segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

SAUDADES DO PAULISTÃO...

Ainda sou de um tempo em que era um grande barato ir ao alçapão da Vila Belmiro ou ao aconchegante Pacaembu em tardes de domingo para ver o Santos contra a Ferroviária de Araraquara de Marcão, a Internacional de Limeira de Kita e Tato, o XV de Jaú de Marola, o XV de Piracicaba de Pianeli, o Guarani de Evair, Boiadeiro e João Paulo...

Eram times do interior paulista que, se não chegavam a decidir títulos e menos ainda a ser campeões (embora as exceções tenham existido, e a Inter de 1986 está aí para comprovar), montavam equipes bastante competitivas, capazes de proporcionar bons jogos e agradáveis diversões futebolísticas ao enfrentar os grandes do estado.

Os estádios ficavam cheios - ao menos na minha lembrança e certamente se a comparação for feita com as arquibancadas tristemente quase vazias dos dias atuais. Havia certo charme no campeonato, era gostoso provocar os amigos nas vitórias (e dose para leão ser provocado por eles nas derrotas). Por nostalgia ou por teimosia, fui sempre um defensor dos torneios estaduais. Com muita tristeza, no entanto, começo a repensar - e a abandonar - essa posição. 

Maluco (assumidamente) que sou por futebol, vi quatro jogos da rodada de estreia do campeonato Paulista de 2011. De certa forma, esse número já é sinal de alerta e de desinteresse: em outras épocas, teria visto ao menos uns seis, mais da metade da rodada, e feito força para ver os melhores momentos de uns outros dois, talvez.

Com todo o respeito, o time da Linense, campeão da série A-2 (que na minha infância se chamava segunda divisão, assim, pura e simplesmente) em 2010 , é de uma fragilidade ímpar. Não foi capaz de resistir ao primeiro tempo de um jogo em que enfrentou o time reserva do Santos.

O Mogi que jogou contra o São Paulo nem de longe foi capaz de honrar a camisa que já foi usada por Tato, Leto e Rivaldo, que faziam parte do "carrossel caipira", nos idos de 1992. O jogo entre Ponte Preta e Mirassol deu sono - um festival de bolas alçadas na área, bicos para o lado, passes errados... O melhor (ou menos pior) aconteceu no Pacaembu, com Corinthians e Portuguesa. Mas aí era clássico - muito embora a Lusa também não seja mais nem sombra de suas tradições e equipes passadas, como o inesquecível time vice-campeão paulista de 1985, com Luis Pereira, Edu Marangon, Toquinho e Esquerdinha.

Sinto muito, mas não é possível encantar-se com campeonato de nível técnico tão baixo, disputado por 20 equipes, mas resolvido em menos quatro meses, por força de um calendário maluco. A consequência é que os grandes do estado encaram o Paulista como preparação para torneios mais importantes - Copa do Brasil e Libertadores. Acaba sendo a pré-temporada deles.

Já os times do interior, salvo honrosas exceções, e é cada vez mais difícil encontrá-las, montam times formados por refugos, por veteranos em fim de carreira ou por atletas jovens e promessas cedidas por empresários dispostos apenas a fazer dos times vitrines para seus atletas. Quando o campeonato acaba, as equipes são literalmente desmanchadas e, descontadas as que participam da série B do Brasileirão, passam os oito meses restantes do ano disputando torneios caça-níqueis sem qualquer importância.

Boa parte das cidades sequer reconhecem mais laços de afetividade com os times que em tese as representariam. Barueri virou Prudente. Guaratinguetá virou Americana. O São Caetano por pouco não deixou o ABC paulista. No mundo negócio-futebol, quem dá mais leva. Não vale nem dizer que durante os quatro meses os grandes ajudam a sustentar os pequenos, que Santos, Palmeiras, Corinthians e São Paulo são atrações nas cidades por onde passam, que os municípios se mobilizam para ver Neymar, Ganso, Ronaldo, Roberto Carlos, Rogerio Ceni, Marcos...

Ora, mas a primeira medida que empresários, prefeitos e presidentes de clubes do interior fazem ao ter acesso à tabela do campeonato e saber quando suas equipes enfrentarão os grandes é aumentar os valores dos ingressos, jogando essas entradas na alturas, a preços proibitivos (150, 200, 300 reais)! Resultado: os craques desfilam rapidamente pelas cidades, e os estádios permanecem vazios, como estava o da Linense, no último sábado. A caravana e os artistas passam, a plebe fica a ver navios.

No ano passado, na reta final dos estaduais, Victor Birner, comentarista da rádio CBN,  escreveu em seu blog que "temos entre 3 e 4 meses muito chatos, de futebol entendiante, por causa de interesses políticos e tradições moribundas, desvalorizadas. Enquanto os defensores dos estaduais neste formato continuam discursando bastante sobre a importância da competição, os estádios estão vazios e os torcedores pouco empolgados. A consequência disso foi descrita com extrema felicidade numa frase de PVC (Paulo Vinicius Coelho, comentarista esportivo), hoje, no Bate-Bola (programa da ESPN Brasil). “Se continuarmos com 4 meses de futebol assim, formaremos cada vez mais torcedores do Barcelona”.

Não gosto então de ser campeão paulista? É óbvio que o título estadual continua a ser comemorado. Seria desfaçatez mentirosa dizer "ah, não vale, é bobagem, nem ligo". Mas, de coração, já não tem mais o impacto, o gosto, a pompa e a circunstância da minha infância e adolescência. Envelheci. Deixei de ser garoto. Acho que o campeonato fez o percurso contrário. Meu Paulistão virou Paulistinha. Agoniza. E, sinceramente, não sei se é possível refundá-lo, reinventar a fórmula. Começo a admitir, com dor no coração, que o melhor mesmo seria esquecê-lo; como diz Juca Kfouri,  os estaduais "já morreram e ainda não foram enterrados". Pena.

3 comentários:

  1. Pois é. O meu sentimento é o mesmo. Estava conversando com colegas de escritório hoje, lembrando como o Paulistão era bacana, e como se tornou um campeonato semi-amador. O Santos ganha de 4x1 com um arremedo de time, o São Paulo, em ritmo de treino, ganha fácil, o Corinthians precisa só de 20 minutos para ganhar da Portuguesa. Só o Palmeiras (Lusinha da Pompéia?) sofreu para empatar em casa. Enfim, é triste. Nasci para o futebol vibrando com o Campeonato Paulista, sofrendo com os jogos em Rio Preto, Marília, Araraquara, Piracicaba, Ribeirão Preto. Acompanhava o Come-Fogo, o Dérbi Campineiro, XV de Piracicaba x XV de Jaú. Via os jogos no Barão de Serra Negra, Mario Alves de Mendonça, Fonte Luminosa. Ganhar do Moleque Travesso era complicadíssimo. Quem se lembra de Marcelo, Gil Baiano, Junior, Nei e Biro Biro? Mauro Silva, Ivair, João Santos e Mazinho, Tiba e Mario. E a final caipira do Paulista de 90? É...sinal que estou ficando velho mesmo.

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  2. Doze Anos
    Chico Buarque
    Composição: Chico Buarque

    Ai, que saudades que eu tenho
    Dos meus doze anos
    Que saudade ingrata
    Dar banda por aí
    Fazendo grandes planos
    E chutando lata
    Trocando figurinha
    Matando passarinho
    Colecionando minhoca
    Jogando muito botão
    Rodopiando pião
    Fazendo troca-troca
    Ai, que saudades que eu tenho
    Duma travessura
    Um futebol de rua
    Sair pulando muro
    Olhando fechadura
    E vendo mulher nua
    Comendo fruta no pé
    Chupando picolé
    Pé-de-moleque, paçoca
    E disputando troféu
    Guerra de pipa no céu
    Concurso de pipoca

    Foi o que me lembrou enquanto lia sua estória meu amigo,e como não são tão futebolisticamente versado como a família bicudo (tanto no conhecimento como com a bola no pé né.....embora morra de saudade de nossas peladas...)deixo essa mensagem via um xará seu!

    Bjo

    Ricardo

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  3. Belo texto. Gostaria de cita também a década de 70, onde havia alguma disputa entre times da capital e interior. Lembra de 1976? Palmeiras e XV de Piracicaba no Palestra Itália lotado. Quuantas saudades!
    Mário de Faria

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