domingo, 19 de junho de 2011

MUITO PRAZER, NOVA CLASSE MÉDIA


A nova classe média,  na visão das elites brancas























Edição 651

Em um exercício muito livre e singular de reconstrução da História, procuro imaginar as expressões de horror estampadas nos rostos dos patrícios romanos, nos palácios suntuosos de mármore e nos banhos públicos, ao se darem conta da chegada dos povos bárbaros e da queda iminente da cidade que traduzia o poder, a soberba, o esplendor e a pujança do mais extenso e importante império construído na Antiguidade.

Guardadas as devidas proporções e respeitadas as óbvias diferenças históricas, tomo a liberdade de continuar cá com meus botões elocubrando mais um pouco. E me pergunto se aquelas expressões de terror dos romanos não seriam muito parecidas com as que agora vislumbramos nas caras e bocas, nos narizes torcidos e nas testas franzidas, nos semblantes de repulsa e ojeriza das elites brancas paulistanas, que se assustam e não se conformam com as recentes mudanças em nossa pirâmide social e com a consolidação da nova classe média no Brasil. Nesse sentido, os "diferenciados" seriam os novos godos, visigodos e ostrogodos, os bárbaros dos tempos atuais, que chegam para invadir nossas praias, nossos bairros limpinhos, contaminando as paisagens, desestabilizando o que já estava pactuado e tomando conta, sem pedir licença, de shopping centers e aeroportos. 

"Os setores mais conservadores, parte da (antiga) classe média, estão irritados com essa mudança na estrutura social. Se esse mal-estar não for bem trabalhado, esses setores acabam indo para a direita e passam a se colocar contra os grupos mais frágeis, como os nordestinos", confirma e avalia o economista Waldir Quadros, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista publicada pelo site do Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP) em novembro do ano passado.

Sinto informar, mas para desespero histérico e alucinante das elites brancas, a nova classe média chegou para ficar. Ponto. Tremei, conservadores! Como revela a reportagem de capa da revista Carta Capital que está nas bancas, pesquisa inédita feita pela consultoria Data Popular, especializada em estudos de mercado, mostra que, graças a uma nova onda de inclusão, a classe C representará, em 2014, quase 60% da população brasileira (cerca de 12o milhões de pessoas), achatando as classes D e E e criando novas demandas para o Estado e as empresas. "A internet estará presente em 74% dos lares da população dessa faixa de renda, que vai de 300 a 1,3 mil reais ao mês per capita, segundo o critério usado pelo Data Popular. (...) Entre 2010 e 2014, subirá de 9,9% para 11,7% o índice de cidadãos da classe C com curso superior completo", diz a matéria. O texto, do repórter André Siqueira, indica ainda que “os novos consumidores serão os responsáveis por manter o giro da roda da economia, ao consumir mais educação, informação e buscar acesso a serviços de qualidade”. 

Constatada a nova fotografia, há questões cruciais a serem debatidas: qual será o jogo ideológico que será jogado pela nova classe média? Para aonde vai pender - esquerda, centro, direita? Que projetos de País estará disposta a apoiar e abraçar? Nesse movimento de subir degraus, quais serão suas aspirações culturais? Por favor, muito cuidado: nem de longe se trata de estabelecer diagnósticos frios e calculistas sobre animais exóticos enjaulados em um zoológico, mas de procurar compreender, de forma cidadã e com a máxima profundidade possível, de quem estamos falando, politicamente, quando consideramos essa nova classe média. 

Sim, porque fazer parte desse segmento envolve certamente o viés de renda e poder de consumo, a questão financeira, mas vai muito além dessa dimensão. O ser classe média significa também um certo estado de espírito, estabelecer e defender valores, referenciar e legitimar comportamentos, abraçar princípios e atuar na esfera pública sustentando visões próprias de mundo. Curiosidade confessa: como será que se manifestariam os novos "moradores" desse setor intermediário da pirâmide na hipótese de o País promover plebiscitos sobre temas que dizem muito sobre o que é uma sociedade, como aborto, pena de morte, desarmamento, reforma agrária, casamento entre homossexuais e regulamentação do uso de drogas? O que teriam a dizer a respeito destes assuntos?

Por enquanto, fiquemos com as perguntas. Sigamos pensando. Pretendo retomar a discussão no próximo post, alinhavando algumas reflexões que cientistas políticos, sociólogos e economistas já começam a encaminhar. Porque muito provavelmente a luta política passa a assumir novos ares e contornos e se coloca a partir de agora em outro patamar. E é preciso que as esquerdas estejam muito atentas e sejam capazes, com argumentos, de conquistar os corações e as mentes daqueles que fazem parte dessa nova classe média (o povão!) para a construção de um efetivo e duradouro projeto nacional de inclusão social e de radicalização da democracia e dos direitos humanos.

Um comentário:

  1. Muito boa a comparação com a chegada dos bárbaros ao império romano! Excelente texto!

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