(*) Texto de divulgação - Editora Companhia das Letras
Comandar máquinas, robôs e próteses só pela força do pensamento, a ponto de tornar factível um projeto como o que ele hoje persegue, o de fazer paraplégicos voltarem a andar, é apenas uma das possibilidades próximas de um fascinante mundo novo apresentado pelo respeitado neurocientista Miguel Nicolelis em Muito além do nosso eu.
Outras, a exigir percurso técnico-científico um tanto mais longo e íngreme, são as conexões entre cérebros humanos, sem viés místico ou pensamento mágico, e o poder de experimentarmos no próprio corpo finas sensações tácteis – como a percepção do contato da sola do pé no solo de Marte –, com base em informações enviadas por robôs-exploradores desde planetas do sistema solar ou de regiões remotas do universo.
E há por fim as fortes chances de vencermos, com as ferramentas desse novo mundo que Nicolelis vai desdobrando em cores intensas e fascinantes, dolorosas condições neurológicas e psíquicas, como as produzidas pelo Mal de Alzheimer, Parkinson, esquizofrenia, depressão profunda e outras doenças muito disseminadas nas sociedades contemporâneas.
O livro poderia, assim, ser tomado como uma espécie de mapa do tesouro que dá acesso às maravilhas desse mundo que neurocientistas de ponta, e Nicolelis com lugar de destaque entre eles, vêm construindo nas últimas décadas, com o suporte de múltiplos campos do conhecimento e da tecnologia.
Essa refinada obra de divulgação científica vai, entretanto, muito além disso. Em primeiro lugar, pela narrativa que o autor conduz com invejável mestria, entremeando delicadas memórias pessoais com didáticas explanações de seu campo de domínio científico. Ou fazendo suceder, ao relato sensível das experiências já realizadas por ele com macacos capazes de mover com o pensamento braços robóticos ou comandar, a partir de seu laboratório na Universidade Duke, a caminhada de um robô numa esteira no Japão, especulações futuristas capazes de deixar de cabelos arrepiados seus colegas mais céticos.
Um pequeno exemplo de suas antevisões: “Nesse futuro, sentado na varanda da sua casa de praia, de frente para o seu oceano favorito, você poderá um dia conversar com uma multidão de pessoas, fisicamente localizadas em qualquer parte do planeta, através de uma nova versão da Internet (a “brainet”), sem a necessidade de digitar ou pronunciar uma única palavra. Nenhuma contração muscular envolvida. Somente através do seu pensamento”.
Nicolelis é, sem dúvida, dono de uma escrita poderosa fora do jargão dos papers, capaz de transitar à vontade e de maneira envolvente entre planos e contraplanos, digamos, passando do interior do laboratório para a sociedade que receberá o que ali se gesta, das histórias da infância para a antevisão de um homem futuro que move robôs e avatares como suas reais extensões e molda, com isso, uma nova sociedade humana.
Mas em paralelo à força da narrativa, Muito além do nosso eu é uma excepcional obra de divulgação científica pelo valor inestimável do conteúdo que torna acessível ao leitor, relativo a uma das áreas mais fascinantes e promissoras da pesquisa científica, seja em termos dos impactos que promete para a própria construção do conhecimento, seja em termos sociais.
O livro situa muito bem os notáveis avanços e as divergências existentes hoje no interior da neurociência no contexto histórico de mais de um século. Trata-se de uma abalizada e sofisticada revisão da neurofisiologia, que torna clara a oposição entre localizacionistas e distribucionistas ou relativistas, entre os que tomam o neurônio como unidade de funcionamento do cérebro e os que preferem atribuir esse papel às redes neuronais.
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"Muito além do nosso eu"
Miguel Nicolelis
Editora Companhia das Letras
552 páginas
Lançamento - junho/2011
Eu adoraria entrevistar esse rapaz!
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