segunda-feira, 18 de abril de 2011

LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE? NÃO. É A FRANÇA DA INTOLERÂNCIA.

Os ventos que sopram da França são pouco animadores. Viajam pelo mundo carregados de preconceitos e de comportamentos intolerantes, invariavelmente institucionalizados e transformados em leis e políticas públicas pelo governo do presidente Nicolas Sarkozy.

No último dia 11 de abril, entrou em vigor no país a lei que proíbe que as mulheres muçulmanas usem em público véus que cubram os rostos delas. O governo francês alega que, com a medida, pretende proteger a condição feminina (parte do princípio que o uso se dá por imposição dos homens, maridos ou pais); afirma ainda que seria uma forma de garantir o princípio do Estado laico. A punição para aquelas que descumprirem a nova legislação envolve multa de 150 euros e aulas de cidadania. 

Se o propósito de Sarkozy e sua trupe fosse de fato estabelecer a igualdade de gêneros, deveriam preocupar-se com outras questões (violência contra a mulher e salários desiguais, apenas para citar duas vertentes). Mais: será mesmo que apenas os homens muçulmanos são machistas e tentam controlar as vidas de suas companheiras, impondo a elas hábitos e costumes? Entre os católicos franceses, por exemplo, estão absolutamente bem resolvidas as assimetrias entre homem-mulher? A discussão parece desfocada.

Caso a outra motivação fosse mesmo fazer valer a laicidade, e adotando a linha de raciocínio "sarkozyniana", não deveria o governo proibir também a exposição de outros símbolos religiosos, como crucifixos e a estrela de David, em quaisquer lugares públicos? Por que o alvo é apenas o véu islâmico? Estado laico é aquele que não abraça religião alguma e pressupõe o livre arbítrio, a diversidade de crenças e espiritualidades, sem privilégio para nenhuma delas - incluindo o direito de ser ateu - e a convivência democrática entre todas as práticas. Não significa, em hipótese alguma, cerceamento e perseguição a uma religião específica. Se for assim, o Estado toma partido e faz opção - e obviamente deixa de ser laico. E o que se configura claramente com essa lei é a demonização dos diferentes, nesse caso representados por um grupo bem definido e focado, os muçulmanos, não raro e não por acaso vistos ainda como perigosos, por serem também "potenciais terroristas". É uma imagem que o Estado francês, ao agir com tal truculência e sectarismo, ajuda a reforçar no imaginário popular.

Fico imaginando o que as autoridades públicas francesas desejam "ensinar" nas tais aulas de "cidadania" previstas pela legislação às mulheres que ignoram a determinação e insistem em usar os véus... Será que esse espaço não será usado para verdadeiras lavagens cerebrais e exercícios velados (ou não) de pressões e do terror, mostrando às mulheres que ou elas passam a seguir as regras do jogo ou estarão sujeitas a punições e à execração pública, correndo risco, no limite, de ter de deixar o país? Não seria  muito mais uma (nem tão) sutil forma de coagi-las e de aculturá-las, pregando as supostas virtudes e superioridades dos valores e princípios de vida ocidentais e desqualificando o atrasado Islã? 

No domingo, 17 de abril, outra demonstração de intolerância: o governo francês fechou as fronteiras e impediu a passagem - e o desembarque - de um trem saído da Itália que transportava imigrantes africanos (a maioria tunisianos), que têm desesperadamente buscado refúgio na Europa por conta das crises enfrentadas pelos países de origem árabe do norte da África. Em agosto do ano passado, centenas (segundo versões oficiais) de ciganos que viviam na França foram expulsos do país e deportados principalmente para a Bulgária e a Romênia. Pouco antes, no dia 20 de julho, em discurso feito na Secretaria de Segurança Pública da cidade de Grenoble (sudoeste do país), o presidente francês já havia reforçado o viés xenófobo de seu governo ao estabelecer associação direta entre imigrantes e delinquentes e ameaçar "retirar a nacionalidade francesa de estrangeiros que cometessem crimes contra autoridades públicas ou funcionários de segurança do país". As iniciativas foram duramente condenadas pelo Comitê para Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas (ONU).

O roteiro perseguido por Sarkozy é velho conhecido - e extremamente perigoso: diante de um cenário de crise econômica e de perda de popularidade, e vislumbrando as eleições presidenciais marcadas para 2012, apela para um nacionalismo mambembe e excludente, que faz do estrangeiro o invasor responsável por todas as mazelas e dificuldades vividas pelo país.

Em artigo publicado na Revista Espaço Acadêmico no já distante ano de 2002, o cientista político Antonio Inácio Andrioli analisava com muita propriedade a xenofobia que voltava a  assustar a Europa. As reflexões apresentadas naquele momento revelam-se infelizmente ainda atuais e podem ser lidas à luz singular do que acontece na França. Escreve o pesquisador que "idéias que se tinha como fora de moda, absurdas e retrógradas, podem novamente vir a ser atuais e modernas. Isso significa que as idéias não morrem pelo simples decurso do tempo e que, em conformidade com o espírito de uma época, podem retornar". Segundo ele, "é mais fácil responsabilizar os estrangeiros pelo desemprego, pela criminalidade e pela insegurança, do que entender as complexas razões dos problemas. As soluções apresentadas são, então, também bem simples e conduzem à xenofobia, quando os estrangeiros são tratados como concorrência indesejada". 

Os estragos patrocinados por Sarkozy podem ser ainda maiores: de acordo com pesquisas eleitorais divulgadas recentemente, a candidata da Frente Nacional (o partido da extrema-direita), Marine Le Pen, filha de Jean-Marie Le Pen, alcançaria cerca de 25% dos votos no primeiro turno, caso a disputa acontecesse hoje, e chegaria à frente de todos os demais postulantes ao cargo (incluindo Sarkozy). Beneficiada pela xenofobia que se alastra, Marine mantém fidelidade aos pressupostos defendidos pelo pai, mas apresenta-se com um verniz moderno e com fala mais suave e sedutora. Em entrevista à Folha de São Paulo (disponível para assinantes), o historiador francês Michel Winock reforça que "a natureza da Frente Nacional não mudou nada, mas Marine Le Pen conseguiu alterar e rejuvenescer sua imagem". Trata-se portanto de uma figura política ainda mais perigosa que o pai.   

É tarefa obrigatória acompanhar muito de perto o que acontece na França. Os ventos que nascem lá não demoram a influenciar outros países europeus - e terminam por atravessar o oceano Atlântico e desembarcar também por aqui. Foi assim com a Inconfidência Mineira, lembrada nesta semana por conta da passagem de mais um 21 de abril, e fortemente influenciada pelos ideais iluministas que impulsionariam também a Revolução Francesa de 1789. 

Um comentário:

  1. Na Suiça foi proibido que sejam construídos minaretes, tradicionais torres que compõe a arquitetura das mesquitas (templos islâmicos).
    A burca e niqab devem ser opcional. Eu particularmente sou contra o uso.

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