sexta-feira, 17 de junho de 2011

REDES VIRTUAIS E ENCANTAMENTO POLÍTICO


(*) Texto de J. S. Faro, historiador e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Originalmente publicado no www.jsfaro.net e reproduzido aqui com autorização do autor.




O jornal El País dá conta de mais uma notícia sobre esse encantamento político representado pela emergência de movimentos que têm nas redes virtuais o seu principal veículo de sustentação e de organização. Desta vez, o episódio acontece na Arábia Saudita: proibidas pelas normas religiosas conservadoras, mas não legais, de dirigir automóveis, centenas de mulheres prometem desafiar os clérigos e sair às ruas para reanimar o movimento Women2Drives que se inspira não só nas suas reivindicações específicas, mas também nos exemplos recentes de mobilização do Egito e da Tunísia. Além da própria confusão que prometem para o trânsito em Riad, as manifestantes ostentam um outro símbolo de sua inserção na modernidade: organizam-se pelo facebook e pelo twitter (leia aqui a matéria do jornal espanhol).

Parece que o cenário do cotidiano vai absorvendo com uma certa rotina esses movimentos sobre os quais eu arrisco uma breve interpretação: são altamente dispersos em suas demandas e, justamente por isso, são também possuidores de uma forte energia arregimentadora (cabe de tudo um pouco nas suas cartas programáticas virtuais, a exemplo da enormidade de itens que o M-15 espanhol elencou na campanha pela reforma da democracia no país); são igualmente desprovidos de bases ideológicas consistentes e homogêneas que ofereçam ao seu impulso arregimentador uma perspectiva de permanência e de organização. Essas duas características - que, repito, vêm aqui a título de uma primeira interpretação pessoal - não esvaziam o seu significado político, mas acredito que explicam sua volatilidade. Tudo se passa como se a esfera pública vivesse alternadamente movimentos de expansão e de contração, de sístole e de diástole, ao final dos quais o que parece restar é a expectativa de que em outro lugar e sem muita demora aconteça mais um evento da mesma natureza.

Penso que estamos diante de um ciclo que tem toda a probabilidade de se constituir num instrumento para-institucional da vida política cuja eficácia maior é a ampliação dos níveis de argumentação que preenchem o imaginário dos segmentos sociais que encontraram na internet o seu instrumento discursivo, mas sem a correspondente eficácia nos níveis de deliberação - paradoxo de onde percebo a sua inconsequência. No final das contas, ainda permanece nas mãos dos canais convencionais da comunicação e da atividade política (a grande mídia, os partidos, os parlamentos, o Estado) o poder da decisão, quando esse mesmo poder não se manifesta pela via da repressão pura e simples, fato que fragiliza ainda mais as possibilidades de êxito desses vários eventos. No Egito, na Tunísia e na própria Espanha, esse parece ter sido o resultado mais concreto de todo o corre-corre que a mídia noticiou.

Essas considerações são feitas a propósito da entrevista que Clay Shirky concedeu ao suplemento Link, do Estadão. Lá pelas tantas, o professor da NYU, que não esconde seu entusiasmo pelas redes, diz com muita propriedade que o temor dos governos diante desses episódios de manifestação não é mais a disseminação da informação, mas o potencial mobilizador que eles têm, ou seja, não importa muito a lógica do grau de discernimento dos manifestantes, mas a sua forma física como ameaça de desestabilização. Passado o risco que esta última representa, o primeiro deles se dilui nos processos clássicos de comunicação, aqueles em que o sistema de forças permanece inalterado. 

Se isso é verdade - e é preciso conter o entusiasmo (irrefletido?) que o dinamismo das redes virtuais naturalmente cria para que uma análise mais detida de sua natureza possa ser feita, inclusive no âmbito acadêmico -, essa profusão de eventos pode se traduzir numa bolha de descontentamento que murcha na sequência de seu surgimento, ou um vazio que acaba por fortalecer as práticas conservadoras dos governos nas mesmas áreas onde o encantamento confundiu a velocidade da arregimentação com sua eficácia. Vamos voltar ao assunto...

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