quarta-feira, 22 de junho de 2011

MUITO PRAZER, NOVA CLASSE MÉDIA (PARTE II)

Definida a presença e a participação protagonistas da nova classe média no Brasil (com plenitude política e inserção cidadã, e não apenas como consumidora), pesquisadores e estudiosos do tema se esforçam para já sistematizar elementos que possam de alguma maneira ajudar a compor uma espécie de perfil de discursos e de comportamentos marcadores desse segmento social.

Na matéria de capa da Carta Capital desta semana, o diretor do Data Popular, Renato Meirelles, aponta algumas pistas e avalia que a ascensão econômica será necessariamente acompanhada de inclusão social e cultural e que a classe C vai ajudar a redefinir o conceito de cidadania. "Com acesso à informação, essa população vai cobrar mais do Estado. Como vai pagar mais impostos, entenderá que o que recebe do governo não é favor, é obrigação". 

É uma análise que sugere um percurso diferente daquele que é vislumbrado pelo sociólogo Rudá Ricci, para quem o novo segmento tem um componente fortemente conservador. "Essa população tem letramento, tem acesso à informação. Não lê, é verdade, mas sabe o que está acontecendo e escolhe seus candidatos de forma bem egocêntrica. São famílias egocêntricas. Por exemplo, vão à igreja para conseguir o sucesso, por isso fazem muitas novenas e promessas", afirmou, em entrevista publicada no site do SINPRO-SP. 

Ainda segundo o especialista, "são pessoas jovens, com até 25 anos, negras. Eles romperam portanto com a história dos pais, dos avós, dos bisavós e, por isso mesmo, consomem muito, porque querem se afastar a qualquer custo, como faria qualquer pessoa no lugar deles, do histórico de marginalidade que sempre existiu". E ele completa: "É muito consumista, espantosamente consumista. Essas famílias são conservadoras em termos religiosos e de hábitos sociais, desconfiam de tudo que é público, são conservadores politicamente e não por ideologia".

O cientista político André Singer surfa nessa mesma onda de reflexão e também considera a religião um elemento primordial para compreender as aspirações, as opções e os comportamentos daqueles que estão chegando e pedindo passagem. "A classe média emergente tende a votar de forma conservadora. O vínculo com setores religiosos, notadamente as igrejas evangélicas, além do individualismo e da falta de politização, podem fazer com que tal grupo se volte contra os partidos de esquerda nas urnas", afirmou, em matéria publicada pelo portal Terra em março passado.

Dialogando com estas reflexões, retomo aqui, em linhas gerais, o raciocínio desenvolvido no final do post anterior: estamos assim, as esquerdas, diante de mais um desafio de proporções e significados gigantescos. Sem cooptações, cabrestos ou coronelismos, mas com projetos e ideias, é preciso reconhecer o protagonismo cidadão e conquistar corações e mentes dessa nova classe média, para que participem ativamente, com independência, consciência e senso crítico, de maneira soberana, da árdua tarefa de construção de um socialismo humanista e tolerante. O que significa dizer que precisamos ocupar espaços, disputar discursos e consolidar democraticamente hegemonia de valores - e não apenas eventuais maiorias eleitorais. 

O sociólogo Jessé de Souza, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e autor de “Os batalhadores brasileiros - Nova classe média ou nova classe trabalhadora?”, avalia, em entrevista reproduzida pelo blog do jornalista Luis Nassif, que “essa classe vai ser o fiel da balança do caminho tanto social quanto político que o Brasil irá tomar nos próximos anos. Ela tanto pode tender para um alinhamento com os setores mais conservadores de um liberalismo sem responsabilidade social – perspectiva hoje hegemônica na nossa esfera pública ainda que fora do poder político – ou, ao contrário, ser a ponta de lança de um projeto efetivamente mais inclusivo socialmente que jamais teve uma chance real entre nós. As classes sociais não são nem libertárias nem conservadoras em si. É a luta política que implica convencimento e voz ativa na esfera pública que decide, em cada caso, que tipo de orientação política vai prevalecer”.

De forma também muito lúcida, o filósofo Vladimir Safatle considera, em entrevista publicada pela Agência Carta Maior, que há limites para a ascensão da classe C, se não houver mudanças radicais na repartição da riqueza. “Precisamos de um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulação no momento em que as possibilidades de ascensão social (da chamada classe C) baterem no teto”, diz.

Em busca do fundamental discurso alternativo, as esquerdas devem estar atentas a essa nova fotografia política, mantendo inquietos e rebeldes os espíritos, sonhando sempre e a todo instante com outros mundos possíveis. Como reforça o historiador britânico Eric Hobsbawm na Agência Carta Maior, carregamos a utopia, "a crença de que, de um modo ou de outro, a sociedade chegará a uma sociedade melhor, mais humana, do que a sociedade na qual todos vivemos atualmente".  

Nenhum comentário:

Postar um comentário