Prefeitura como trampolim para alcançar primeiro o Governo do Estado (2007-2010), lançando-se em seguida ao sonho de consumo chamado Presidência da República (verdadeira obsessão...), tendo sido derrotado no ano passado, no segundo turno, por Dilma Rousseff. Por sua vez, Gilberto Kassab (assumiu em 2006 e foi reeleito em 2008) dedicou os últimos dois anos praticamente a apenas organizar seu partido, o PSD, aquele que "não é de direita, nem de esquerda, nem de centro" - é bastante oportunista, na verdade. Navega conforme os ventos dos interesses eleitoreiros e consagra um pragmatismo "imparcial" de dar vergonha.

Relegada a segundo plano por aqueles que deveriam dela cuidar, a cidade sofreu também com uma oposição pífia, principalmente por parte do PT, que há muito perdeu a disposição para o enfrentamento político de grande magnitude e de significados, impactos e repercussões para a vida da cidade, contentando-se com a manutenção de suas áreas de influência, principalmente nas franjas de São Paulo, sem interesse mais evidente em ampliar o diálogo crítico com a sociedade. 

Ainda mais lamentável: não são poucas as lideranças petistas que defendem trégua, acordo estratégico ou até mesmo tratamento privilegiado ao prefeito Kassab, poupando-o de críticas ou de contrapontos, pois afinal o dono do PSD faz parte agora da base aliada do governo federal e pode quem sabe ajudar a derrotar os tucanos em São Paulo. Rende-se o PT ao canto da sereia, sem disposição e clareza políticas (ou não...) para reconhecer que Kassab é Serra, ou seja, é mais do mesmo, é PSDB, é a direita, tucano que procura esconder o bico e a plumagem, mas que é tucano na alma - e nas iniciativas políticas. Os últimos seis anos não foram só de Kassab - foram também de Serra. Os dois são unha e carne, criador e criatura, padrinho e afilhado.

Por conta dessa combinação de administração conservadora que não raro abandona a cidade com oposição que abdica de atuar como tal, restou a inércia, que em inúmeras ocasiões tem se traduzido em obscurantismo quase medieval. Sem propostas que representem norte coletivo, sem referências, sem lideranças, sobra para São Paulo o esgarçamento do tecido social, o "cada um por si, o egoísmo desgovernado, o salve-se quem puder, a vontade dos mais fortes". A cidade anuncia-se cada vez menos receptiva e reconhecedora das diversidades, revelando-se assustadoramente - e de forma preocupante - um espaço criador e reprodutor de preconceitos, exclusões e intolerâncias.

Moradores de Higienópolis, área nobilíssima da cidade, se mobilizaram recentemente para impedir que em uma das principais avenidas do bairro fosse instalada uma estação de Metrô. Alegavam que a região seria invadida por "gente diferenciada", com o consequente "aumento da violência e do banditismo". Em Pinheiros, fez-se um abaixo-assinado para fechar um albergue que atende moradores de rua, porque são também "feios, pobres, ameaça inconteste a quem vive por perto, risco permanente de criminalidade". Aliás, ainda em Pinheiros, é estarrecedor notar, em locais tradicionais do bairro, como a rua Teodoro Sampaio e a avenida Doutor Arnaldo, e com frequência cada vez maior, muros de casas e de outros estabelecimentos pixados com suásticas nazistas. 

Muitos dos que vivem em Moema, mais um tradicional reduto da classe média-alta paulistana, brigam ferrenhamente contra a a instalação de uma ciclofaixa, porque, como traduziu uma comerciante do bairro, as bicicletas atrapalham o estacionamento dos "carros importados das clientes milionárias que dirigem de salto alto" e que procuram o comércio da região. 

São todos ecos de uma cidade que se pensa a partir de guetos, de privilégios, de umbigos.

E, quando tenta sair da inércia e mostrar serviço, a administração municipal revela toda a sua sanha truculenta e autoritária, reforçando tais práticas e discursos reacionários e fundamentalistas, corroborando e dando vazão para a intolerância dominante. A Pastoral do Povo da Rua vem denunciando sistematicamente e já há muito tempo as ações higienistas da Prefeitura, que coloca objetos pontiagudos e cercas em áreas frequentadas por moradores de rua, além de tentar retirá-los de pontes e das esquinas jogando neles jatos de água gelada. 

As ocupações de prédios pelo Movimento dos Sem-Teto no Centro da cidade - edifícios abandonados, vazios, usados para especulação imobiliária e muitas vezes sem pagar Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) - são sempre tratadas como casos de polícia. E tome Tropa de Choque da Polícia Militar (também tucana) para rapidamente fazer cumprir ordens judiciais de reintegração de posse (emitidas com agilidade de dar inveja). A única preocupação é com a intocável propriedade privada - ainda que não cumpra sua função social, como inclusive determina a Constituição Federal.

Professores são tratados como inimigos e veem a profissão afundar no descrédito, cada vez mais desvalorizada e vilipendiada, situação que vai se refletir nas avaliações a que são submetidos os estudantes paulistanos - os resultados são catastróficos. O sistema municipal de Saúde está sucateado - até porque os iluminados demo-tucanos não escondem suas preferências eternas pelo setor privado. Projeto aprovado há poucos dias pela Assembleia Legislativa, por iniciativa do governador Geraldo Alckmin, permite que o Hospital das Clínicas de São Paulo, o maior da América Latina, passe a fazer oficial e legalmente distinção entre pacientes com convênios privados e aqueles atendidos pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, com prioridade para os primeiros. Trata-se da chamada "Lei das Duas Portas". É iniciativa de âmbito estadual, mas que não difere das ações municipais. O modus operandi é o mesmo.

Quando o assunto é transporte público, é nítida a prioridade para veículos particulares, em uma cidade aonde já circulam sete milhões de automóveis. A recente ampliação das pistas da Marginal do Tietê é apenas um exemplo dessa visão reducionista e insustentável, que considera mais os carros que as pessoas. Quem depende de ônibus para circular pela cidade entende bem do que estou falando.

Outra evidência representativa -e  lamentável - do jeito demo-tucano-serrista-kassabista de administrar a cidade pode ser percebida no loteamento e na militarização das subprefeituras. Das 31 atualmente instaladas na cidade, 28 são comandadas por policiais militares aposentados. Com isso, Kassab reforça a disposição para a repressão aos excluídos e a demonização dos movimentos sociais, já que as subprefeituras têm sido fundamentais, por exemplo, no trato truculento com o comércio informal, com os camelôs, levando ainda a perseguição higienista aos moradores de rua, antes concentrada na região central, aos mais diferentes e distantes bairros da cidade. A ordem é combater "a desordem urbana". 

Depois de oito anos de omissões e desmandos demo-tucanos, São Paulo precisa urgentemente se redescobrir - e se reinventar. Não para reforçar aquela tese tão antiga quanto tola que defende a "locomotiva da nação", e que só faz enraizar comportamentos arrogantes e  excludentes. 

O resgate que precisa acontecer é o das ideias, das criatividades, das pulsações, da alma de uma cidade que deve refundar seu espaço público de convivências, de inclusões e de respeito profundo às diferenças. É preciso formular um projeto coeso de radicalização da democracia, que enxergue os mais diferentes segmentos da população, vislumbre as distintas regiões da cidade e articule as várias áreas de atuação (Saúde, Educação, Moradia, Transporte, Meio Ambiente, Urbanismo...), pensando certamente no conjunto da cidade, mas sem negar prioridades estratégicas para as periferias e os mais pobres, aqueles que de fato são mais carentes de políticas públicas e da presença do Estado. É uma questão de opção política.

É preciso buscar uma São Paulo mais acolhedora, mais generosa e mais solidária - e portanto menos sisuda e resignada. Para tanto, será fundamental garantir, em 2012, antes e durante a campanha municipal, que a discussão política de fundo e de fôlego prevaleça sobre as artimanhas maquiadoras do marketing eleitoreiro. Em qual São Paulo desejamos viver nos próximos anos? Essa é a questão que está colocada.

O desafio é gigantesco. E começa já. Este Blog assume o compromisso de, nos limites modestíssimos de seu alcance, ajudar a fomentar esse fundamental debate. Em busca de uma outra São Paulo, voltaremos (algumas vezes) ao tema.     


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EM TEMPO - É um problema que ainda não consegui resolver - muitos dos leitores não conseguem postar comentários por aqui (somem na rede, sequer aparecem para a moderação). Não sei o que acontece, sinceramente. Para tentar minimizar o problema, para os que desejarem, peço por gentileza que encaminhem esses comentários para o meu e-mail (chicobicudo2@gmail.com). Repassarei essas contribuições para cá, com os devidos créditos. Lembrando sempre que não serão liberados comentários intolerantes, agressivos e preconceituosos. Muito obrigado!

domingo, 13 de novembro de 2011

O DATAFOLHA E A PM NA USP

A insônia foi produtiva. Sem conseguir pregar os olhos em plena manhã de domingo (e no meio de um feriadão), recebi logo cedo os jornais do dia. Passei um tempo matutando e pensando sobre a manchete principal da "Folha de São Paulo", que diz que "58% dos alunos da USP apoiam a PM no campus". O levantamento, feito pelo Instituto Datafolha, ouviu 683 estudantes da mais importante universidade do País, em 28 unidades de ensino, no campus da capital. Aproveito para compartilhar algumas ponderações com os leitores:

1) A impressão imediata que fica é que, mais uma vez, o jornalismo infelizmente investe firme na simplificação da realidade, em um reducionismo descontextualizador, ao fomentar um raciocínio binário e resumir um debate complexo e permeado por nuances, sutilezas e tantas outras indagações relevantes à questão "você é a favor ou contra a presença da PM na USP?". 

Será que a pesquisa é auto-suficiente, basta por si só, esgota o assunto, é a pá de cal em um assunto que apenas começa a ter desdobramentos e a ser discutido? Vale lembrar que, de acordo com estudiosos da mídia, como Luiz Gonzaga Motta (Universidade de Brasília) e Raquel Paiva (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o jornalismo alcançou o status de principal narrativa da contemporaneidade. É fundamentalmente por meio dele que travamos contato com os acontecimentos do mundo. 

Como avaliam em reportagem publicada pela revista Pesquisa Fapesp, "o jornalismo é uma espécie de herdeiro do teatro grego, que, na Antigüidade, era o responsável por explicitar e levar para os palcos tragédias e comédias da humanidade. Já na era da globalização, as conquistas e os conflitos são narrados pelo jornalismo - e é por meio dele que promovemos a nossa catarse moderna". No entanto, alertam, em função da velocidade de produção, da rapidez de circulação e das pressões e dos interesses políticos e econômicos que representa, "o jornalismo é volátil e favorece o erro e o discurso do senso comum, que acaba por reforçar estereótipos, preconceitos e exclusões". 

Essa é a mensagem que a matéria sustentada pelo levantamento do Datafolha parece difundir: continuamos transitando pelo terreno perigoso do senso comum. As lentes jornalísticas nos permitem enxergar apenas a ponta do iceberg, desconsiderando todo o bloco de gelo que se projeta para baixo da superfície. Consolida, com essa estratégia, os consensos conservadores.

2) O raciocínio (não tão) subliminar que a narrativa da matéria procura também introjetar na opinião pública é: “como há apoio majoritário da população, constatado pelos irrefutáveis números, então a invasão da USP pela PM foi uma ação correta”. 

Cuidado com os números. Longe de mim negá-los. Mas penso que não é possível simplesmente engoli-los como absolutos, definitivos, prato feito. Antes disso, é fundamental refletir sobre eles, qualificá-los, tentar compreender as histórias que revelam. Primeiro porque, nesses momentos de grande comoção, a tendência é que a racionalidade do debate fique mesmo prejudicada, suscitando posições mais imediatistas. 

Outra: historicamente, o mesmo Datafolha (para ser coerente com a análise) revela que há apoio majoritário da população à adoção da pena de morte no Brasil – em alguns momentos esse apoio chega a ser acachapante (em 1991: 48% a favor x 43% contra; em 1993: 55% a favor x 38% contra; em 2003: 50% a favor x 43% contra; em 2007: 55% a favor x 40% contra; e em 2008, último levantamento disponível: 47% a favor x 46% contra). 

A seguir o raciocínio conservador e reducionista dominante, se há apoio da população, essa seria uma medida correta, adequada. Vamos então, com base nesse “argumento”, adotar a pena de morte como medida de “combate” à violência e à criminalidade no Brasil, já que, insisto, levantamentos indicam que ela registra forte respaldo popular? Parece perigoso, não? 

Não tenho muitas dúvidas também em afirmar que, se fosse realizado hoje um plebiscito no Brasil que perguntasse à população “você deseja continuar pagando impostos?”, a esmagadora maioria responderia com um sonoro “não”. E aí? União, Estados e municípios deixariam de arrecadar? Como ficariam as políticas públicas? Mas essa teria sido a “vontade popular”, revelada por números impressionantes.... O que fazer? 

Só para ser um pouco mais provocativo-reflexivo: à época do nazismo, a opinião pública alemã, de forma acachapante novamente, sustentava o extermínio em massa de judeus, ciganos, negros, portadores de deficiências, comunistas, endossando e comemorando o ideal de “raça pura” patrocinado por Adolf Hitler. Eram os números, o apoio popular.

3) O que preocupa sobremaneira, penso, é que o levantamento do Datafolha sugere mais uma evidência do processo de fascistização da sociedade, cada vez mais adepta das soluções fáceis e irrefletidas, do “prende e arrebenta”, da vingança em detrimento da justiça, como procurei discutir no texto “A quem interessa demonizar a USP e os estudantes da USP?", publicado também aqui no Blog. É mais um sinal de alerta para o fantasma do autoritarismo reacionário que vaga por aí – e que encontra nessas situações brechas para se apresentar com muita força, raiva e rancor. 

De outra forma, um olhar interpretativo otimista sobre os números do Datafolha permite respirar o oxigênio da resistência: a Folha obviamente não deu o mesmo destaque a essa informação, a esse número, mas o mesmo levantamento revelou que 46% dos estudantes foram contrários à ação da PM que desocupou a reitoria da Universidade (45% favoráveis). No total, e apesar de todo o bombardeio midiático interessado na criação de consensos, 36% dos estudantes da USP dizem “não” à presença da PM no campus. 

E, se nas áreas de Exatas (77% a favor x 20% contra) e Biológicas (76% a favor x 17% contra) o "sim" aparece com larga vantagem, nas Humanidades a PM é rechaçada por maioria absoluta (54% contra, 40% a favor). Sem criar estereótipos ou hierarquias e sem nem de longe apontar o dedo para culpar esse ou aquele segmento uspiano, o fato é que há espaço, nas três áreas do conhecimento – Exatas, Humanas e Biológicas –, para uma interlocução mais profunda e contextualizadora, um diálogo capaz de quebrar o maniqueísmo “PM, sim ou não?”, para então discutir relações internas e a postura da atual reitoria, democracia na Universidade, espaço público, função social da Universidade, urbanismo, produção científica, assistência, em um movimento cada vez mais amplo, que compreende certamente a importância da segurança pública. Mas que rejeita a presença ostensiva e truculenta de soldados armados no campus. 

Afinal, como lembra com muita precisão e lucidez a jornalista Mariluce Moura, em comentário postado no texto “A quem interessa demonizar a USP e os estudantes da USP?”, é preciso "refletir sobre a origem das tantas vozes do ressentimento contra a USP, a mais importante universidade pública do país. A USP, grande e valioso patrimônio da população paulista e brasileira, precisa ser defendida – e certamente não pela PM".


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EM TEMPO - É um problema que ainda não consegui resolver - muitos dos leitores não conseguem postar comentários por aqui (somem na rede, sequer aparecem para a moderação). Não sei o que acontece, sinceramente. Para tentar minimizar o problema, para os que desejarem, peço por gentileza que encaminhem esses comentários para o meu e-mail (chicobicudo2@gmail.com). Repassarei essas contribuições para cá, com os devidos créditos. Lembrando sempre que não serão liberados comentários intolerantes, agressivos e preconceituosos. Muito obrigado!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A QUEM INTERESSA DEMONIZAR A USP E OS ESTUDANTES DA USP?

Passei o final de semana agoniado, acompanhando a ocupação do prédio da Reitoria da USP. Na segunda-feira, com a ordem judicial de reintegração de posse já estabelecida, o prazo para saída dos estudantes se esgotando e conhecendo as autoridades que governam o Estado de São Paulo e o comportamento da Polícia Militar paulista nestas situações, postei em minhas páginas nas redes sociais uma espécie de desabafo: o resultado final da ocupação será o recrudescimento do discurso fascista militarizado ("prende, mata, arrebenta, esfola, detona") e o tom também elevado em relação à "necessidade urgente" de privatização da universidade (o mantra do senso comum que diz que "afinal lá só estudam playboys endinheirados"). A guinada à direita será forte".

Gostaria de ter sido contrariado pelos fatos. Lamentavelmente, os desdobramentos só fizeram confirmar a avaliação. Depois de muitas leituras, momentos difíceis e muito doídos de reflexão e de dialogar com Elisa Marconi, companheira de sempre, e ainda com o jornalista e professor Fabio Cardoso, interlocutor de todas as horas, alcançamos mais uma perigosa constatação: como resultado dessa onda conservadora, organiza-se como uma orquestra cada vez mais ensaiada e afinada uma campanha de desmoralização da USP, em nome de projetos educacionais mais sintonizados com os ventos da pós-modernidade tecnicista. Nesse sentido, para fechar o circuito, é preciso fazer valer a estratégia da metonímia e criminalizar os estudantes da mais importante instituição de ensino superior da América Latina – ao bater na parte, atingem também o todo.   
  
Para não deixar dúvidas no ar: desde o início, fui contra a ocupação do prédio da Reitoria. Não vou esconder aquilo que pensava – e penso. Fiz questão de, em diversas ocasiões, distintos espaços, manifestar publicamente essa posição. Na minha avaliação, não havia mais sentido político na ação. Tinha se transformado em arruaça festiva de uma minoria que não soube aceitar a democracia, pois tinham sido inclusive derrotados em assembleia dos estudantes, quando da saída do prédio da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH). O falso esquerdismo conduzia o movimento ao isolamento, o que é sempre perigoso. Não havia mais interlocutores, mesmo quando se considerava o campo das forças democráticas e progressistas. Essa foi minha crítica – política, argumentada, à esquerda, e não reverberando bobagens reacionárias e simplistas como “só estão lá porque querem fumar maconha”. Sempre repudiei esse discurso estúpido. A assembleia realizada na noite desta terça-feira, no prédio da História, a maior dos últimos anos, que reuniu cerca de três mil estudantes e votou pela greve geral, mostra que talvez outras pontes e articulações pudessem ter sido estabelecidas. Minha divergência foi sempre política, com os rumos do movimento – e, como tal, está sujeita a divergências e contestações. Tenho procurado ouvi-las, todas – as que realmente representam reflexões que fazem diferença. Para tolices e sandices, tenho mantido os ouvidos fechados.

Essa é uma questão.

Outra, gigantescamente diferente, diz respeito às reações que se proliferam como praga em relação à invasão do campus universitário pela PM e às prisões dos estudantes. São de arrepiar os cabelos. Tenho comentado com alguns amigos que fico aliviado por saber que tantos outros conhecidos, pessoas próximas de nossos círculos sociais, não façam parte da tropa de choque da PM paulista. Se fizessem, o estrago poderia ter sido ainda maior.

“Foi pouco, deveriam ter batido mesmo, para machucar, para deixar marcas, para aqueles vagabundos nunca mais esquecerem de como devem se comportar”. “Precisam ser todos expulsos sumariamente, não merecem estudar, são vândalos, destruíram um patrimônio que é nosso”. “Seria bom se passassem algumas noites na cadeia, junto com colegas bandidos, para ver como é bom posar de rebelde”. “Fosse eu, saía arrastando todo mundo, puxando mesmo pelos cabelos”. “São cidadães (mantenho a grafia errada, pois foi assim que ouvi) de quinta categoria, queimaram a bandeira do Brasil, violaram um símbolo pátrio”.

Essas foram algumas das falas que andei ouvindo durante as últimas 24 horas. E, pasmem, todas, sem exceção, vieram da fina flor da intelectualidade, são pessoas supostamente esclarecidas, bem formadas. Fazem questão de dizer que são democratas. Confesso que em alguns momentos imaginei que estivesse repentinamente participando de encontros do Partido Nacional-Socialista da Alemanha – ou do Comando de Caça aos Comunistas, nos anos 1960. Difícil debater nesse nível. Porque não há racionalidade, argumentos, muito menos disposição para ouvir – apenas uma sanha incontida de “esfola, arrebenta, faz justiça com as próprias mãos”.

Tais iluminados cobraram dos estudantes o cumprimento irrestrito das leis, o respeito à ordem. “A Justiça mandou sair”. Mas não só esperavam – como exigiam – da PM comportamentos duros, de arbítrio e de exceção, que não respeitassem qualquer norma legal ou constitucional e atentassem de forma consciente e deliberada contra a dignidade humana, as garantias individuais do cidadão. Justiça? Ou vingança? Aliás, sobre essa questão, durante o regime do apartheid na África do Sul, brancos racistas diziam para Nelson Mandela: "a lei está do nosso lado". O líder das lutas contra o racismo respondia: "e a Justiça, do meu".

A democracia destes pseudo-intelectuais-democratas é seletiva, vale para lá, mas não par cá; apenas direitos de alguns devem ser respeitados. Quando é assim, não é mais democracia, mas ditadura – “todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros”, como traduziu o escritor George Orwell no clássico “A revolução dos bichos”. O fascismo é assim – chega sorrateiramente, vai contaminando o tecido social. Quando a gente abre os olhos...

Notem também como temos vivido recentemente a Era dos Adjetivos. Os ministros são corruptos, as ONGs são pilantras, os morros e as periferias são violentos, a universidade pública é ineficiente, Lula é um privilegiado – e os estudantes da USP são “maconheiros e mimados”. O adjetivo é o argumento de quem não tem argumentos. Reduz o mundo complexo a uma marca – repetida exaustivamente, transforma-se em rótulo, que não desgruda mais. Funciona para desqualificar, para agredir, para achincalhar, para impor falsas verdades. Jamais para debater. Porque, para tanto, é preciso estar disposto a ouvir, a descobrir, a mergulhar, a pensar – e não só a reproduzir qualidades ou defeitos colhidos aos quatro cantos. E tome senso comum!

Em um texto obrigatório para entender o empobrecimento e a banalização elevada à enésima potência das discussões públicas – e a repercussão reacionária do episódio da USP -, o jornalista Mauricio Caleiro escreve que "o debate sobre questões internas involui não apenas na forma (a difamação e os ataques pessoais substituindo o diálogo civilizado e a argumentação), mas também no conteúdo (com pressupostos que há pouco eram exclusivos de fanáticos de direita tornando-se de uso corrente entre os estratos médios e altos)".

E os adjetivos, consistentes na forma, frágeis nos conteúdos, não resistem ao mais leve sopro dos fatos – e dos argumentos. A Universidade de São Paulo, fundada em 1934, é a mais antiga do Brasil (Oxford é de 998; Harvard, de 1636). Tem mais de 80 mil alunos (graduação e pós-graduação) e reúne 36 unidades de pesquisa e de ensino, espalhando-se também pelo interior do Estado, em cidades como Bauru, São Carlos e Ribeirão Preto. Em 2011, o QS World University Ranking indicou que a USP é a 169 universidade mais importante do mundo – e a melhor da América Latina. Já no Times Higher Education World University Rankings, a USP aparece em 178 lugar – é a melhor da Ibero-América.  

Em 2009, o Brasil publicou cerca de 33 mil artigos científicos em revistas internacionais indexadas (cerca de 2% da produção mundial). A USP foi responsável por algo em torno de 25% destes trabalhos – o que significa dizer que a instituição paulista é responsável por algo em torno de 0,5% da ciência feita no planeta. Dos cursos de pós-graduação brasileiros avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), 25% dos considerados de excelência (notas 6 e 7) estão na USP – com significativa contribuição da área de Humanidades. Dos bancos da Universidade paulista saíram mais de dez presidentes da República (Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso entre eles).

Por feliz coincidência, no mesmo dia em que aconteceu a invasão do campus pela PM, recebemos notícia que revelava que um estudante de graduação de Química - da USP - contestou e aperfeiçoou trabalho que havia sido desenvolvido há 70 anos por Linus Pauling, Prêmio Nobel da área. O estudo foi publicado na Physical Review B, da American Physical Society, uma das revistas científicas mais importantes do mundo. Pois então... essa é a USP improdutiva? Esses são os “vagabundos e mimadinhos” da USP? Ah, os adjetivos...

Quer dizer então que a USP é o mundo dos sonhos? Certamente que não. Aliás, vivemos agora um bom momento para repactuar o espaço que a Universidade de São Paulo pode ocupar na vida da cidade – em todos os sentidos – e no cenário acadêmico e científico nacional. É mais do que hora também de discutir a democracia e as relações internas, os órgãos de gestão e de decisão da Universidade, a participação de professores, alunos e funcionários nesses debates, a relação que a instituição precisa construir efetivamente com a sociedade (lazer, cultura, finais de semana no campus, transporte). Esse é o debate. A premissa? A universidade deve ser pública, gratuita, democrática e com ensino de qualidade, fazendo valer ainda o princípio constitucional de pesquisa e assistência.

É fundamental discutir segurança no campus universitário? Certamente. Mas não sob o viés da repressão, da presença ostensiva e arbitrária de uma PM que pretende criminalizar e perseguir estudantes e transformar alunos em bandidos. Tenho arrepios a esse cenário. Escolas e universidades, para mim, são templos dos saberes e do conhecimento, onde o argumento prevalece. Não os fuzis, fardas, botas e escudos. Vejam só: essa cena era mesmo necessária? É essa a polícia que queremos atuando na USP, cotidianamente? Aliás, para quem deseja travar contato com o outro lado da invasão da Reitoria pela PM (não o da mídia parcial e sectária, que já fez suas escolhas), recomendo a leitura deste texto, produzido por uma aluna da USP que não participava da ocupação, mas que acompanhou a truculência policial.

Se é para pensar em segurança de verdade, sugiro dialogar com as sugestões da urbanista Raquel Rolnik, para quem "é uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança tem muito a ver com a equação urbanística”. Recomendo ainda a leitura de “A cortina de fumaça da segurança da USP”, de Pablo Ortellado. Preciso, certeiro.

Não é difícil concluir que o desejo de uma PM pautada pelo viés da repressão é consequência da administração de um Reitor também marcada pelo autoritarismo. João Grandino Rodas, ex-diretor da Faculdade de Direito (aliás, já foi declarado, por unanimidade, persona non grata pela comunidade da São Francisco), tem estimulado caça às bruxas, processos administrativos, perseguições internas, contratações suspeitas, sufocando as demandas democráticas da comunidade uspiana e sucateando e instrumentalizando a Universidade. Vale lembrar que, nas eleições de 2009, Rodas foi o segundo colocado na lista tríplice da USP (o vencedor foi o sociólogo Glaucius Oliva); apesar disso, o atual Reitor foi o indicado pelo então governador José Serra (PSDB), quebrando a tradição de nomear o mais votado pela comunidade. Tal situação havia acontecido pela última vez à época da ditadura militar, no governo de Paulo Maluf. Em 2009, Serra respeitou a democracia interna? Ou preferiu afinidades ideológicas, em nome de outros projetos? E o que esperar de um Reitor que já assume sem apoio, respaldo e legitimidade de seus pares? Aqui, vale ler "A ditadura e seus fósseis vivos na USP de 2011", de Ana Paula Salviatti.

Teria muito ainda a dizer, talvez volte ao tema. Mas penso honestamente que já há elementos suficientes para contribuir com o debate. E, dito tudo o que está aqui, fica a pergunta, para reflexão coletiva: a quem afinal interessa demonizar a USP e os estudantes da USP?


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domingo, 6 de novembro de 2011

QUEM É O MELHOR JOGADOR DO MUNDO?

A discussão é bacana e provavelmente concorrerá com a reta final do Brasileirão, esquentando os papos de bares, além de fomentar análises mais avalizadas de jornalistas esportivos de diferentes redes e veículos. Não faço parte desse último grupo, mas como apaixonado por futebol desde antes de nascer, santista de coração e encantado pelos espetáculos oferecidos por Neymar, não vou me furtar a disparar alguns petardos analíticos. Não, não têm certamente qualquer rigor científico ou precisão matemática, mas também não são apenas chutes ou palpites aleatórios. Representam impressões de quem acompanha de perto, com frequência razoável, os diferentes campeonatos do planeta. E, quem sabe, poderão ainda ajudar a estimular esse instigante debate - ao menos até o dia 05 de dezembro, quando a FIFA e a revista francesa France Football anunciarão a lista com os três finalistas do Prêmio Bola de Ouro (melhor jogador do mundo em 2011). O vencedor será conhecido em 09 de janeiro, em Zurique, na Suíça.

É preciso comemorar desde já a presença de Neymar entre os 23 finalistas do Prêmio. É a primeira vez que um jogador brasileiro recebe a honraria, após atuar toda a temporada em um clube brasileiro. É histórico, uma recompensa ao esforço monumental feito pelo Santos para manter o craque no Brasil. Pode ajudar a transformar mentalidades. Em 2011, Neymar é também um invasor - todos os outros indicados jogam na Europa. Sei que alguém vai dizer que o Prêmio nem sempre irá agraciar, ao final, o melhor boleiro da Terra. Há interesses - políticos, financeiros, de patrocinadores, de empresários, de investidores, de marcas - capazes mesmo de sussurrar e reverberar nos ouvidos dos votantes. Paciência. É possível acontecer - embora, justiça seja feita, os últimos vitoriosos tenham sido merecedores do título. E, em 2011, se o futebol for de fato o único critério considerado - dribles, espetáculo, arrancadas, gols, tabelas, passes, trivelas, assistências, capacidade de decisão, improviso, encanto e o potencial para deixar torcedores boquiabertos -, Messi e Neymar já deveriam estar na lista final. Sem outras discussões. Por notório saber. Bastaria escolher o terceiro boleiro - que seria isso mesmo, coadjuvante, com muita honra.

Vá lá, já há alguém do outro lado da tela a resmungar "Neymar ainda não foi testado na Europa". Vale - até a página 2. Porque, vamos e convenhamos, a grande maioria dos zagueiros europeus, nacionalidades diversas, é bem fraquinha - não por acaso, andaram importando Lucio, Luisão, Alex, Thiago Silva, David Luis, Breno, como bem lembra o advogado e também santista Eryx Pereira, meu irmão, conhecedor atento do futebol. O próprio time do Barcelona - uma máquina invejável de jogar bola, o melhor time que já vi atuar, coletivamente falando - manifesta uma carência de zagueiros que é de assustar. E, ainda ecoando as palavras de Eryx, será que os campeonatos europeus são assim mesmo tão superiores ao nosso Brasileirão, na média? Não há nessa avaliação a confirmação de nosso complexo de vira-lata (como diria Nelson Rodrigues)? É verdade que nossa auto-estima vem assumindo outros ares nos últimos anos, deixamos de ser devedores e hoje somos credores do Fundo Monetário Internacional, temos voz ativa nos mais diferentes fóruns internacionais... mas, no futebol, o que parece é que ainda está enraizada em nossa alma uma percepção ainda forte de que "tudo que acontece lá fora é melhor do que aqui", não? Por aqui, temos São Paulo, Santos, Flamengo, Grêmio e Inter, todos campeões continentais e mundiais, além do Corinthians (título Mundial reconhecido pela FIFA, sem ter sido campeão continental), sem falar também em Cruzeiro, Vasco e Palmeiras, legítimos vencedores de Taças Libertadores. Será que somos tão menos assim mesmo? Provocação assumida: se o Milan disputasse o Brasileirão 2011, em que posição terminaria?

Neste ano em especial, penso ainda que os olhos dos técnicos e jornalistas que escolherão os finalistas do Prêmio estiveram, estão e estarão bem atentos aos dribles do Príncipe brasileiro. Barcelona, Real Madri, Manchester United, Chelsea, Internazionale, Milan conhecem Neymar. Querem Neymar. Aqui - e eis agora uma suposição assumida - não vou achar estranho se a FIFA, exatamente para tentar voltar a falar de futebol, incentivar, nos bastidores, uma final entre Neymar e Messi. Brasil x Argentina. América do Sul e Europa. O menino que foi cedo - o menino que ousou ficar (duas histórias fantásticas!). Maradona x Pelé. Dois craques atacantes decisivos. Campeões. Copa do Mundo no Brasil em 2014. Resgate do futebol arte. Barcelona e Santos classificados para o Mundial de Clubes de dezembro, evento organizado pela FIFA. Numa hipotética disputa entre Messi e Neymar, haverá elementos suficientemente fortes para a FIFA voltar a respirar só futebol - ainda que momentaneamente -, desviando o foco das atenções dos escândalos de corrupção e de pagamento de propinas e compras de votos para escolha de sedes de Mundiais. Divagações? Sei não.

Bem, mas vamos lá, sem esticar mais - um a um, seguindo a lista dos 23 da FIFA, em ordem alfabética, ofereço breves comentários a respeito dos que fazem parte desta seleção:

- Abidal - viveu momentos difíceis em 2011, com o diagnóstico de câncer no fígado, e é certamente um vencedor. Mas é apenas um lateral comum, como tantos outros, que às vezes atua como zagueiro (também sem brilho).
- Agüero - Jogou razoavelmente apenas e tão somente os últimos jogos disputados pelo Manchester City. Suficiente para estar na lista final?
- Benzema - Começou a temporada como reserva e chegou a ser criticado pelo próprio técnico do Real Madri, o português José Mourinho, que reconhecia a má fase do jogador.  
- Casillas - Com todo respeito aos arqueiros, mas seria o mesmo que dar o Prêmio de uma Copa do Mundo para um goleiro da Alemanha, quando o mesmo Mundial foi disputado por Ronaldo Fenômeno e Rivaldo. Ou seja, um disparate.
- Cristiano Ronaldo - Vai doer a mão, mas vou escrever: sabe jogar. Mas acha que joga bem mais do que sabe. E é o tipo de jogador mais preocupado com o telão do que com aquilo que acontece em campo. Atleta da sociedade do espetáculo, como o inglês David Beckham.
- Daniel Alves - Temporada boa no Barça, lamentável na Seleção Brasileira. Na média...
- Eto'o - Cracaço, mas faz tempo que esqueceu disso. Foi se esconder na Rússia.
- Fàbregas - Também não entra em campo de verdade faz tempo. Aliás, se alguém do Arsenal (por quem Fàbregas jogou meia temporada) merecia indicação, esse jogador chama-se Robin Van Persie.
- Fórlan - Estaria na lista se fosse pela temporada 2010. 
- Iniesta - Esse sabe muito, é uma das razões de ser do mágico time do Barça!
- Müller - É extremamente habilidoso, mas não alcança o status de craque.
- Nani - Com respeito, mas não deveria ter entrado nem na lista do Campeonato inglês. 
- Ozil - Grande jogador, mas chegou a ser reserva do Real em partidas importantes. Vale?
- Piqué - É zagueiro comum, sem qualquer atributo excepcional. 
- Rooney - Artilheiro. Ponto. Vale para ser melhor do mundo?
- Schweinsteiger - Muitos recursos técnicos, fundamental para o Bayern e a seleção alemã, mas um degrau abaixo ainda do título de craque. 
- Sneijder - O mesmo de Fórlan - ótima temporada em 2010.
- Luis Suárez - jogou o fino da bola durante boa parte do ano, artilheiro, solidário, técnico e inteligente, decisivo. Atuou muito bem tanto no Liverpool quanto na seleção uruguaia. Foi, aliás, destaque em 2011 do futebol uruguaio, que voltou a ocupar justo lugar de honra nos dois últimos anos.
- David Villa - Faz gols. O Borges também.
- Xabi Alonso - jogador de clube, habilidoso, é verdade, mas nada de extraordinário.
- Xavi - junto com Iniesta, é o motor do time mágico do Barça. Toques curtos e finos, assistências, presença sempre inteligente. Decisivo. Faz diferença.

Claro, deixei propositalmente Messi e Neymar para o final, porque estão anos-luz à frente de todos os outros. Sem exceção. O argentino é de outro planeta. A bola gruda no pé dele. Quando a gente acha que já esgotou o repertório, inventa mais alguma traquinagem brilhante. Deixa zagueiros para trás sem pedir licença. Joga em alto nível há vários anos. Em oito temporadas, 24 anos, já tinha marcado 239 gols em 393 jogos, com média de 0,60 por partida (dados computados até 01 de novembro). O brasileiro é um "monstro da bola", como define Antero Greco. Dá gosto vê-lo jogar (tive o privilégio de acompanhá-lo em campo várias vezes) - é como se brincasse seriamente com a pelota, que carrega com maestria e elegância, a disparar dribles e passes, imprevisíveis, que os adversários ficam sem entender de onde e como saíram. Quando olham, Neymar já passou - e comemora mais uma arte. Amadureceu. É decisivo. Ganhou uma Libertadores praticamente sozinho, fazendo gol na final. Como novamente destaca Antero, "futebol é feito de hipérboles, de exuberâncias - e Neymar esbanja nesses quesitos". Em três temporadas, são 96 gols marcados, em 173 jogos - média de 0,55 por partida (também até 01 de novembro). Já é um dos principais artilheiros do Santos. E reverenciado por Pelé, o Rei do Futebol.

Na minha lista de cinco finalistas, Messi e Neymar estariam em 2011 acompanhados de Iniesta, Xavi e Suárez. Três finalistas apenas? O argentino, o brasileiro e Iniesta, como fiel escudeiro. O melhor do mundo?........ 

Messi, ainda um nível acima de Neymar. E deixa eu terminar bem rápido o texto, pois o dedo coçou muito para escrever Neymar. Mas aí seria (ainda) o coração santista falando. 

Messi foi o melhor do mundo em 2011.


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EM TEMPO - É um problema que ainda não consegui resolver - muitos dos leitores não conseguem postar comentários por aqui (somem na rede, sequer aparecem para a moderação). Não sei o que acontece, sinceramente. Para tentar minimizar o problema, para os que desejarem, peço por gentileza que encaminhem esses comentários para o meu e-mail (chicobicudo2@gmail.com). Repassarei essas contribuições para cá, com os devidos créditos. Lembrando sempre que não serão liberados comentários intolerantes, agressivos e preconceituosos. Muito obrigado!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O CÂNCER DE LULA E O ÓDIO DAS ELITES

Nem bem a notícia sobre o câncer de laringe de Lula havia sido dada, na manhã do último sábado, e as redes sociais e os espaços para comentários de leitores em diversos sites e portais já tinham sido lamentavelmente transformados em esgoto fedorento, tamanha a quantidade de falas torpes e abjetas que começaram a ser postadas. Não vou aqui reproduzi-las, para não oferecer ainda mais espaço e visibilidade gratuitos para o rancor e a ignorância (entendida precisamente como falta de informação ou de argumentos), mas o que veio à tona, de forma efusiva, foram comemorações e regojizos, a agradecer a doença do ex-presidente e a desejar a ele vida curta, dentre tantas outras barbaridades. 

O movimento foi tão brutal e desumano (às vezes penso mesmo se o ser humano merece ser chamado de Homo sapiens, aquele que pensa e sistematiza ideias com a razão...) que chegou a incomodar gente como o jornalista Gilberto Dimenstein, que, longe de ser um esquerdista (e de quem discordo na imensa maioria das vezes), apressou-se em publicar na WEB um texto onde reconhecia ter sentido "um misto de vergonha e enjoo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula. Fossem apenas algumas dezenas, não me daria o trabalho de comentar. O fato é que foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo". Tais ativistas de sofá, muitas vezes protegidos por anonimato e perfis fakes (quanta decência e coragem...), aproveitam-se de um drama humano para travar luta política, transformada ainda em guerra suja e lamacenta, da pior espécie, sem escrúpulos. 

Para Francisco Fonseca, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP), essa reação corresponde mais uma vez, e de forma cristalina, à ojeriza que as elites sempre manifestaram pela figura de Lula e por aquilo que ele representa - e os adeptos de tal tese encontraram na doença dele mais uma janela para a publicização desse rancor. "Não aceitam que um operário, retirante nordestino, sem a escolaridade formal tenha chegado à Presidência da República. Sempre que podem, buscam revanche. É disso que se trata. Claro que o governo Lula teve inúmeros problemas, mas também registrou avanços inegáveis. O Brasil mudou, para melhor. Mas as elites abandonam a discussão política e investem num forte preconceito social, de classe", avalia o pesquisador, em entrevista exclusiva ao Blog. 

No limite, o que as elites explicitam é por tabela uma visão limitada e utilitarista da própria ideia de democracia, já que um dos principais feitos das duas eleições de Lula foi justamente mostrar que a democracia brasileira vale para todos. Como bem lembra o jornalista Mino Carta, estamos afinal a falar de um segmento privilegiado e egoísta da sociedade, que sofre de "umbiguismo" crônico, de uma das elites mais arcaicas e retrógradas do planeta, que tem saudades da Casa Grande e defende ferozmente uma democracia para 20%, sem o povo a incomodar.

O professor da FGV/SP (também autor do livro "O consenso forjado", editora Hucitec, 2005, que discute o papel da grande mídia na consolidação da agenda neoliberal no Brasil) lembra também que, em termos políticos, o Brasil vive, desde o início dos anos 1990, a polarização ideológica entre PT e PSDB, que de alguma maneira reflete a oposição entre pobres e ricos. "É a divisão de classes traduzida em partidos, e o PSDB tem bandeiras fortemente elitistas, que vão aparecer e se manifestar publicamente nessas situações, como já havia ocorrido inclusive na campanha presidencial do ano passado, quando a candidatura de José Serra flertou perigosamente com temas obscuros e de natureza privada", confirma. 

Preconceito e ignorância se manifestaram também de forma igualmente asquerosa na campanha "Lula, vá se tratar no SUS", veiculada nas redes - e duramente criticada até mesmo pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem essa postura é uma espécie de "recalque, um equívoco que ele não endossa". Ora, quando tiveram graves problemas de saúde, Sergio Motta, Roberto Marinho e Ruth Cardoso buscaram tratamento em modernos hospitais privados (Albert Einstein, Samaritano (RJ) e Sírio-Libanês, respectivamente). Orestes Quércia também buscou o Sírio, onde também estiveram  internados Romeu Tuma e José de Alencar. Mario Covas foi atendido pelo sistema particular. E não coloco em questão as escolhas deles, fizeram as opções que mais acharam adequadas. É legítimo - e legal. Mas, assim como quem não quer nada, só por curiosidade mesmo, pergunto aos que defendem a campanha "Lula, faça o tratamento no SUS": o mesmo deveria ter valido para todos os outros aqui citados? A postura parece confirmar o preconceito e o ódio de classe: para quem pertence à elite, tudo bem, essa escolha é "natural", sem gritarias ou inconformismos. Já para o operário, que vem da plebe... "O argumento é novamente seletivo", destaca Fonseca. 

Outra questão: quem bate no peito e vocifera que Lula deve se tratar no SUS defende também com convicção e honestidade que o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Gilberto Kassab devam oficialmente renunciar a carros particulares e a helicópteros para se deslocar pela cidade de São Paulo apenas de metrô e de ônibus, respectivamente? Avaliem por gentileza a encruzilhada: porque busca tratamento em hospitais privados, Lula é "incoerente"; caso escolhesse o SUS, seria acusado de 'tirar vaga de quem realmente precisa'. E aí? Como faz? Para mim, é muito claro: é ódio de classe. Para estes, é melhor deixar o ex-presidente sem atendimento mesmo. 

Aliás, novamente, e sempre como curiosidade: por que o alvo dessa campanha tão "nobre, republicana e cívica" é apenas o ex-presidente Lula? Em artigo publicado na Agência Carta Maior, a jornalista Maria Inês Nassif escreve que "a obsessão da elite brasileira em tentar desqualificar Lula é quase patológica. E a compulsão por tentar aproveitar todos os momentos, inclusive dos mais dramáticos do ponto de vista pessoal, para fragilizá-lo, constrange quem tem um mínimo de bom senso. (...) Até na política as regras de boas maneiras devem prevalecer". E Paulo Moreira Leite, da revista Época, uma das raras vozes lúcidas que resta na mídia carcomida (mas que mostra que ainda há espaço para bom jornalismo na grande imprensa), chama a campanha de "hipocrisia" e lembra que "ironicamente, os mesmos adversários que impediram a manutenção de verbas para a saúde pública agora querem que o presidente se trate pelo SUS".  

O jornalismo, aliás, merece um parágrafo à parte nessa análise. Foi estarrecedor perceber que, menos de meia hora depois da confirmação do câncer, rádios e emissoras de TV, principalmente, já estavam a reverberar o mórbido cenário "pós-Lula" - além obviamente de muitos colunistas aproveitarem a oportunidade para reforçar o fato de o tumor ser "na garganta" (nas entrelinhas, torcendo mesmo para que a voz de Lula silencie), o resultado de uma vida desregrada e regada a goles (com associação nem sempre sutil com o alcoolismo) e a cigarrilhas. O jornalista Luis Nassif lembra que, não por acaso, em grande medida o ódio contra o ex-presidente Lula vem sendo estimulado por órgãos de imprensa - e por seus colunistas e especialistas. 

"São expressões mais acalentadas do elitismo de que falamos. A revista Veja é hoje a representante máxima e assumida da extrema-direita. Seus jornalistas são na verdade ideólogos, aquilo que o (Antonio) Gramsci (pensador italiano, 1891-1927) chamaria de intelectuais orgânicos. Meu palpite é que falam para uma audiência cada vez mais restrita, para guetos, para essas classes médias conservadoras", avalia Fonseca. Para ele, não há como não pensar em reforma da mídia. "Todo poder tem de ser controlado, democraticamente. É preciso seguir o exemplo da Argentina e combater, por exemplo, a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Não há democracia com concentração midiática", define.

E antes que as patrulhas reacionárias entrem em campo, uniformizadas e armadas até os dentes: não estou endeusando o ex-presidente Lula. Aqueles que acompanham o Blog conhecem bem as divergências (muitas delas de fundo) e críticas que tenho à chamada "Era Lula", quando avançamos, inegavelmente, mas quando também muitas vezes despolitizamos o debate e nos permitimos mover por messianismos, deixando portanto de avançar muito mais, em temas e áreas cruciais e prioritárias. Mas meus estranhamentos com o ex-presidente e com os dois governos dele são dessa natureza: política. E assim serão tratados, democraticamente, com argumentos, de forma civilizada e respeitosa. 

Neste momento, o que tenho sinceramente a dizer é: força, Lula! Estamos torcendo por sua pronta recuperação!