sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

254 HOMOSSEXUAIS ASSASSINADOS NO BRASIL EM 2010. TRISTE RECORDE.

A senadora Marta Suplicy conseguiu desarquivar no Senado, no último dia 8 de fevereiro, o projeto de lei (PLC 122/2006), que criminaliza a homofobia e iguala essa prática ao racismo. A proposta, originalmente apresentada pela então deputada federal Iara Bernardi, também do PT de São Paulo, tinha sido aprovada na Câmara dos Deputados em dezembro de 2006 e voltará agora a ser apreciada pelos senadores, inicialmente nas comissões de Direitos Humanos e de Constituição, Justiça e Cidadania, antes que possa ser votada em plenário.

É um passo importante na luta pelo respeito irrestrito aos direitos dos homossexuais, que sofrem com as perseguições e os preconceitos que se revelam em diferentes segmentos da sociedade (poder judiciário, forças armadas, religiões) e que se manifestam em distintos espaços públicos (escolas, ruas e avenidas, shopping centers, clubes e estádios). 

As raízes dessa intolerância estão conectadas ao machismo colonial e ao desejo de manter a supremacia branca no Brasil, principalmente depois da Independência, em 1822, e da abolição da escravatura, em 1888. Em reportagem publicada pela revista Pesquisa Fapesp, o sociólogo Richard Miskolci, estudioso do tema, usa como um dos exemplos desse projeto "branco-machista" o livro "O Ateneu", de Raul Pompéia, um clássico do movimento realista no país. 

Para o especialista, a obra revela como o "fantasma a assombrar os homens de elite parece ser – muito mais do que o desejo pelo mesmo sexo – a possibilidade de ser tratado, ou maltratado, como uma mulher. O romance de Raul Pompeia, datado de 1888, mostra, assim, como ocorre o disciplinamento da masculinidade: há práticas “pedagógicas” violentas, combatendo e desqualificando qualquer traço de personalidade que pudesse ser associado ao feminino. Ou seja, mais que a homossexualidade, o que se pretende conter, pelas lentes de O Ateneu, é a existência de “efeminados”. 

Disposto a colaborar com o debate e acreditando sempre na informação como instrumento de transformação e de superação dos preconceitos, o blog conversou, com exclusividade, com o antropólogo Luiz Mott, paulistano, 65 anos, formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e um dos fundadores do Grupo Gay da Bahia (vive em Salvador há 32 anos e é professor aposentado de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, a UFBA). 

Nessa primeira parte da entrevista, ele fala sobre crimes cometidos contra homossexuais, analisa as origens e razões da intolerância e enumera ações para superar a truculência, além de condenar a polêmica a respeito dos kits contra a homofobia produzidos pelo Ministério da  Educação e que deverão, com apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), ser distribuídos em seis mil escolas públicas do país. "Esperamos que a presidenta Dilma tenha a sensibilidade necessária e vontade política para avançar no enfrentamento das ameaças que estão colocadas para os homossexuais", diz.

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Aumento da violência contra homossexuais e visibilidade midiática
"De todas as chamadas minorias, os gays, lésbicas e travestis são as principais vítimas da intolerância, porque sofrem preconceito dentro da própria casa. São pais e mães que agridem, que xingam, que chutam, que batem e expulsam os filhos dos lares. É diferente do que em geral acontece por exemplo com judeus, negros ou portadores de deficiências, que são acolhidos e recebem apoio paterno e materno para enfrentar o preconceito. A homofobia institucional e cultural também pesa muito nas escolas, no exército, nas igrejas e na política, que ainda enxergam o gay como marginal. A violência contra os homossexuais portanto vai dos insultos às agressões físicas e aos assassinatos. O Brasil lamentavelmente ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de assassinatos de homossexuais. Em 2009, foram 198 assassinatos. Esse número chegou a 254 no ano passado. O aumento de violência letal tem sido acompanhado pelo crescimento de casos de agressão física em locais públicos, nas ruas, como aconteceu recentemente em São Paulo e no Rio de Janeiro, e que receberam atenção da imprensa. Mas não se trata apenas de visibilidade maior oferecida pela mídia. Há infelizmente um aumento real do número de casos de mortes e de agressões. Um aspecto positivo a ressaltar é que essa visibilidade, por conta da pressão das paradas e de ações afirmativas, tem levado muitos gays e lésbicas a ter mais coragem de assumir a homossexualidade e a demonstrar carinho em público, a andar abraçados, de mãos dadas. Ao mesmo tempo, esse comportamento provoca a ira e a intolerância dos homofóbicos de maneira ainda mais intensa. Portanto, temos de pensar em três questões principais e conectadas: a visibilidade, o crescimento da violência e a incompetência da polícia e da justiça em reprimir esses atos e em garantir a segurança de todos os cidadãos". 


Formação da sociedade brasileira e caldo de preconceito
"Pois é, como explicar o fato de o Brasil ser campeão mundial de assassinatos contra homossexuais? A cada dia e meio, um gay, lésbica ou travesti é morto barbaramente no país. Penso que esse cenário cruel e inaceitável está relacionado a nosso passado escravista. O Brasil foi dominado por uma minoria branca insignificante, quem mandava aqui eram os 10% de machos brancos, que deveriam manter todas as mulheres e outras raças e culturas como subalternas e submissas. Isso obrigou os machos portugueses e brasileiros a desenvolver um código de extrema violência, de uso constante de armas, para garantir a supremacia dos machos. E isso obviamente fez com que qualquer sinal de efeminação ou de delicadeza por parte de homens fosse imediatamente considerado crime de lesa-sociedade, pois ameaçava a manutenção do projeto hegemônico no país". 


Superação do preconceito
"Vou ser bem objetivo. Acho que essa luta passa por três vertentes principais: educação sexual obrigatória em todos os níveis escolares, para ensinar a diversidade sexual; leis e ações afirmativas, para garantir a punição da homofobia, com o mesmo rigor com que é combatido o racismo; e severidade e rigor da polícia e da Justiça para investigar e punir os crimes cometidos contra homossexuais". 


Kits escolares contra a homofobia
"O governo brasileiro, desde 1996, ainda com Fernando Henrique, e depois no governo Lula, abriu discussões importantes sobre direitos dos homossexuais. Porém, das mais de 600 propostas encaminhadas pela I Conferência Nacional LGBT, realizada em 2008, nem 5% chegaram a se concretizar. Houve boa vontade, mas poucas medidas se efetivaram. Entre as ações afirmativas sugeridas estava justamente a produção de material escolar para o enfrentamento da homofobia. Essa reação de setores mais fundamentalistas reflete a intolerância ainda dominante em amplos segmentos da sociedade. Esse comportamento se manifesta no exército, que proíbe a presença de homossexuais; nas igrejas, sobretudo nas evangélicas neopentecostais, que primam pela intolerância, mas também na católica, que muitas vezes acaba por refletir posição do atual papa, para quem a homossexualidade continua sendo intrinsicamente má. Nesse caso específico dos kits, acho que faltou também por parte do governo e da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros) uma divulgação mais bem planejada e articulada desse material. As mais de 200 ONGs ligadas ao tema no Brasil sequer receberam os kits. E poderiam ter sido parceiras e aliadas para responder os ataques e ajudar a desconstruir esse discurso homofóbico, esse pânico que não tem razão de ser. O material vai orientar, foi muito discutido por entidades sérias e responsáveis, tem o aval do MEC".


Projeto que criminaliza a homofobia
"É importantíssimo, fundamental. A iniciativa equipara a homofobia ao crime de racismo, o que é uma coisa elementar. Chutar um negro é crime inafiançável, mas se o chute for dado em um homossexual, a punição vai depender da boa vontade do policial, do delegado e do juiz de considerarem o ato um delito, já que ainda não foi legalmente tipificado como crime". 


Campanha presidencial e resgate de preconceitos
"Penso que houve retrocessos dos dois lados envolvidos na disputa. Tanto Serra quanto Dilma tiveram um receio e medo injustificados de defender temas como aborto e união homossexual, o que é ridículo e lastimável. Espero que tenha sido uma coisa apenas pontual. Toda aquela grita, que ainda permanece, embora em menor escala, me parece ter sido mais uma estratégia eleitoral. E espero que a presidenta Dilma, que recentemente disse ter Marcel Proust como um de seus autores de cabeceira, possa ter a sensibilidade necessária e a vontade política para avançar no enfrentamento das ameaças que estão colocadas para os homossexuais. Esperamos as garantias mínimas, a equiparação da homofobia ao crime de racismo. Como aconteceu na Argentina, desejamos também a aprovação do casamento integral. Não há razão histórica, legal ou ética para impedir que casais de gays e de lésbicas possam ter direitos e deveres idênticos aos consagrados aos heterossexuais". 


No próximo post - segunda e última parte da entrevista com Luiz Mott, que  fala sobre homofobia e religiões, redes sociais e paradas do orgulho gay. 

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