segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

JOVENS E FASCISMO, UMA COMBINAÇÃO EXPLOSIVA

Fiquei pensando muito sobre os posts de jovens incitando atentados contra Dilma. Incomodam sobremaneira. Não consigo ficar calado. Partilho da mesma indignação de Eduardo Guimarães, do blog da cidadania. (http://www.blogcidadania.com.br)./Sinto muito, mas não consigo aceitar "justificativas" capengas como "não sabem o que fazem, são inocentes, era tudo apenas brincadeira, não entenderam o que quiseram dizer".

Sim, na minha percepção e leitura, esses jovens sabem bem o que escreveram. Têm consciência do conteúdo e da intensidade das mensagens postadas - são expressões daquilo que pensam. Publicizaram sentimentos e desejos que efetivamente carregam. Tensionaram. Provocaram. Buscaram fama, holofotes. Sentiram-se respaldados e encorajados quando as mensagens se avolumaram - a velha perspectiva do bando que se sente fortalecido. Provavelmente comemoraram a repercussão conquistada. E, para escapar de punições, para limpar a barra, adotam agora o discurso do "não foi bem assim, estamos sendo perseguidos, estamos sendo vítimas de radicalismos". Tentam inverter a mão de direção - posam de vítimas. De forma enviesada, alegam cerceamento da liberdade de expressão. E muitos apagam/trocam seus perfis nas redes sociais. Mas, na web, não há como escapar: o que foi escrito torna-se em cinco segundos eternizado.

Triste, mas verdadeiro: eis a mentalidade desses jovens, que Claudio Lembo (longe, mas muito longe mesmo de ser um progressista!) chamou de "elite branca". São jovens individualistas, arrogantes, egoístas, consumistas, reacionários, preconceituosos. Adotam como lema uma espécie de "eu posso, eu faço". Julgam-se superiores, por uma série de razões (cor da pele e conta bancária, por exemplo). Pensam apenas no próprio umbigo. Não são movidos por valores ou princípios, mas por prazeres pontuais, efêmeros e passageiros. Não têm projetos, vivem o momento. Importam-se mais em TER/ACUMULAR do que em SER/COMPARTILHAR. Na ânsia de alcançar desejos, de colecionar o que entendem como vitórias, não medem esforços, não reconhecem limites. Acham que podem tudo. Confundem liberdade com libertinagem, acham que livre expressão é poder escrever ou dizer atrocidades impunemente, sem consequências. Fazem questão de ignorar que direitos estão associados a deveres. São na imensa maioria das vezes mimados, não sabem ouvir "não". Quando cobrados, não hesitam em jogar responsabilidades nas costas de terceiros, em fugir, em dizer "não é comigo, não é bem assim, não fui eu".

E não tenho muitas dúvidas em afirmar: infelizmente, são espelhos de seus pais, da educação que (não) receberam. Por ação/omissão, os pais criaram esses jovens dessa maneira. Muitos, aliás, são egocêntricos, auto-referentes, acham mesmo que o mundo é só deles. Compartilham visões. Pensam também que nordestinos, negros e pobres não devem ter vez - são inferiores. Têm certeza que a mulher é ser de segunda categoria. Desprezam homossexuais. São truculentos reprodutores de preconceitos. Estão apenas transferindo, de geração para geração, o "elite branca way of life". Sinceramente, não sei se há espaço possível para interlocução ou diálogo com esse segmento. É visão de mundo arraigada, introjetada, enraizada. Isso não significa que devemos silenciar e aceitar passivamente as bobagens que dizem. Ao contrário. Espaço vazio é espaço a ser ocupado. É preciso contestá-los e isolá-los, democraticamente, sem usar dos mesmos métodos deles, mas não permitindo que conquistem novos adeptos, para que não avancem para além dos espaços que já ocupam. Precisam ser a minoria da minoria, sempre. Uma minoria que grita, que faz barulho - mas que não passa disso. Modestamente, penso que esse é o desafio que nos está colocado.

E, claro, reconheço com convicção que nem todos os jovens são assim. Felizmente, há parcela representativa da juventude sintonizada com os valores dos direitos humanos. São jovens admiráveis, lutadores. São jovens que sonham, que brigam por um mundo melhor, que combatem com firmeza intolerância e preconceito. Cerramos fileiras. Já aos que desejavam um atentado contra Dilma, é preciso dizer que não estão acima do bem e do mal, que não devem confiar na impunidade. Incitar publicamente a violência é crime previsto pelo artigo 286 do Código Penal. Apagaram mensagens e perfis? Já foram mapeados, as memórias estão registradas, como bem lembra @eduguim. Não, não é ameaça. São documentos, apenas.

Penso que vivemos mesmo tempos complexos, talvez obscuros. Conseguimos construir maioria eleitoral e vencer as três últimas disputas presidenciais. Importante. Mas penso ser preciso reconhecer com muita serenidade e sinceridade que até aqui fracassamos na tarefa de alcançar hegemonia de valores. Não podemos perder de vista tal horizonte. Isso significa inclusive pensar o papel político que será cumprido pelas novas classes médias, qual o jogo que irão jogar. Não é bobagem, não é pouco: há um sentimento fascista que ganha cores e contornos, que é publicamente assumido, não mais envergonhado. Como bem lembra o jornalista Rodrigo Vianna, em post no twitter, "há uma direita louca para botar asinhas de fora. É preciso disseminar valores de solidariedade e justiça para conter fanáticos da nova direita".
Muitas das lutas que travaremos nos próximos anos certamente estarão direcionadas a combater esse sentimento-discurso-movimento. Os tais jovens que escreveram clamando por atentados contra Dilma provavelmente estarão na linha de frente desse grupo. De certa forma, será mais fácil localizá-los, pois estão abertamente se manifestando. Por outro lado, dificuldades para confrontá-los serão maiores também, pois estão se organizando. É um grupo que tem aliados e porta-vozes poderosos (políticos, intelectuais, jornalistas, veículos de comunicação). Não será fácil. Mas, insisto, é fundamental disputar e construir hegemonia de valores. Para além de avanços econômicos e sociais, sempre importantes, é preciso revolucionar mentalidades, até para que conquistas sejam duradouras.

Nas ditaduras, maiorias são impostas pela força bruta das armas. Esse é o mundo dos fascistas. Nas democracias, corações e mentes são tocados pela força bonita das ideias e dos argumentos. Esse é o nosso mundo.

7 comentários:

  1. Parabéns pela iniciativa

    ResponderExcluir
  2. Sensacional! Você conseguiu expressar o que muitos pensam e que, muitas vezes ficam na defensiva por sermos minoria. Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Chiquinho, finalmente um blog seu... fazia falta.
    Não consigo comentar muito a respeito. Motivo? Simplesmente te admiro demais como profissional e pessoa e partilho das suas idéias e valores.
    Seu blog já está adicionado aos meus "indicados" no meu blog: www.fabianacardoso.com.br

    Parabéns!
    Fico no aguardo do próximo post.
    Aqui, terá um humilde, mas empenhado canal de divulgação.
    Faby

    ResponderExcluir
  4. Que ótima oportunidade em poder ler você, Bicudo. Você tem mesmo de compartilhar conhecimento porque ajuda o mundo a fica melhor!
    A Fabi está fazendo uma bele RP.
    Obrigada por tudo que me ensinou e pelo o que virá.
    beijos

    ResponderExcluir
  5. Muito legal montar o blogue! Beijo e boa sorte!

    ResponderExcluir
  6. Chico, que alegria ver suas ideias reunidas e publicadas! Num mundo que tem realidades como a desses jovens perigosamente orientados (e não desorientados), esse blog faz-se muito necessário. Aproveito para dizer com Winnicott que "tudo começa em casa": da família para o indivíduo e para a sociedade. Preocupa-me que esses jovens um dia serão também pais e alimentarão a sociedade com sua "cultura" do fascismo.

    ResponderExcluir
  7. Parabéns pela iniciativa. Fiquei sabendo apenas hoje da existência do blog e estou lendo até agora.
    Sobre o assunto objeto do tópico, é importante lembrar o surgimento e crescimento do nazismo, no pós Primeira Guerra Mundial. A Alemanha não soube dar a devida atenção aos "agitadores de cervejaria" e não os levou a sério. Quando se deu conta, já era inevitável. Os nordestinos, negros, homossexuais, mulheres de 2011 são os "judeus bolcheviques" da década de 20. Entre 1918 (fim da Guerra e "surgimento de Adolf Hitler) e 1933 (ano em que os nazistas, legalmente, assumiram o poder na Alemanha e deram início à perseguição aos judeus, que culminou com a "solução final" instituída em 1942) passaram-se meros 15 anos. Ou seja, os "agitadores de cervejaria" de hoje podem, daqui a 15 anos, cumprir o papel que os nazistas assumiram em 1933. Que estejamos de olhos (bem) abertos, porque se hoje os agitadores são motivo de chacota, daqui a 15 anos nós é que poderemos ser.

    ResponderExcluir