sexta-feira, 4 de outubro de 2013

FRAGMENTOS AGONIADOS DE UM SANTOS X SÃO PAULO

A aula era sobre a construção da hegemonia dos Estados Unidos, disciplina "História Contemporânea". Conversávamos a respeito das frustrações provocadas pela administração do presidente Barack Obama. Eram quase dez da noite. Mentalmente, sem que ninguém percebesse, sem perder o fio da meada nem deixar de dar atenção aos alunos, desejei que o Santos fizesse um bom jogo. E bati com o dorso do dedo indicador três vezes na tela do celular, como sempre faço no início de cada partida. Para dar sorte. Funciona. Acreditem.

Pouco mais de vinte minutos depois, o celular, ligado mas colocado no modo silencioso, como faço em todas as aulas, até para conseguir controlar o tempo, anuncia uma nova mensagem. No telão, sala no escuro, em silêncio, víamos uma interessante entrevista do jornalista David Remnick, biógrafo do presidente estadunidense. Relutei. Nada de atrapalhar a aula. Consultei discretamente a mensagem. "Gol! Edu Dracena de cabeça, no terceiro andar!". Era um colega professor, solidário ao meu drama de, sem jamais deixar de lado o profissionalismo e a ética docentes, tentar acompanhar à distância o que acontecia na Vila Belmiro. Não movi um músculo. Comemorei em silêncio. Não duvidem. Funciona. 

Quando a aula acabou, perto das onze da noite, o primeiro tempo também já tinha chegado ao fim. Como nenhuma outra mensagem havia dado o ar da graça, entendi que ainda estávamos na frente. Acertei. Vi o gol do Edu na sala dos professores, antes de assinar o ponto, nos melhores momentos exibidos durante o intervalo da partida. Voei para o estacionamento, mas não quis ligar o rádio - acreditem, dá um azar dos infernos, o Peixe invariavelmente perde quando resolvo ouvir os jogos recorrendo ao meu amigo falador do carro. Preferi sintonizar música brasileira, no máximo volume, para não correr risco de ouvir gritos e rojões, em caso de empate do São Paulo.

Mais uns dez minutos e, em plena avenida Faria Lima, perto do shopping Iguatemi, o celular piscou de novo. Hesitei. Segundo? Empate? Esperei parar num farol vermelho. Não resisti. Cliquei. "Dois a zero!", torpedo curto e objetivo. Era outro amigo santista, a também fazer parte da rede de solidariedade que pretende informar um professor santista em desespero.

Cheguei em casa a tempo de ver os últimos vinte minutos do clássico. Busquei rapidamente abrigo na ponta esquerda do sofá, lugar da sorte, controle remoto na mão direita, como mais um amuleto. Só então descobri que jogávamos com um a menos. Alisson tinha sido expulso com justiça ainda no final do primeiro tempo. Imaginei que ia sofrer, me preparei para ver o bicho pegando naqueles minutos derradeiros. Mas o São Paulo sequer conseguia chegar perto da nossa área. O Santos jogava muito bem, coeso e de maneira inteligente. 

Ainda pude ver o terceiro gol, marcado pelo Leo. Tudo o que tinha sido até então comedido e ético silêncio transformou-se em saltos e gritos que, quase meia-noite, ameaçaram acordar o bairro de Perdizes, quem sabe também os vizinhos da Pompéia, do Sumaré, da Lapa... Por alguns segundos, tive receio de ser expulso do prédio. Fiquei esperando o interfone tocar, alguém do outro lado reclamando, dizendo não muito educadamente (com razão) 'quero dormir'. Nada. Mudei de canal, para ver os comentários e as entrevistas dos técnicos - aquilo que aqui em casa a gente chama de "conversinha de futebol". Fui dormir muito mais leve. 

Um comentário:

  1. caro Chico
    a expulsão do Alisson foi justa?
    Tão discutível quanto a não expulsão (sequer amarelo!) ao jogador do são paulo no mesmo lance.
    Observe os pés do jogador sãopaulino ...
    ... dá para ver as travas da chuteira ... e o árbitro da partida, como quase todos os que apitam no futebol brasileiro é péssimo.

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