segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A PRIVATARIA É TUCANA. O SILÊNCIO É MIDIÁTICO. E TAMBÉM PETISTA.

Acho difícil, mas, se dúvidas ainda restavam, a máscara caiu. Definitivamente. O silêncio venal da grande mídia carcomida a respeito do livro "Privataria Tucana", escrito pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr, revelou com requintes de crueldade que os jornalões, revistões e demais veículos midiáticos ditos "de referência" abandonaram lamentável e perigosamente o ideal do jornalismo como serviço público, uma narrativa destinada a garantir o direito à informação, para abraçar, sem escrúpulos e com convicção, as tarefas que deveriam ser cumpridas por partidos de oposição, de forma mais geral, e a defesa de uma figura política, mais especificamente - no caso, falamos do ex-governador paulista José Serra.

Nos dias que se seguiram à chegada de "Privataria Tucana" às livrarias, apenas a revista Carta Capital, a TV Record e o portal Terra se dedicaram a noticiar e repercutir as maracutaias patrocinadas por tucanos de plumagem nobre (José Serra à frente) durante os anos dourados (para alguns) de privatização vividos durante o governo FHC. O livro, diga-se de passagem, é bastante bem documentado (quase 1/3 da obra corresponde a reproduções de documentos oficiais, obtidos legalmente, e disponíveis desde muito tempo a qualquer um que estivesse disposto a investigar aquele período recente da história brasileira). 

Revela uma rede complexa de negociatas, tráfico de influência, pressões, pagamento de propinas, contas secretas em paraísos fiscais, desvio de recursos públicos (que foram parar em contas privadas). Em apenas um dia, foram vendidos 15 mil exemplares do livro; uma semana depois, já eram 30 mil exemplares. A obra entrou para a relação dos mais vendidos da semana na revista Veja (quanta ironia!) e, segundo estimativas da Geração Editorial, pode superar a marca dos 13o mil exemplares vendidos. No entanto, apesar de dar conta dos mais diferentes critérios jornalísticos de noticiabilidade - interesse público, atualidade, universalidade, impacto/alcance -, a exigir que o livro fosse debatido publicamente, o que a mídia velha fez foi se calar, talvez imaginando ingenuamente que o silêncio seria suficiente para abafar a discussão.

"Todos os colunistas e chamados 'formadores de opinião' da mídia, tal qual avestruzes, decidiram enfiar a cabeça no chão e fingir que o perigo, uma vez ignorado, poderia simplesmente deixar de existir", escreveu o jornalista Leandro Fortes, na matéria de capa de Carta Capital desta semana. "Assim, diante de um dos maiores fenômenos editoriais da história do Brasil, a velha mídia optou por um silêncio tão obsequioso quanto revelador. Em resumo, caiu a máscara da isenção e independência editorial que a maioria dos jornais e revistas insistiu em usar nas duas últimas eleições presidenciais", completou.

Não entenderam os barões midiáticos, no entanto, que junto com a máscara da imparcialidade, caíram também os monopólios das verdades. As redes sociais e a blogosfera, se não têm o poder e o alcance dos grandes veículos de comunicação, são já capazes de falar mais grosso, de comer pelas bordas e de furar os bloqueios dos discursos únicos, pasteurizados e combinados. A rede ofereceu mais uma evidência de que os assuntos que chegam/chegarão à esfera pública não serão mais apenas aqueles escolhidos e selecionados  pelos mandarins do jornalismo, expressão muito usada pelo jornalista Mino Carta.

"Trata-se da revelação final de que, incumbido de comandar uma marcha de insensatos, o baronato da imprensa nacional vive em absoluto descolamento com a realidade, encastelado em outro Brasil, bizarro e etéreo", continua Fortes, na Carta Capital.

Mas, para além da mídia que se cala, há ainda outro silêncio lamentável e perigoso nessa história toda - o do Partido dos Trabalhadores. Por muito menos, em outros momentos da história recente do país, parlamentares petistas já teriam ocupado tribunas da Câmara e do Senado para discursar contra a privataria, além de investir na coleta de assinaturas para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar as denúncias. Salvo engano, teria também o PT mobilizado as bases e os movimentos sociais para protestar contra a privataria. 

Os tempos, no entanto, são outros. O PT está no poder. Transformou-se no partido da ordem. E parece muito pouco disposto a levantar a voz contra descalabros cometidos durante a era FHC - a não ser em épocas eleitorais, como estratégia de marketing. A CPI da Privataria apareceu no Congresso por obra e iniciativa do deputado federal Protógenes Queiroz, do PC do B paulista, e tinha recebido, até o último final de semana, 173 assinaturas de apoio (duas a mais que o mínimo necessário para a instalação). Só o PT tem 88 deputados federais; se considerarmos a base governista, esse número ultrapassa facilmente os 350. Se houvesse vontade política e determinação do partido, a Comissão se transformaria rapidamente em fato consumado. Até porque não se trata apenas de criá-la - é preciso indicar presidente e relator, os membros permanentes e os suplentes e desenvolver efetivamente os trabalhos (buscar documentos, ouvir depoimentos, convocar os envolvidos...). Ou seja, politicamente, é preciso mais, muito mais que apoios no papel.

O presidente da Câmara dos Deputados, no entanto, caminha em sentido exatamente oposto. A ser verdadeira a informação publicada pela coluna "Painel" da Folha de São Paulo de 16 de dezembro (que não foi desmentida...), Marco Maia (PT/RS) apressou-se em tranquilizar os colegas tucanos, dizendo que "não há fato específico a justificar a criação da CPI". Para cerrar fileiras com gente como Reinaldo Azevedo ou Merval Pereira, por exemplo, só faltou dizer que o livro é uma "coleção de bobagens" e que Amaury "está sendo investigado pela Polícia Federal", na torpe tentativa de apenas desqualificar o autor do livro, sem contestar o conteúdo da investigação. Provavelmente o presidente da Câmara jogue com o fator tempo - o recesso parlamentar já é uma realidade. Em fevereiro, quando os trabalhos forem retomados, talvez a opinião pública já tenha esquecido a obra - e a CPI. Pode ser que Marco Maia - e o PT - calculem que, preservando os tucanos aqui, serão protegidos pelo PSDB mais à frente, quando denúncias atingirem o governo federal. É o pacto da mediocridade.

O PT acomodou-se, é verdade. Acovardou-se. É movido e agarra-se a um projeto de poder. Tem medo. Porque há outras perguntas a incomodar. O livro de Ribeiro Jr, afinal, faz referências nada elogiosas às nojentas disputas internas vivida pelo Partido dos Trabalhadores. Desnuda brigas intestinas dramáticas e traz à tona, com riqueza de detalhes, relações para lá de espúrias mantidas por xerifes que andam com a estrela vermelha no peito e - pasmem - colunistas nada progressistas abrigados nos grandes veículos de comunicação, em vazamentos de informações que se propõem apenas a destruir companheiros-inimigos. É o trágico fogo amigo. "No livro de Ribeiro Jr, o presidente do PT, deputado Rui Falcão (SP), aparece como vazador de informações da campanha de Dilma e epicentro de uma luta intestina contra o grupo de Fernando Pimentel, atual ministro do Desenvolvimento", alerta a matéria de Leandro Fortes.

Será que o aprofundamento das investigações sobre a privataria tucana levaria também a descobertas escabrosas sobre o universo petista? É uma dúvida - que, a depender da disposição do governo federal e dos representantes do PT no Parlamento, permanecerá sem respostas.  

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