domingo, 30 de junho de 2013

E NÃO É QUE O CAI-CAI VIROU CRAQUE?

Texto originalmente publicado no portal "Eu Sou Santos" (www.eusousantos.com.br). Aqui, foi ligeiramente atualizado...

Foto- www.tribunadabahia.com.br


O menino era marrento, decidido. Futebol de craque desde muito cedo – o toque de classe, o drible curto, o improviso artístico. Tornou-se profissional aos 16 anos, absoluto na equipe que é uma das maiores do mundo em todos os tempos. Segurou a bronca. Vai prá cima deles. Ele foi. Em quatro anos, conquistou seis títulos, fez 138 gols pelo clube, foi eleito destaque em vários campeonatos, marcou o gol mais bonito do planeta em 2011. Representou.

Mas...

Ora bolas, foi tudo obra do acaso, uma grande coincidência. Sorte. Muita sorte, coisa de principiante. Porque, de fato, o moleque era um grande produto de mídia. Puro marketing, invenção da sociedade do espetáculo. Ídolo falso, fabricado. Mala. Um cai-cai que subvertia as regras do jogo, cavava faltas e tentava enganar juízes e a torcida. Levanta logo, seu trouxa, babaca, deixa de simular, não foi nada! Olha, é um perigo, se nada for feito, se ninguém tomar providência, esse moleque mimado vai virar um monstro. Cuidado! E que cabelo ridículo! Era um falastrão a praticar o anti-jogo, mais preocupado com os holofotes televisivos e com as propagandas e os patrocínios do que em jogar futebol. Até porque, vamos e venhamos, enfrentar essas equipes medíocres e seus zagueiros cabeçudos e caneludos que existem no Brasil é fácil. Duvido que faria essas mesmas firulas improdutivas e esses lances ridículos de foquinha em gramados europeus. Vai ser quebrado, trucidado, com toda a razão. E lá o juiz não marca qualquer faltinha não. Era um falastrão, baita de um pipoqueiro, amarelão, sempre sumia em decisões. Foi vaiado no Morumbi, foi vaiado no Mineirão.

Mas...

Aí o moleque resolveu seguir o conselho de muitos e foi respirar os ares futebolísticos da Catalunha. Que baita jogador! Nossa! Sensacional! É craque, dos melhores que já vi jogar nos últimos tempos. Dá gosto vê-lo em campo. São poucos. Gênio. Não sentiu a pressão na estreia da Canarinho nas Confederações, com menos de três minutos já tinha emendado um balaço de direita no ângulo do goleiro. Uma pintura. Um mestre da bola, tem tudo para ser um dos melhores do mundo em breve. E aquele sem pulo de canhota no segundo jogo, sem tirar o olho da bola, a acompanhar a trajetória dela, e a abrir o placar contra adversário casca grossa? Correu, marcou, roubou bolas, distribuiu chapéus. No fim, sabe-se lá como, fingiu que ia para a linha de fundo, travou a passada, mudou a rota, passou no meio de dois e deixou o companheiro na cara do gol para ampliar o placar. Foi o melhor da partida, sem sombra de dúvidas. Lindo ainda foi o golaço de falta, no jogo contra quem tem quatro títulos mundiais – batida seca, calculada, milimétrica, a bola a estufar as redes e a atingir o ângulo de um dos melhores goleiros do mundo, que só pôde observar. Maravilha! Brilhante! Viram como a equipe caiu de produção depois que ele foi substituído? É um craque. E o escanteio na cabeça do Paulinho contra a Celeste? Que perfeição... Na final, um canhotaço (mais um) no ângulo do Casillas e uma deixadinha manhosa para o Fred. Foi eleito o melhor jogador da Copa das Confederações. Escolha justíssima! O Maracanã rendeu-se ao talento do Moleque.


Pois é. Um craque. Nada como a experiência internacional para fazer nascer um craque... 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

CÓDIGO DE CONDUTA DO PROTESTO CIVILIZADO E LIMPINHO


1 - As lideranças do movimento e os responsáveis pela organização do protesto, qualquer que seja a natureza da iniciativa, pretenda a ação o que pretender, devem entrar em contato com as autoridades legalmente constituídas pelo menos três anos antes da realização do ato;

2- A partir desse contato inicial, será agendada uma reunião entre as partes, ocasião em que os manifestantes deverão entregar à administração pública um relatório detalhado, contendo os motivos do protesto e um plano de ações (roteiro) para o ato pretendido, além de nomes completos, endereços, RGs, fotos recentes e e-mails de todos os que serão autorizados a participar da manifestação;

3- Após análise cuidadosa do relatório, e caso a iniciativa venha mesmo a ser aprovada, as autoridades definirão, unilateralmente, a melhor data, local e horário para a realização do protesto. Caberá aos manifestantes apenas acatar a decisão, sem contestações ou contra-propostas;

4- No dia do protesto, todos os manifestantes, previamente cadastrados, deverão estar no local marcado com ao menos uma hora de antecedência. Serão recebidos pelas forças de segurança que, depois de revista, indicarão, mediante apresentação de senhas com códigos de barra, os lugares reservados, numerados e que cada um deverá ocupar;

5- Todos os participantes deverão obrigatoriamente trajar vestimentas que não atentem contra a moral e os bons costumes das nossas famílias (estamos falando de famílias formadas por homem-mulher-filhos, obviamente); deverão ainda ter colado, nas costas e de forma bem visível, um adesivo onde se lerá "sou manifestante civilizado, não faço baderna";

6- O ato acontecerá necessariamente em local fechado (ginásios, anfiteatros, auditórios), em regiões afastadas e com pouco ou nenhum movimento, para não atrapalhar o trânsito. Haverá transmissão ao vivo (apenas imagens, sem som) para quem estiver nas ruas, a partir de telões instalados em dois pontos estratégicos da cidade (não mais do que isso, para evitar tumultos). Jornalistas selecionados com antecedência poderão apenas e tão somente entrevistar as autoridades e fontes oficiais, jamais os manifestantes;

7- O ato de protesto deverá durar no máximo quinze minutos. Músicas e palavras de ordem serão permitidas, desde que também previamente comunicadas e aprovadas pelas autoridades competentes, e contanto que o barulho não ultrapasse quinze decibéis (não será permitido o uso de microfones, megafones e afins). Também estarão proibidas canções que representem convite à violência (nada de "vem pra rua", por exemplo);

8 - Ao final do ato, os manifestantes, em fila indiana, lentamente e com a mão direita tocando o ombro do colega da frente, serão ordeiramente retirados do local, sempre em silêncio, e depois de terem sido novamente fotografados, por medida de segurança. Todos deverão imediatamente dirigir-se a suas residências, sem dar um pio. Não serão toleradas esquisitas e subversivas rodinhas de conversas;

9 - Por fim, os participantes do protesto deverão assinar termo de compromisso que garantirá que as redes sociais não serão usadas para discutir e repercutir a manifestação. O que tiver sido debatido em local fechado de lá não deverá sair. A publicação de fotos ou de textos estará terminantemente proibida.

10 - Importante reforçar que todas as medidas aqui elencadas têm como único e democrático intuito garantir a constitucional liberdade de expressão e o direito ao protesto civilizado e limpinho, bem cheiroso, a respeitar a ordem, a rotina e a tradição pacífica e cordata de nossa sociedade, evitando assim que tais atos possam ser confundidos com iniciativas baderneiras e arruaceiras. 



Atenção - o texto acima carrega elevadas doses de ironia...

quinta-feira, 6 de junho de 2013

MEU RESPEITO AOS TURCOS!

(*) Silvia Macedo Chiarelli, educadora e proprietária da Escola Alecrim


Estou em Istambul em visita à minha filha, Teté, que mora em Beshiktas, um bairro próximo de Taksim. 

Como está sendo noticiado aí no Brasil, um projeto de reurbanização do governo pretende derrubar 600 árvores de um parque na Praça Taksim, no coração de Istambul, para a construção de um shopping center no local. Muitas pessoas ocuparam o parque para impedir o corte das árvores e, sexta-feira passada, 31 de maio, a polícia invadiu o parque para expulsar os manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo, jatos d’água e muita violência.

O que aconteceu depois, e continua acontecendo, é emocionante. Uma manifestação popular que foi crescendo ao longo dos dias, o protesto foi tomando o país! Parece que quanto mais a polícia reprime, mais gente aparece e a ameaça da derrubada das árvores acabou se transformando num protesto político sem precedentes nos últimos 90 anos do país. Trouxe à tona uma série de insatisfações contra o governo que os turcos não querem mais calar: se fala em autoritarismo, na arbitrariedade nas tomadas de decisão, na falta de escuta, em algumas questões econômicas, em posições retrógradas e muito conservadoras... E isso contra um governo com popularidade baseada no sucesso da política econômica. Milhares de pessoas tomaram as ruas em muitas cidades do país!

Como a casa da Teté é no meio do caminho, sábado acabamos participando de parte da passeata do pessoal que veio do lado asiático, pela ponte, em direção à Praca de Taksim (fala-se em 40.000 pessoas que atravessaram a ponte a pé!). Foi das coisas mais bonitas e emocionantes que já vi: pessoas de todas as idades, cantando, empunhando bandeiras da Turquia, uma festa. Vinha mais gente das ruazinhas laterais, os carros que passavam no sentido oposto buzinavam em apoio, muita gente batia panela nas janelas dos prédios... incrível! 

A polícia está reprimindo as manifestações com uma violência absurda, muito gás lacrimogêneo e canhões de água. Mesmo assim, os protestos continuaram durante o final de semana inteiro, em muitos pontos da cidade. Vale dizer que são pacíficos até a ação da polícia começar: aí surgem as barricadas, pedras, etc... 

O movimento foi organizado através das redes sociais, não tinha nenhum partido político por trás da mobilização popular. Tive a oportunidade de presenciar cenas incríveis: gente distribuindo água, máscaras, limão e leite com água (que dizem amenizar os efeitos do gás). Panos brancos em alguns estabelecimentos sinalizavam abrigo possível em caso de necessidade. 

As bandeiras nas janelas das casas, nas vitrines das lojas também se transformaram numa marca do protesto.

A partir da segunda-feira, os protestos voltaram a se concentrar na Praça de Taksim, o início marcado para as 9 horas da noite. Além disso, diariamente às 9 da noite em ponto uma barulheira danada continua tomando as ruas: panelas batendo, buzinas, apitos e vuvuzela durante muitos minutos. Para lembrar que podem não estar presentes na Praça, mas continuam mobilizados, insatisfeitos, querendo mudanças.

Ontem à noite bati panelas em sinal de apoio, quis mostrar meu respeito e admiração pelos turcos. Confesso que senti uma pontinha de inveja!

quarta-feira, 5 de junho de 2013

EM 2011, NEYMAR JÁ ERA PARÇA DO BARÇA

Sei não. Parece que a caixa de Pandora apenas começou a ser aberta. Se for escancarada e revirada até o fundinho, muitas outras maldades provavelmente saltarão de lá, a nos atormentar e assombrar. Que me desculpem os amigos santistas que já conseguiram virar a página e seguir em frente, mas ainda não consegui digerir o fato de um desses monstrinhos maldosos ter nos anunciado que a transferência de Neymar foi efetivamente sacramentada no final de 2011, por coincidência na mesma época em que o contrato com o Santos foi renovado (o tal do "eu fico") - e apenas um mês antes do Mundial de Clubes, quando enfrentamos o Barcelona na final. 

Não estou me referindo a ilações ou a boatos que vez ou outra são plantados e reverberados midiaticamente, a contemplar interesses de grupos políticos internos, na disputa pelo comando do clube. A afirmação foi feita pelo vice-presidente do time catalão, Josep Maria Bartolomeu, em entrevista coletiva realizada logo após o desfile do craque brasileiro pelo Camp Nou: em novembro de 2011, o Barça pagou a Neymar pai a bagatela de dez milhões de euros (cerca de 28 milhões de reais), amarrando o negócio e firmando o compromisso da futura transferência, afastando assim a concorrência de outras verdadeiras fortunas que já estavam sendo oferecidas a Neymar por gigantes europeus como Real Madrid e Chelsea. 

Não me perguntem qual é a expressão jurídica que deve ser aqui usada, não tenho esse conhecimento técnico, mas a realidade é que, ali, naquele momento, um pré-acordo ficou combinado, um pré-acordo foi firmado. Eram os tais dez milhões de euros que já apareciam em balanços financeiros e prestações de contas do Barcelona, como informavam os jornais espanhóis, mas que Neymares (pai e filho) e a diretoria do Santos faziam questão de ignorar, assobiando dissimuladamente, fazendo cara de paisagem e respondendo, sempre que questionados ou provocados, com convicção, que "não havia acordo algum". Havia. Em novembro de 2011, Neymar Jr. foi alçado à condição de parça do Barça.

Agora que a informação tornou-se pública, na voz de fonte oficial e fidedigna, e reforçada no site do clube catalão, o staff de Neymar calou-se. Num primeiro momento, o silêncio reinou também nas salas da Vila Belmiro. O alvinegro, no entanto, ficou numa saia justíssima: se tivesse conhecimento do acordo fechado entre o menino gênio e o Barça em 2011, ainda que fosse um "acerto entre cavalheiros" (belo eufemismo, que os dez milhões de euros parecem desmentir), o clube brasileiro teria de imediatamente ter acionado a FIFA, para processar os espanhóis por tentativa de aliciamento do atleta, já que pré-contratos só podem ser pactuados seis meses antes do encerramento de qualquer outro compromisso. No limite, juridicamente, o negócio poderia até ser desfeito.

O Santos pressentiu o perigo, entendeu a armadilha. Acusou o golpe. À coluna Painel FC da Folha de São Paulo (5 de junho), o vice-presidente do clube, Odílio Rodrigues, disse que "nunca tivemos conhecimento deste acerto. Nunca nos foi dito nada pelo Neymar, pelo pai do Neymar ou pelo Barcelona. Não pretendemos fazer nada. Negociamos o Neymar com o Barcelona porque achamos que foi vantajoso para o Santos. E havia o desejo do Neymar em jogar no time".

Então ficamos assim: o Barça revela que o negócio já estava garantido e parcialmente pago em 2011, o staff de Neymar não nega e a diretoria do Santos afirma que, apesar de "só saber agora", pretende fazer nada e deixar por isso mesmo (a direção catalã garante que recebeu anuência do Santos). Estou, insisto, trabalhando com declarações públicas de fontes oficiais, não com suposições ou boatos. Se foi assim, posso imediatamente inferir que, desde o final de 2011, Neymar já era jogador do Barcelona, temporariamente e generosamente emprestado ao Santos, e que partiria para a Espanha, mediante pagamento do restante da bolada, no exato momento em que o clube catalão avaliasse que seria mais adequado e conveniente para seus projetos e interesses. 

Foi exatamente assim que aconteceu - enquanto a hegemonia de Messi e companhia no continente europeu foi capaz de se impor, o Barça achou por bem deixar Neymar no Santos, talvez para não criar atritos, imaginando que não deveria mexer no que estava dando certo. Esse tempo pode ter servido ainda tanto para projetar mundialmente a imagem de Neymar quanto para massagear o ego de Messi, que sabidamente não gosta de dividir espaços com outras estrelas ou sombras. Quando o caldo entornou, o fim de um ciclo se anunciou, a torcida começou a cobrar e a renovação tornou-se urgente, a plaquinha subiu, o Barcelona estalou os dedos, fez cumprir o que já estava sacramentado e levou o craque brasileiro. 

Não estou questionando o desempenho de Neymar em campo, com a camisa do Santos. Reconheço que o camisa 11 sempre honrou o manto sagrado. Mas tudo isso que acaba de vir oficialmente à tona nos leva a sugerir, por fim, que o tal do "projeto inovador e revolucionário no futebol brasileiro para manter por aqui nossos craques e mostrar definitivamente que não somos mais apenas exportadores de talentos" pode não ter passado de conversinha para inglês ver, uma farsa, jogo de cena. No palco, os atores principais estavam todos acertados, combinados. Era só questão de tempo. Na plateia, nós, torcedores tolos e bobos da corte, comemoramos e aplaudimos iludidos um enredo de teatro do absurdo. 

domingo, 2 de junho de 2013

MADAME TRESLOUCADA NO TRÂNSITO

Série "Crônicas da Classe Média Paulistana" - 

Essa aqui aconteceu em abril, postei no face. É a mais completa tradução do "classe média paulistana way of life". Foi numa terça-feira, meio da tarde, para escapar do rodízio. No caminho para a universidade, rumo a mais uma jornada noturna, dirigia tranquilamente, ouvindo Bayern x Barcelona (foi o jogo dos 4 x 0 para os alemães), quando passei pela frente de uma escola infantil. Horário de saída. Uma mãe carregada de mochilas (quase não se via o rosto da moçoila) puxava preocupada quatro crianças pelas mãos. Pedia passagem. Motoristas civilizados e educadíssimos fingiam que não era com eles e seguiam em frente. Reduzi a marcha. Parei. Fiz sinal para atravessarem. A mãe agradeceu, as crianças sorriram e agradeceram. Mas a sujeita que vinha atrás de mim - dirigindo uma daquelas máquinas modernosas, super luxuosas, último tipo, nem sei o nome da tranca - resolveu enfiar a mão na buzina. Começou a agitar os braços e a me xingar. Quem me conhece um pouquinho só sabe como adoro esse tipo de situação. Permaneci parado por mais uns trinta segundos, impávido que nem Muhammed Ali, sem tirar do ponto morto, mesmo depois da travessia da família. A senhora da super máquina se descabelava. Esqueceu a mão na buzina. Comecei a andar a dez por hora, bem devagar, carro no meio da pista - e ela desesperada, porque não conseguia passar pela esquerda. Nem pela direita. Jogava o carro, tentava. Nada. Na esquina seguinte, parei novamente. Dei passagem para uma senhora atravessar a rua. A essa altura, a madame do carangão queria pular na minha jugular. Resolveu então escapar por uma travessinha, buzinando ainda mais alto e com metade do corpo para fora da janela, a elogiar todos os meus parentes. Deve ter parado numa farmácia próxima para tomar dose cavalar de calmante. Eu fui dar aula com a alma lavada. Bem leve.