A semana política que se encerra foi dura, doída. E não vou nem citar nesse post a acachapante e esmagadora vitória dos conservadores do Partido Popular na Espanha, nas eleições locais e regionais do domingo passado, em pleito que colocou os socialistas em posição mais do que delicada e defensiva - na verdade, em crise ideológica tremenda, profunda. Quero olhar mais especificamente para os lados de cá do Atlântico - afinal, nos últimos dias, aqui no Brasil, os princípios humanistas, os valores dos direitos humanos e as visões de mundo à esquerda do espectro ideológico levaram uma saraivada de golpes. Foram ao corner. O árbitro abriu contagem.
Desde que as notícias de ganhos estratosféricos e aumento expressivo de patrimônio por conta de consultorias prestadas a empresas privadas vieram à tona (vinte milhões de reais de faturamento, apenas em 2010), tudo o que o todo-poderoso super-ministro da Casa Civil Antonio Palocci fez foi manter-se em silêncio inaceitável. Para ele, "ser rico não é um problema".
Talvez não seja mesmo. O que se questiona são os instrumentos e caminhos percorridos para alcançar esse enriquecimento. Estamos falando de relações no mínimo estranhas e incômodas entre os setores público e privado - para não dizer espúrias ou estapafúrdias, abjetas. Pode afinal uma grande figura da República, eminência parda que conhece todos os caminhos e atalhos do governo, coordenador de campanha e futuro ministro, em troca de remuneração financeira considerável, oferecer e garantir informações privilegiadíssimas a seus clientes, que se beneficiam então desse conhecimento para fechar negócios e maximizar seus lucros? É disso que se trata, ministro Palocci. Parece ser discussão ética relevante, não?
Para proteger e blindar Palocci, cedendo a chantagens dos ruralistas, o governo não teve vergonha alguma em barganhar, facilitar e ajudar a aprovar, na Câmara dos Deputados, o nefasto Código Florestal, na terça-feira, dia 24 de maio. Em êxtase, entre urros de alegria, a bancada ruralista aplaudiu e comemorou. Foi a festa da motosserra, do perdão aos desmatadores.
Como muito bem destaca o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), que votou contra a proposta, em texto publicado pelo blog da Maria Frô, "praticamente, o relatório aprovado livra o agronegócio do adjetivo “desmatador” da maneira mais torta possível: ao invés de discutirmos formas de coibir a ação de um modelo de agricultura que, ao visar a exportação de commodities produzidas sob o sistema de monoculturas, de desrespeito às leis trabalhistas e, muitas vezes, sem cumprir o preceito constitucional da função social da terra, o relatório do deputado Aldo Rebelo abriu as porteiras para que a expansão deste modelo predador avance sob áreas antes protegidas. Mais ainda: possibilita que os desmatadores sejam anistiados, absolvidos. Uma vergonha!".
Enquanto os latifundiários comemoravam o caminho aberto para a agora institucionalizada devastação ambiental, eram assassinados por pistoleiros no Pará os líderes extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, que combatiam os madeireiros locais e defendiam a floresta da região. Eram desde sempre cabras marcados para morrer, já tinham sido ameaçados e jurados de morte. Mas, sobre esse assunto, a presidenta parece ter pouco a dizer. Proteger Palocci é mais importante.
Se não fosse suficiente, na quarta-feira, 25 de maio, Dilma recuou diante das bravatas e vociferações de grupos religiosos fundamentalistas e suspendeu a distribuição dos kits anti-homofobia preparados pelo Ministério da Educação - e chancelados pela Unesco -, usando lamentavelmente o tosco argumento "o governo não deve incentivar ou fazer propaganda de opção sexual". Triste, pois o material tinha propósito claramente distinto - fomentar entre os estudantes de ensino médio a importância do respeito à diversidade.
Muito bem fez Julian Rodrigues, Coordenador Nacional do Setorial GLBT do Partidos dos Trabalhadores, ao afirmar, em carta aberta à Presidenta reproduzida no blog do Raphael Tsavkko, que "o ESTADO BRASILEIRO É LAICO. Nossa Constituição traz entre seus princípios fundamentais o combate a toda forma de discriminação, a dignidade humana e o pluralismo. Esse “kit” foi objeto de uma sórdida campanha, cheia de mentiras e distorções, que criou um sentimento de pânico moral em setores da nossa sociedade. A maior parte das pessoas que o repudiam não conhece seu conteúdo. Não há nada de inadequado, qualquer conteúdo sexual, nenhum beijo, nada, absolutamente nada que poderia atentar contra a qualidade educativa do material".
É, foi mesmo uma semana terrível, repleta de mensagens políticas.
"Passada a eleição, Dilma montou o ministério e começou a governar. Como? Com o figurino idêntico ao usado no primeiro turno da eleição: sem política, longe dos movimentos sociais, procurando agradar o “mercado” e a “velha mídia”. Foi uma escolha. Palocci tem a ver com isso. Coordenou a campanha. Ele quer um governo moderadíssimo, que não assuste a turma a quem dá “consultoria”, chama a atenção o jornalista Rodrigo Vianna, em seu blog.
Escreve e alerta mais uma vez Rodrigo Vianna, em outro post no blog: "tenho afirmado que as escolhas de Dilma nesse início de governo afastam o governo de parte importante da base social que a apoiou (e que teve papel fundamental ao enfrentar a onda conservadora em que Serra tentou surfar em 2010). Apesar da economia seguir bem arrumada, o que deve levar à redução da miséria e das desigualdades (processo iniciado com Lula), temo que as escolhas de Dilma ajudem a consolidar a agenda conservadora – o que tornaria complicadíssimo o quadro para a centro-esquerda em 2014".
Em editorial da revista Carta Capital, edição que está nas bancas, Mino Carta destaca que "Antonio Palocci é apenas um exemplo de uma pretensa e lamentável modernidade, transformação que nega o passado digno para mergulhar em um presente que iguala o PT a todos os demais. Parece não haver no Brasil outro exemplo aplicável de partido do poder, é a conclusão inescapável. Perguntam os botões desolados: onde sobraram os trabalhadores? Uma agremiação surgida para fazer do trabalho a sua razão de ser, passa a cuidar dos interesses do lado oposto. Não se trataria, aliás, de fomentar o conflito, pelo contrário, de achar o ponto de encontro, como o próprio Lula conseguiu como atilado negociador na presidência do sindicato".
Vamos lá: ao contrário do que pretende fazer crer a mídia, o governo não acabou - talvez esteja mesmo apenas começando, de verdade. E quem foi mesmo que acreditou em namoros com a imprensa que faz oposição de fato, em flertes com setores conservadores e retrógrados da sociedade, em conciliações e entendimentos com fundamentalistas religiosos?
Consigo compreender um governo de coalizão, com hegemonia progressista. Mas jamais um governo covarde, de rendição. Se um extra-terrestre visitasse hoje o Brasil, perguntaria, surpreso e cheio de estranhamentos: "mas que histórias são essas? O que aconteceu por aqui? Tinha a informação de que esse era um governo do Partido dos Trabalhadores, liderado por uma presidenta que enfrentou a ditadura militar e que em seu discurso de posse comprometeu-se a combater o preconceito, os privilégios e as injustiças sociais, a preservar o meio ambiente como patrimônio da humanidade e a valorizar a diversidade e os direitos humanos...".
Pois é, meu caro amigo ET. Lamentavelmente, está mais para um governo da República Federativa Ruralista e Obscurantista do Brasil.
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Em tempo - Nesta sexta-feira, 27/05, em Rondônia, o líder camponês Adelino Ramos (sobrevivente do massacre de Corumbiara) também foi assassinado por pistoleiros (foram seis tiros). Sobre o crime, o governo federal tem novamente muito pouco a dizer.
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Em tempo - Nesta sexta-feira, 27/05, em Rondônia, o líder camponês Adelino Ramos (sobrevivente do massacre de Corumbiara) também foi assassinado por pistoleiros (foram seis tiros). Sobre o crime, o governo federal tem novamente muito pouco a dizer.
Chiquinho, ontem foi o enterro do Zé Claudio e da Maria. Não foi ninguém do governo. Repito: ninguém. Nem do governo, nem do PT.
ResponderExcluirO que dizer?
Prof. excelente texto, sinto falta do antigo PT que era contra tudo isto,enquanto a Presidenta esta preocupada com a imagem de seu ministro Palocci(um Senhor sem escrúpulos), os arquivos da ditadura continuam fechados.Aonde está a Presidente que durante toda a campanha e no seu primeiro pronunciamento disse lutar contra qualquer manifestação preconceituosa?
ResponderExcluirÉ um absurdo questões serias como o Código Florestal ser aprovado para encobrir escândalos envolvendo o ministro da casa civil.
Precisamos lutar contra estas ações intoleráveis.
apoiadissimo. estou de luto pelo codigo florestal e por todas as mortes anunciadas de nossos ambientalistas. alem disso, se alguem pode receber dinheiro por prestar consultoria de uma coisa que nao pode revelar o que eh e nem pra quem eh, pra mim eh mafioso. mas os peixes grandes abocanharam o palocci e o codigo. triste.
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