Neste domingo, Primeiro de Maio, não serão poucos os que irão praguejar e dizer "droga, caiu num final de semana, perdemos o feriado"; outros se lembrarão, com justiça, da morte do piloto Ayrton Senna no circuito de Ímola, na Itália, em 1994. Já as centrais sindicais brasileiras comemorarão a data com shows pirotécnicos e multidões artificialmente arrebanhadas e reunidas nas praças, interessadas nos artistas e cantores presentes e nos sorteios realizados. Será que nos discursos que serão feitos entre uma apresentação e outra alguém se lembrará de destacar os verdadeiros significados políticos da data?
Em Primeiro de Maio de 1886, em Chicago, uma das principais cidades industriais dos Estados Unidos, centro importante do setor automotivo, os trabalhadores tomaram conta das ruas da metrópole para exigir a civilização das relações de trabalho: redução da jornada, aumento de salários, descanso semanal, direito às férias. O movimento evoluiu para uma greve geral. A resposta das autoridades públicas: polícia nas ruas, truculência, repressão, terror e tiros - e oito operários assassinados, além de outros tantos presos e posteriormente enforcados. Três anos depois, em 1889, o congresso da Segunda Internacional Socialista, realizado em Paris, estabeleceu oficialmente o Primeiro de Maio como Dia Internacional dos Trabalhadores, numa homenagem aos que tinham tombado em Chicago.
Durante muito tempo, várias décadas mesmo, a data representou momento simbólico e prático relevante de reflexão política e de organização das lutas dos trabalhadores. Graças aos ventos do neoliberalismo, à crise de identidade e de projetos das esquerdas e à rendição de boa parte dos partidos comunistas e socialistas ao "deus mercado", o Primeiro de Maio foi sendo gradativamente esvaziado de sua dimensão ideológica e histórica - e inflado em sua perspectiva festiva e alienante.
Como exercício de resistência e de contra-hegemonia, impõe-se como mais que urgente a tarefa de resgatar o Primeiro de Maio como instrumento de lutas. Afinal, apesar dos avanços importantes conhecidos pela sociedade brasileira nos últimos anos, 1,2 milhão de crianças com idade entre 5 e 13 anos trabalham no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, foram feitas quase 35 mil denúncias sobre trabalhadores vivendo em situação de escravidão no país, entre 1996 e 2005. Levantamento divulgado pelo Ministério do Trabalho (2006) revelou que os salários dos brancos são quase 60% maiores que os recebidos pelos negros. Apenas em 2010, foram assassinados 34 trabalhadores rurais no Brasil (dados também da Comissão Pastoral da Terra).
Mais: não é errado afirmar que, noves fora os benefícios que carregam, as novas tecnologias têm sido invariavelmente usadas pelo capital como mais um instrumento de controle e opressão sobre o trabalho. A reificação das máquinas (computadores à frente) é uma marca do nosso tempo. Ambientes domésticos se transformam em extensões permanentes dos locais de trabalho, o trabalhador sempre à espera de um e-mail importante, de uma ligação que não pode ser adiada, de um relatório que precisa ser entregue "para ontem", de um chamado iminente do chefe para uma reunião urgente e inadiável. Atenções e afetos com filhos e namorado(a)s, esposas, maridos, amigo(a)s são relegados a segundo plano. O tempo dedicado ao sono se reduz a algumas poucas horas, não raro tensas, na expectativa do que se irá fazer no dia seguinte. Será que vai dar tempo? O trabalho invade o final de semana, que praticamente já quase não existe. A "máquina" corpo humano não desliga - e sofre com estresse, depressão, desânimo, doenças por esforço repetitivo, angústias e uma permanente sensação de cansaço...
"Essas mudanças afetaram muito o mundo produtivo e a forma de ser do trabalho, abalando violentamente a classe trabalhadora, o sindicato, os partidos de esquerda. Entre tantas conseqüências desse “vulcão” está a precarização estrutural do trabalho. Venho trabalhando com a idéia de que essa precarização do trabalho que estamos vivendo não é circunstancial, mas sim estrutural, assim como o desemprego, que também não é circunstancial, é estrutural. E por que é um desemprego estrutural? Porque o capitalismo tem uma lógica destrutiva, ele cresce destruindo, destrói o ambiente, destrói a natureza, destrói a força humana de trabalho e destrói pela guerra, o sistema precisa destruir para poder se alavancar. Esse traço afetou bastante a classe trabalhadora", analisa Ricardo Antunes, sociólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista disponível no site da editora Boitempo.
Para ele, não adianta apenas berrar e vociferar palavras de ordem - é preciso compreender a profundidade do funcionamento do sistema nesses "novos" tempos e organizar lutas radicais, que questionem as raízes das desigualdades.
Como modesta contribuição a essa tarefa, sugiro uma (re)leitura crítica do clássico "Manifesto Comunista", escrito por Karl Marx e Friedrich Engels e publicado em 1848 - há mais de 170 anos, portanto. Escrevem os dois pensadores: "onde quer que tenha assumido o poder, a burguesia pôs fim a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. (...) Substituiu a exploração, encoberta por ilusões religiosas e políticas, pela exploração aberta, única, direta e brutal. (...) A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produção e, por conseguinte, as relações de produção e, com elas, todas as relações sociais. (...) A necessidade de um mercado constantemente em expansão impele a burguesia a invadir todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. (....) Força todas as nações, sob pena de extinção, a adotarem o modelo burguês de produção; força-as a adotarem o que ela chama de civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem".
Reflexões ultrapassadas, superadas pelo tempo? Ao contrário - são atualíssimas. E, vistas com olhar crítico e sob perspectiva histórica, sem que signifiquem modelos ou cartilhas, podem representar um bom ponto de partida para debates públicos e para o necessário resgate dos valores políticos do Primeiro de Maio.
O amado, temido, odiado e adorado Karl Marx é sempre fonte de reflexão e de possibilidade de mudanças. Que o digam os EUA, que na sua recuperação da crise de 1929 aceitaram a colaboração das teorias do pensamento marxista para tentar domar a selvageria do capitalismo... Não há dúvida de que a participação maior do Estado a induzir a economia tem um quê de teoria marxista. Até mesmo para os super-capitalistas Marx tem utilidade, portanto.
ResponderExcluirExcelente lembrança para as vésperas de um dia 1º de maio.
Chico, muito bom o texto. Gostei da parte q fala dos computadores dominando nosso ambiente, a casa, o final de semana, a angústia. De fato, é isso mesmo.
ResponderExcluirBeijo grande pra esta família trabalhadora, e parabéns pela LuiLui, bela escreitora.