quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

JORNALISMO, UMA PAIXÃO. DESDE SEMPRE.


O final de mais um semestre letivo, a semana de defesas de Trabalhos de Conclusão de Curso na universidade e a (para mim) surpreendente vitória acachapante, em primeira votação ocorrida no Senado,  da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que resgata a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão me levam a escrever sobre algo que já vinha transitando entre os neurônios, o coração e os dedos inquietos: minha paixão pelo Jornalismo.

As lembranças sobre a infância não são lá tão nítidas ou bem organizadas, mas sou capaz de afirmar, com pouca margem de erro, que foi lá pelos dez, onze anos, na entrada daquilo que era chamado de ginásio, que anunciei aos meus pais e professores, em alto e bom som: "vou ser jornalista".

Antes disso, ainda, nas eleições para governador, passei o dia da votação (acho que ainda acontecia no feriado de 15 de novembro; o ano era 1982, finalzinho da ditadura, portanto) brincando de "entrevistar" candidatos que concorriam ao cargo em São Paulo. Eu perguntava, e eu mesmo respondia, procurando imitar as vozes e aquilo que eu considerava que seriam os caminhos das respostas de Franco Montoro, Lula, Jânio Quadros, alguns dos que participaram daquela disputa. As imitações, claro, eram sofríveis, lastimáveis. Mas ali já se manifestava a empolgação de um pré-adolescente com o universo do Jornalismo. Vinha à tona também um encanto explícito pela política, outra de minhas paixões escancaradas.

A disposição manteve-se durante todo o ginásio e estendeu-se pelo colegial (atual ensino médio). De certa forma, sou capaz hoje de entender que fui aos poucos, naquele momento sem perceber, me preparando para o Jornalismo. Enfrentei os clássicos da Literatura e da Política, passei a escrever, escrever, escrever e escrever, desenfreadamente (o Jornalismo sempre foi para mim palavra escrita). Aproveitei cada oportunidade que se abriu, nas aulas de Redação, para produzir textos informativos e dissertativos. 

Já ali, sentava no chão e sujava os dedos folheando e lendo os jornais e revistas que eram assinados ou comprados por meu pai. Lembro de gastar mais tempo com as notícias de Política, Esportes e Internacional. Queria entender o mundo. Só. Fiquei preocupado com a Guerra das Malvinas, vivi muito de perto a Campanha das Diretas, deixei de ir à praia em São Vicente em um domingo para lá de ensolarado para acompanhar pela TV a eleição indireta do presidente Tancredo Neves, sofri com as derrotas do Brasil nas Copas do Mundo de 1982 e 1986, tive raiva dos Estados Unidos quando bombardearam a Líbia, ouvi pelo radinho, no intervalo da escola, o anúncio do Plano Cruzado e fui para as ruas e chorei muito com a derrota do Lula no segundo turno da eleição presidencial de 1989.

Fiz as provas dos vestibulares (foram três, o da ECA/USP, o da PUC/SP e o da Cásper Líbero) entre o final de 1989 e o início de 1990. Nos três, escolha única, cravada: Jornalismo. O sonho ecano se concretizou. Na primeira semana de aulas, levei um choque quando um professor, renomado profissional de mercado, gastou a aula toda para desconstruir os sonhos da turma e para dizer que deveríamos esquecer as utopias, pois as notícias poderiam ser comparadas a qualquer outro produto, daqueles escolhidos em qualquer prateleira de qualquer supermercado. Na hora, fiquei revoltado; hoje, consigo compreender. Em certa medida, ele tinha razão, nos tirou de uma certa zona de conforto. Provocou. Mas não arredei pé. Não desisti. Jornalismo, para mim, continuava sendo uma paixão, um caminho possível para contribuir com a transformação da sociedade. Ingênuo? Pois é assim que penso até hoje.

Durante a graduação, procurei aproveitar ao máximo as aulas e aquilo que os professores tinham a nos dizer. Anotava. Perguntava. Participava das discussões - e era cada polêmica...  A turma era muito bacana. Lia - muito, os textos e os livros indicados e recomendados, outros tantos que escolhia na biblioteca. E achava sempre que era pouco. Mergulhava nos trabalhos, como se fossem únicos. Virava noites digitando em máquinas Olivetti praxis ou em computadores com telas pretas e letras verdes. Comendo pizza, fechamos muitas edições do "Jornal do Campus", que depois distribuíamos animadamente pelos pontos de ônibus da Cidade Universitária. Sentia-me muito importante como repórter da Agência Universitária de Notícias - e vibrávamos quando recebíamos nossas matérias publicadas por jornais de bairro e do interior. Vivi a universidade (as festas, as semanas de Jornalismo, aulas em outras unidades, as quadras do Cepeusp, as conversas nos corredores, a lanchonete, o Centro Acadêmico...) para além das paredes das salas de aula. 

Tive aulas ruins, é verdade, faltou equipamento, muitas vezes fiz cara de ponto de interrogação e me perguntei "por que afinal preciso saber isso?". Conheci enrolações. Em algumas aulas, até dormi. Mas tive grandes mestres. É neles que até hoje procuro me espelhar. O curso foi fundamental para minha formação crítica, ética e humanista. Aprendi a apurar, a pesquisar, a entrevistar, a pensar uma matéria, a transitar pelos meandros singulares do texto jornalístico. Foi uma etapa mais que relevante - e por isso sou ferrenho e confesso defensor da obrigatória formação específica em nível superior para o exercício do Jornalismo. O curso é espaço privilegiado de formação. O diploma é consequência direta dele. 

E foi ainda na graduação, na noite da defesa do meu Trabalho de Conclusão de Curso (um perfil de Helena Pereira dos Santos, presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo), apresentado em 13 de dezembro de 1994 (quando o Ato Institucional 5 completou 26 anos), que conheci a Elisa, minha futura esposa-companheira, mãe da Luiza e do Daniel, minhas três paixões supremas.

Nestes mais de 20 anos de profissão - comecei a estagiar ainda no primeiro ano da faculdade -, só fiz reforçar minha paixão pela profissão. Tive apenas uma passagem breve e pontual pela grande imprensa - frilas para o Almanaque Abril, em 2001. Reconheço com muito respeito e profunda admiração que há jovens e mais experientes jornalistas que fazem belíssimos trabalhos nas redações dos grandes veículos, com muita ética, dignidade e competência, seja em jornais, revistas, emissoras de TV e rádio e na internet. São profissionais importantíssimos, pois sabem atuar nas brechas do sistema. O problema está mesmo em mim - não sou capaz de lidar bem com essa perspectiva de notícia-mercadoria. 

Por conta disso, não foram poucos os que me perguntaram, desde sempre: "está louco? Se não vai trabalhar na Veja, na Folha ou na Globo, vai fazer o quê? Morrer de fome?". Tentei construir outros caminhos. Escorreguei, errei, sofri, fiquei agoniado, levantei, aprendi. Muito. Continuo aprendendo. Quero aprender sempre. Não fiquei rico, é verdade. Mas também não morri de fome. Atuei em sindicatos, ONGs de direitos humanos, emissoras universitárias, hospital público, universidade pública, até me descobrir um apaixonado pelas histórias da Ciência - e é no jornalismo científico que busco abrigo atualmente, como repórter colaborador de diversas publicações. Fiz a dissertação de mestrado sobre a imprensa alternativa (revista Caros Amigos), que depois se transformou em livro. Lancei outra obra, sobre Saúde, um paradidático dirigido a alunos do ensino médio. Comecei a dar aulas - a docência e a sala de aula, outras paixões. 

Se mudei minhas convicções e se abandonei meus sonhos e utopias, como sugeriu aquele professor que encontrei na primeira semana de aulas da faculdade? Ao contrário. Porque afinal, como diria Nelson Rodrigues, "sem paixão não se chupa nem um picolé". Para um ariano, essa é uma verdade incontestável. Para mim, o Jornalismo, grande contador das histórias do mundo contemporâneo, continua sendo elemento libertador de consciências, exercício permanente de reflexão, aquele que coloca ideias diversas em debate e atua para garantir o direito à informação. Longe de ser neutro, existe, como costuma dizer Mino Carta, "para dar voz àqueles que não têm voz, para resgatar os oprimidos e os menos favorecidos, para ajudar a registrar e documentar também as histórias dos vencidos". É pilar fundamental de sustentação da democracia. Jornalista é aquele que se move por uma louca curiosidade, um desejo manifesto e incontido de descobrir (e de mudar) o mundo; é aquele que sabe ouvir, anotar, registrar, observar - para finalmente compartilhar essas narrativas. É sujeito que presta serviço público. "A melhor profissão do mundo", como define o genial Gabriel García Márquez.

Entre aulas das diferentes disciplinas e pautas de Ciência, acabei descobrindo recentemente as redes sociais - novamente por conta do debate político. Daí para o Blog foi um pulo. É um prazer aproveitar esse espaço contra-hegemônico de construção e desconstrução, como bem define o colega Alceu Castilho, para exercitar o Jornalismo - e para refletir sobre o Jornalismo. A tarefa é gratificante. Apaixonante.

21 comentários:

  1. Nossa!! Me emocionei com o sue texto.
    Eu também tenho uma paixão, um pouco tímida pelo Jornalismo, que venho amadurecendo ao longo do meu curso.
    Fui sua aluna na Anhembi Morumbi, e nesse tempo, aprendi bastante com você. Ficava de boca a berta admirando sua capacidade e inteligência para nos ensinar.
    É devido a profissionais como você que acredito que com o nosso trabalho podemos mudar o mundo.
    Adorei... Parabéns!

    Patrícia Guedes

    ResponderExcluir
  2. Certamente você foi um dos grandes mestres que tive na faculdade!!
    Lindo texto!!

    ResponderExcluir
  3. Não tenho o que dizer Chico, grande professor, obrigado por tudo sempre!

    Kauê Vieira.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom...cheguei a ficar arrepiada e emocionada! Usou as palavras certas, jornalismo é mesmo paixão.

    ResponderExcluir
  5. Chico! Sensacional! Muito bom mesmo ver essa declaração de amor à nossa profissão, tão maltratada e degradada. Eu também faço questão de manter o idealismo. Cada vez mais.

    Como você sabe, eu estava presente na aula daquele professor do primeiro ano. (Ele devia ter a idade que temos agora... acho inconcebível nos imaginar falando aquilo para alunos hoje).

    Minha conclusão é que o jornalismo para o qual ele trabalhou toda a vida, infelizmente não serve para nada, a não ser para perpetuar as iniquidades dessa sociedade tão triste e tão atrasada.

    Serviu para outra coisa também: ele conseguiu ganhar dinheiro. Sei que hoje, em apenas um dos seus (provavelmente vários) trabalhos de consultoria ele fatura 30 mil por mês.

    Foi bem sucedido como vendedor da sua mercadoria enquanto jornalista e consultor. Mas, como professor, o melhor que ele conseguiu foi deixar um belo anti-exemplo. Aqui estamos nós - eu, você, Alceu e outros - para comprovar: ex-alunos que seguem exatamente o contrário dos conselhos do mestre.

    Abs!

    ResponderExcluir
  6. Professor, faço minhas as palavras da Jaqueline, kauê, Patricia e tantos outros. Acho que um dos méritos do jornalista/jornalismo é conseguir transformar as pessoas e fazê-las refletir sobre as coisas importantes e vc faz isso com maestria #grandemestre

    ResponderExcluir
  7. Discordo do trem do diploma... mas porra, se todos que forem a favor escreverem do mesmo jeito que você eu tô lascado. Bela pena, Chiquinho. E... ó.... dessas histórias narradas aí no texto eu tô presente nalgumas... quem quiser pode me mandar email e eu conto cenas pitorescas desta bela história.

    Grande amigo, esse Chico.

    Beijo, meu rei.

    ResponderExcluir
  8. Chico, não sei se as palavras podem transmitir o que te ler agora significou para mim, mas vou tentar. Melhor do que me identificar com suas linhas é ser estimulada por elas. Muito bonito conhecer um pouco mais da sua trajetória, hoje em dia você é sim um transformador, excelente professor, didático, competente e com um raciocínio e ética admiráveis. Parabéns por não ter traido suas convicções, não ter sido engolido pelo sistema, ter reciclado o seu ciclo. Agradeço muito as aulas e o conhecimento que compartilha conosco, obrigada por ser exemplar.

    ResponderExcluir
  9. Uauuuuu!!!! Que texto! Tem alma, cheiro, cor, imagem, som. Ah, e uma (re)visão, (re)avaliação da vida. Parabéns! Fabia Dejavite

    ResponderExcluir
  10. Filho-sei bem de seu entusiasmo pelo jornalismo e por tudo que fez e faz.Sem dúvida,nada mais gratificante que fazermos aquilo que realmente gostamos.E você ,em tudo que faz, é um apaixonado.Emocionado com as palavras de seus alunos:isto é gratificante.Siga em frente;defenda sempre seus ideais;seja sempre o nosso Chiquinho tão querido:a primeira das jóias de dois jovens que, hoje,já embalam as joinhas de suas jóias.
    beijos,
    seu pai.

    ResponderExcluir
  11. Professor, professor...
    Que lindo texto.
    Belo presente de Natal vc nos deu.

    Muito Obrigada.
    Grande abraço, Alê Marques.

    ResponderExcluir
  12. K.I.K.O.(ERA ASSIM QUE VOCÊ SE CHAMAVA,LEMBRA?)
    PARABÉNS! SIGA EM FRENTE BATALHANDO PELOS SEUS SONHOS ATÉ QUE ELES DEIXEM DED SER SONHOS E SE TORNEM REALIDADES.TEMOS EM COMUM O AMOR QUE DEDICAMOS A TUDO O QUE FAZEMOS.SEM O CORAÇÃO NÃO SE PODEMOS CONSTRUIR O MUNDO MELHOR QUE PROCURAMOS.

    ResponderExcluir
  13. Chico, seu texto traduz o que sinto, emocionei- me lendo suas palavras. Todas as pessoas deveriam escolher uma profissão tomadas por esse Amor que você, eu e outros felizardos sentem. Há alguns meses escrevi um texto falando sobre o quanto as pessoas são indelicadas ao sugerir uma profissão simplesmente porque ela parece ser mais rentável ou, hipocritamente, porque tem status. Gostaria de humildemente compartilhar. Já que estamos muito felizes com nossa profissão! http://lucirrodrigues.blogspot.com/2011/02/o-que-leva-alguem-duvidar-de-uma-paixao.html

    ResponderExcluir
  14. grande Chico! Que bom termos pessoas éticas para apresentar à sociedade outro conjunto de informações - e pontos de vista. Fico feliz de ter vivido, como colega de ECA, parte dessa sua trajetória. Longa vida aos nossos blogs!

    ResponderExcluir
  15. Pena que durante os anos de faculdade não pude perceber a pessoa maravilhosa que você é. Talvez pela preocupação com as notas, pela relação aluno-professor ou apenas por questão de amadurecimento. Mas agora consigo perceber o quanto fui feliz tendo você como professor, um apaixonado convicto pelo jornalismo. Parabéns pelo texto maravilhoso.

    ResponderExcluir
  16. Professor, professor e professor...

    Desculpa a expressão, mas você é Foda, Bicho!!! rsrs

    Para aqueles que entenderam bem o que você disse, ou mesmo para aqueles que são tão apaixonados por algo, assim como você é pelo o jornalismo, é IMPOSSÍVEL não ler o seu texto com um puta sorriso na cara...! ANIMAL!

    Eu me lembro o primeiro dia que eu colocquei a minha bunda na cadeira e a professora começou a falar sobre o que era ser jornalista, de imediato, eu senti que ali era o meu lugarm saca? Eu senti pela a primeira vez na vida que eu poderia fazer a diferença em algo, que eu poderia conciliar o gostar com o trabalhar. Daquele dia em diante, eu me considero sim muito feliz pelo o simples fato de poder APRENDER e EVOLUIR durante todo o tempo. Isso tudo é muito louco...! Não existe fórmulas pra chegar lá. O fato de tentar entender as coisas... Tudo muito louco...!

    Eu acho que isso casou um pouco com o seu texto e possivelmente foi isso que fez com que eu o lê-se com um sorrisão na cara...!

    ANIMAL, professor... ANIMAL o texto e você é FODA! rsrs
    Você sabe muito bem o que eu penso de Ti e sim, eu te elevo a condição de um dos meus Mestres.

    Sensacional, Professor... Sensacional...!

    E Da-lê TRICOLOR! rsrs

    Abração!

    ResponderExcluir
  17. Boa, professor. Sempre contra a manada. E indo adiante, apesar das trombadas.

    ResponderExcluir
  18. É animador seu texto, professor. Também acredito que o jornalismo seja uma forma de tentar melhorar esse mundinho em que vivemos. Temos muito trabalho a fazer. Viva o jornalismo, hoje e sempre!
    Obs: Acho 4 anos de curso pouco, podia ser mais.

    ResponderExcluir
  19. Olá!
    A minha professora de Ética e Bases Humanas, Adriana Ferreira, passou para a minha sala de Jornalismo o seu texto. Também acredito que Jornalismo seja a melhor profissão do mundo. Encontrei no seu texto, os motivos por que eu escolhi essa tão magnifica profissão. Ainda estou aprendendo, e sei que tenho um longo caminho pela frente.Mas, textos como o seu são inspiradores! Obrigada e deixo aqui meus parabéns por este magnifico texto.

    Giu Capobianco.

    ResponderExcluir
  20. Entrei no jornalismo em decorrência de um trabalho voluntário e ante a possibilidade de agir no interesse público. Continuo feliz com minha escolha, com diploma e tudo, e compartilho de suas ideias. Parabéns, beleza, vá em frente. E desses jornalistas que o brasileiro precisa.

    ResponderExcluir