(*) Rodrigo Vianna, jornalista. Texto originalmente publicado no blog "O Escrevinhador", em 23/02/2011
Acabo de voltar da Argentina. Passei dias agradáveis em Buenos Aires. Sábado, fim da tarde. Depois de uma longa jornada de caminhadas por Palermo e Barrio Norte, parei com minha mulher num café. Na tela: Newell´s x Lanús. Só o garçon e eu parecíamos interessados na partida. O time de Rosário faturou, com um gol no finzinho: 2 a 1.
Cheguei ao hotel às 10 da noite, e liguei a TV. Já havia outro jogo, ao vivo, na tela: Racing versus Boca. Jogaço. O Racing (time pelo qual tenho simpatia, sabe-se lá porque – era o time do coração de Kirchner, e ele morreu do coração…) jogava melhor. Mas o Boca fez um a zero no contra-ataque, e segurou o resultado.
Acompanhei só o primeiro tempo (até porque me esperava um belo bife de chorizo com purê de papas). No intervalo, entrou propaganda institucional do governo argentino: “obras na província de Chubut”. Anúncio curto. Fiquei esperando a propaganda privada. E nada. O sinal voltou ao estádio para os comentários e melhores momentos (os locutores argentinos são impagáveis, com aqueles ternos anos 70, com um lencinho pendurado do bolso). Novo intervalo: de novo, anúncio institucional do governo… E só então lembrei: na Argentina, os direitos de transmissão do futebol foram comprados pela TV pública!!! Mais um capítulo da briga entre Cristina Kirchner e as TVs privadas.
Nesse caso, parece que o público saiu em vantagem. Há jogos em horários variados: sábado à tarde, à noite. Domingo à tarde e à noite. Tudo pela TV aberta. Dizem-me que, antes do Estado entrar na parada, os jogos passavam só pela TV a cabo (agradeço se alguém trouxer informações mais detalhadas sobre isso…) Não sei se os horários já eram assim quando a transmissão estava nas mãos das TVs particulares. Não vou mais longe nos comentários, porque não conheço os detalhes das negociações na Argentina.
Mas claro que lembrei disso tudo quando voltei a São Paulo e dei de cara com essa barafunda no Clube dos 13.
O Corinthians, meu time do coração, acaba de se desfiliar do Clube dos 13. Andres Sanchez, com aquela cara de espertalhão mexicano de filme “B”, foi chamado de “moleque” e “advogado da Globo” pela direção do Clube dos 13.
Pra quem não acompanha a confusão: pela primeira vez, a Globo corria o risco de perder a transmissão do futebol. É que, até hoje, a Globo sempre teve direito de “cobrir” a proposta apresentada por qualquer concorrente. Dessa vez, seria diferente: envelopes fechados seriam apresentados com as propostas. Para transmitir jogos na TV aberta, o lance mínimo seria 500 milhões de reais. Direitos da TV fechada, internet e pay-per-view (quando o telespectador paga pra ter direito a transmissão de jogos específicos): tudo isso seria negociado à parte.
A Globo corria risco sério. Alguns clubes alegavam que, mesmo com valor um pouco menor, valeria a pena aceitar a proposta da Globo, por causa do “tradição” da emissora, da “capilaridade da rede” (a Globo, de fato, tem uma rede bem montada e estruturada em todo o país). O Clube dos Treze, então, estabeleceu uma cláusula razoável: para vencer a Globo, os concorrentes teriam que oferecer ao menos 10% mais do que a emissora da família Marinho. Mas as ofertas seriam feitas no escuro, sem privilégios.
Se a Record oferecesse 650 milhões de reais e a Globo 600 milhões, a transmissão ficaria com a Globo. Mas se a Record oferecesse 800 milhões e a Globo 600 milhões de reais, aí a emissora de Edir Macedo ganharia a disputa.
A situação não era confortável para a TV Globo. Teria que jogar, e tentar ganhar “na bola”. Sem ajuda do juiz. O que fez o Andrez Sanches? Tirou o time de campo. Agiu sozinho? Não. Com ele estariam saindo do Clube dos 13 Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Grêmio também poderia seguir esse caminho.
Ou seja: o Clube dos 13 (que, apesar do nome, representa duas dezenas de clubes) está em decomposição. E ele é que tem o direito de negociar as transmissões em nome dos clubes.
A barafunda está criada! Os cinco ou seis dissidentes vão negociar à parte com a Globo? E se os outros fecharem com a Record?
Como disse um jornalista amigo meu: aos 44 do segundo tempo, o jogo estava zero a zero. Pênalti pra Record. Aí alguém apaga a luz do estádio. “Alguém”! Quem seria? Andres apagou a luz sozinho?
Os espertalhões mexicanos normalmente atuam em parceria com um sócio rico do outro lado da fronteira.
Andres conseguiu (será?) o estádio para o Corinthians. A CBF (que é parceira da Globo, e não se dá tão bem com a atual dioreção don Clube dos 13) tirou o Morumbi da Copa. Retaliação contra o São Paulo F. C. O time do Morumbi não aceita cartas marcadas na negociação. Queria entregar os direitos a quem pagasse mais. Seria a decisão “capitalista”.
Mas o Brasil é terra de “capitalistas de araque”. Capitalismo sem concorrência.
A Globo perdeu o direito às Olimpíadas porque lá vale o óbvio: quem paga mais leva. No futebol brasileiro, valem os arranjos dos poderosos de outros tempos com os espertalhões fajutos.
O futebol é algo tão sério para o brasileiro que o governo federal deveria intervir nessa história. Intervir, não: “arbitrar”. Já que a concorrência não vale, deixemos o Estado cuidar disso.
Não digo que precisemos imitar a Argentina, com jogos transmitidos pela TV pública. Mas que tal a TV pública brasileira entrar na disputa, montar um pacote razoável de horários, e depois vender cada horário para uma emissora privada?
Seria o fim do monopólio. E o fim dos espertalhões.
Mas quem acredita nisso…
O mais provável é que se estabeleça a confusão. Isso a 3 anos da Copa.
Estive em Buenos Aires em setembro/outubro de 2010. Como não consegui assistir nenhum joguinho no estádio, durante um fim de semana me deliciei com 6 (isso mesmo) jogos, todos transmitidos pela TV Pública, em dias e horários diferentes. Uma delícia. Lá, a coisa da tv era até pior que no Brasil. Sabe como se resolveu? Os clubes resolveram fazer greve, quase não teve campeonato e o governo entrou no meio para resolver a questão. Pena que aqui no Brasil a Rede Globo, em vários departamentos, está acima inclusive do Poder Público. Lamentável.
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