A considerar as mais recentes pesquisas eleitorais, o candidato do Partido Socialista (PS), François Hollande, deverá vencer a disputa pela presidência da França no próximo domingo, derrotando o atual titular do cargo, Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular (UMP). A três dias do desembarque dos eleitores nas urnas, em segundo turno, os levantamentos oferecem ao socialista uma vantagem de, em média, seis pontos percentuais, o que não é garantia de vitória, mas representa margem de segurança razoável (sempre lembrando, claro, que essas fotografias não são absolutas e muitas vezes pregam peças). Para além do vencedor oficial - e lamentando profundamente o empobrecido e raso debate político que marcou a atual campanha e o fato também deplorável de na maior parte das vezes ter existido convergência e concordância entre o socialista e o conservador -, o fato que me parece incontestável é que a efetiva vencedora política (embora não eleitoral) será a extrema direita, representada neste ano pela candidata da Frente Nacional (FN), Marine Le Pen.
No primeiro turno, a votação da Frente (17,9%, ou 6,5 milhões de votos) foi recorde na história da agremiação e chegou a surpreender analistas políticos. Reportagem publicada pelo correspondente Andrei Netto, do jornal O Estado de São Paulo, avalia que "esse avanço só foi possível porque um eleitorado antes avesso à figura de Jean-Marie Le Pen agora se mostra seduzido pela juventude e pela modernidade de Marine. A base dos franceses que aderem às teses do partido não é evidentemente formada apenas pelos skinheads. Ela inclui também trabalhadores pouco politizados, de baixo nível educacional e empregados em postos precários". Ou seja, as propostas intolerantes, reacionárias e xenofóbicas são as mesmas, talvez até mais extremistas, mas agora surgem embaladas por um verniz de novidade, mais palatável e sedutor, do ponto de vista do marketing, da imagem e da forma.
Ainda no Estadão, no caderno Aliás, Damon Mayaffre, doutor em História pela Universidade Nice-Sophia Antipolis, confirma que há um empobrecimento do discurso político na França. Para ele, os grandes conceitos como liberdade, igualdade, democracia, capitalismo e socialismo não param de rarear. O pesquisador afirma que há ainda um deslocamento do discurso de Sarkozy para a extrema direita, e um dos sintomas desse movimento é a denúncia sistemática que o atual presidente francês faz de todos os "corpos intermediários" da França, como a Justiça, os sindicatos e a imprensa. "Creio que nos últimos anos a UMP e Sarkozy brincaram com fogo. Tentaram recuperar o eleitorado de extrema direita com algumas de suas temáticas. (...) Creio que a UMP queimou os limites, sem perceber que contribuía para radicalizar seu próprio eleitorado". O resultado, ainda segundo o analista: ser neofascista na França não é mais vergonha.
Sem pudores ou amarras, e muito provavelmente escancarando suas verdadeiras visões políticas (não penso que a radicalização intolerante do discurso de Sarkozy tenha sido inconsciente ou não pensada), o atual presidente da França recorre, nos momentos derradeiros da campanha, à tática do medo (José Serra no segundo turno de 2010 adotou caminho semelhante). Como revela matéria de Clóvis Rossi na Folha de São Paulo, Sarkozy apela diariamente para o "risco de islamização da sociedade francesa"; vocifera contra a invasão de imigrantes; condena o uso das bandeiras vermelhas, pretendendo resgatar um anti-comunismo tosco e abestalhado, mas que costuma funcionar; por fim, alerta para o risco de a França se transformar em uma nova Grécia, como se a eleição dos socialistas representasse o inexorável agravamento da crise econômica que flerta com o país.
É o óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues, mas precisa ser dito: abrir a caixa de Pandora é relativamente simples. Ajuda a ganhar eleições, ainda mais em tempos de crise econômica, de encruzilhadas sociais e de dilemas profundos de identidade. Eleitoralmente, é muitas vezes caminho eficiente. Tem sido cada vez mais usual. Administrar politicamente depois esse legado e conviver com as maldades agora livres da caixa é que são elas. Olhos muito atentos à França. O fascismo ainda não é hegemônico. Mas agora transita livremente, perigosamente desavergonhado por lá. Como reforça o filósofo Vladimir Safatle, em coluna publicada na Folha de São Paulo logo após o primeiro turno das eleições, "a França é o país europeu que tem a extrema direita mais forte. Há uma enorme faixa de eleitores racistas e xenófobos dispostos a, agora, falar em voz alta".
Não custa nada lembrar. No final da década de 20, um louco que dizia que "a judiaria estava acabando com a verdadeira Alemanha" começou a crescer, ganhar votos, ganhar aceitação, ganhar apoios, ganhar popularidade, até que ganhou a eleição em 1933. O restante da história não preciso nem contar, o mundo inteiro sabe e até hoje sofre as consequências dos atos tresloucados daquele maluco. E, também não é demais lembrar que a França foi o país que mais colaborou com as sandices de Adolf Hitler, mandando várias e várias centenas de judeus, ciganos, doentes mentais, etc., para as máquinas da morte alemãs. Se em 1933 os judeus eram os demônios, hoje são os islâmicos e os árabes. É a história se repetindo, 80 anos depois. Infelizmente.
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