sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A GESTÃO DEMO-TUCANA E A TV CULTURA

A Folha de São Paulo publica hoje, como destaque do caderno Ilustrada, entrevista com o presidente da Fundação Padre Anchieta e responsável pela TV Cultura, João Sayad. A matéria é referência emblemática da maneira como a atual administração demo-tucana, na verdade instalada no estado de São Paulo há 16 anos, encara a chamada coisa pública. Fazendo ecoar o que já havia sido recentemente dito ao mesmo jornal pelo secretário de Cultura do estado, Andrea Matarazzo, Sayad fala sobre os cortes de gastos e de pessoal que serão promovidos na emissora, que recentemente desativou sua sucursal em Brasília. E diz que "a programação também será revista. Os programas serão avaliados segundo cinco critérios: custo, audiência, share (porcentagem de telespectadores dentre as TVs ligadas no horário), repercussão e "diferença" (se as redes comerciais têm ou não programa semelhante)". E, claro, não descarta "o fim de programas cuja audiência esteja abaixo de parâmetros que serão fixados".

Sobre a entrevista e o tema, eu e o companheiro Fabio Cardoso, também jornalista e professor universitário, travamos hoje cedo um curto diálogo pelo twitter, que reproduzo aqui:

Fabio - Enquanto isso, o presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, quer ampliar a audiência da emissora. Ele quer popularizar os programas. Para Sayad, popularizar significa deixar de lado atrações como "Entrelinhas" e "Café Filosófico". Depois, reclamam do fim dos cinemas de rua, como o Belas Artes. É a mesma lógica que determina o "choque de gestão" na TV Cultura.
 
Chico - Esse tal choque de gestão pode ser traduzido como total falta de compromisso de uma TV pública com... seu público! Nada contra produções independentes, que podem representar contribuição importante, desde que viabilizadas estrategicamente.  Mas programação independente não pode representar válvula de escape, saída à direita para quem vê na TV Cultura apenas "gastos". E o que se pretende é abertamente lavar as mãos e terceirizar programação, abrindo mão da exigência de pensar papel da TV pública.  Nesse movimento, são jogados na lata do lixo programas importantíssimos, como os que você cita. É um atentado contra a sociedade.
 
Fabio - Mas é evidente que isso não está em questão na proposta do presidente Sayad. Ele quer audiência.
 
Chico - Mas é tremenda tolice tentar disputar audiência com TVs comerciais. Sem o diferencial de programação pública, tende a desaparecer.

2 comentários:

  1. E para prosseguir, se o camarada Chico aqui permite:

    1) João Sayad fala em audiência, mas, até agora, sua gestão não agregou o chamado capital humano para a emissora. Em vez disso, cortes, demissões, para não falar dos expurgos daqueles que ousam citar as palavras indesejadas, como pedágio. Imagine se alguém pronunciar Paulo Preto ou enchente.

    2) O mesmo João Sayad que repete a palavra audiência como se fosse algo simples de ser conquistado (sei lá, o homem deve acompanhar os índices de "Passione" ou de "A Fazenda" e quer algo semelhante) ignora de forma solene as atrações da emissora. Fosse o contrário, teria entendido o projeto de uma TV pública, cujos interesses são distantes do mercado;

    3) Mesmo sendo parte da alta esfera tucana, Sayad tem um problema com a palavra elite. De repente, ele não quer que a programação seja elitizada, mas sim "popular". Nem vou entrar no merito da discussão conceitual, porque há quem possa fazê-lo com mais cuidado. O fato é que a TV Cultura, com "Provocações", "Clássicos", "Zoom", "Entrelinhas", entre outros, atinge o público da classe C há muito tempo.

    4) Nesse sentido, deixar para a internet alguns programas porque "o público específico não precisa ocupar o horário nobre" (palavras de Sayad) é pensar de forma estreita. Como economista, Sayad deveria desconfiar dos números que mostram a internet como substituta da TV aberta nos corações e mentes. De um lado, porque boa parte dos acessos se dá via lan-house; de outro, porque assistir programas de TV na internet é uma experiência ainda mais fragmentada - basta ver o tamanho dos vídeos do YouTube, por exemplo.

    5) Por fim, Sayad menciona Gregório de Matos para, quem sabe, mostrar como a programação da TV Cultura é diletante. Se tivesse assistido a esse programa, o sr. secretário poderia compreender mais e melhor a obra do poeta. Pelo menos, ele não falaria platitudes em entrevistas à imprensa.

    Abs,
    Fabio

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  2. Durante as minhas férias forçadas escolhi ler mais um livro-aula do jornalista Eugênio Bucci, "19 horas,em Brasília - A guerra entre a chapa-branca e o direito à informação no primeiro governo Lula". Logo no início do livro, já fica explícito a dificuldade em fazer jornalismo de qualidade dentro dos veículos públicos de comunicação e principalmente, foca o seu conteúdo, em quem de fato, deveria ser a prioridade, ou seja, o público. Ler a entrevista de Sayad, basicamente, é identificar, mesmo nas entrelinhas, os inúmeros impecilhos que Eugênio Bucci trata no livro.

    Abraços,

    Ana Claudia

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