O primeiro bloco do Jornal Nacional, o principal telejornal da emissora de maior audiência do país, foi todinho dedicado à morte da cantora inglesa Amy Winehouse. Foram dez minutos em horário nobre - só para começar. O repórter Marcos Losekann entrou ao vivo, de Londres, com informações sobre o andamento das investigações a respeito das possíveis causas da morte. Teve o tradicional e desgastado (mas performático) "fala povo", com os fãs nas ruas cantando e uma adolescente brasileira falando sobre o legado de Amy para a música e a falta que vai fazer. Houve ainda espaço para uma também participação ao vivo de Elaine Bast, de Nova Iorque, repercutindo o acontecimento. Na bancada, no estúdio, Marcio Gomes e Renata Vasconcellos receberam o produtor musical Nelson Motta, que lembrou o envolvimento da cantora com as drogas e destacou que se trata de "uma crônica da morte anunciada". Sem perder tempo, uma chamada para o Fantástico de amanhã, quando o espetáculo deverá ser ainda mais estarrecedor - uma das questões fundamentais que será discutida é a da "idade maldita", já que outros ícones da música pop, como Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Jim Morrison e Janis Joplin também morreram aos 27 anos, assim como Amy.
Intervalo.
No segundo bloco, os ataques terroristas em Oslo, na Noruega, mereceram seis minutos de atenção do JN. Isso mesmo: quatro minutos menos que Amy (até aqui). E nenhum especialista na bancada, um cientista político ou analista de relações internacionais, para refletir sobre significados dos atentados. É verdade que o repórter Pedro Bassan trouxe informações ao vivo, da capital norueguesa, e Marcos Losekann, em matéria gravada, narrou os desdobramentos da investigação, a prisão do atirador (suspeita-se da participação de outros), que se auto-denomina um "cristão fundamentalista", já foi militante de partido de extrema direita e não aceita uma sociedade multicultural. Mas o assunto que, penso, segundo critérios jornalísticos (relevância, interesse público, universalidade, impacto), representa o fato do final de semana teve ainda de dividir as atenções do bloco com o sequestro do bebê em clínica privada do Rio de Janeiro e o GP da Alemanha de Fórmula 1, sem contar as chamadas do programa Esporte Espetacular de amanhã.
Basta? Não. Vem o último bloco. Assunto único novamente: Amy Winehouse, em mais 12 longos minutos. Matéria resgata a biografia da cantora, com fotos de criança, os primeiros shows, envolvimento com drogas e álcool, relações complicadas de amor e de ódio com o público, a perseguição dos paparazzi, a presença e a carreira nos Estados Unidos, a passagem pelo Brasil, as brigas com o namorado. Nova entrada ao vivo de Nova Iorque - desta feita, foi Rodrigo Bocardi. Mais Marcos Losekann, ao vivo, de Londres. Mais Nelson Motta, na bancada do estúdio, com obviedades. Entrevistas com os fãs brasileiros, em Natal e em São Paulo, em luto. Até terminar com o maior sucesso da cantora (confesso minha ignorância - não sei o nome da música, mas esse é um problema meu).
Total: 22 minutos para Amy (metade da edição), seis minutos para o horror na Noruega. Detalhe: no twitter, o tema "Amy Winehouse" é o mais discutido no Brasil - e também mundialmente. Mortes na Noruega? O tópico não aparece na lista.
Talvez esteja mesmo na hora de rever meus conceitos jornalísticos. Pode ser que minhas concepções estejam ultrapassadas, que os fundamentos da profissão tenham mudado, que a comoção se justifique, que a cobertura tenha sido adequada, que eu não tenha alcançado a importância da cantora, que Amy merecesse mesmo 22 minutos do Jornal Nacional. Talvez. Talvez.
Mas, como bom dinossauro jornalístico que sou, confesso que minha sensação é que a histeria e o entretenimento venceram a informação. E sinto muito pelo pessimismo momentâneo, mas terminei de ver o JN concordando com o genial escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura e morto em junho do ano passado (teve edição especial para ele?), que dizia com muita serenidade e convicção que o ser humano é um projeto fracassado.
Interesse público não é mais critério. Só se for o interesse do público que investe no JN.
ResponderExcluirNão sei, tudo parece tão confuso.
O jornal deve manter os valores morais tradicionais e não 'entrar na onda' do que é discutido da internet?...
O caso da Amy não deixa de ser alarmante, pois dependência química é uma doença muito grave para ser tratada com distanciamento. No entanto, ao invés de a questão do combate às drogas ser colocada em foco, o zoom é a vida desregrada da cantora, o 'glamour' envolvido - que vende.
É tudo tão triste.
Talvez se o fundamentalista da Noruega fosse muçulmano, de origem árabe e vinculado a alguma organização nos moldes da "Al Qaeda" a cobertura fosse diferente. Ademais, embora a Noruega esteja no mundo desenvolvido, o ocorrido não se deu nos EUA, que são o que realmente importa no contexto dos "mass media".
ResponderExcluirInfelizmente o grau de relevância para o JN nesse caso, foi definido pelo assunto que da mais audiência e não pelo que tem mais importância social. "Assustador!" As coisas mudaram, tornou-se mais importante, aquilo, que vende mais.
ResponderExcluirNão há dúvidas de que a noticia após virar mercadoria nunca mais teve como principal critério a informação de interesse público. Lamentavel.
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