quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

EM SÃO PAULO, INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA É MAIS UMA MEDIDA ESTÉTICA


Não sou especialista, mas, como curioso cidadão do mundo, tenho procurado ler um tanto a respeito da internação compulsória de dependentes químicos, prática agora assumidamente incentivada pelo governo paulista (sob os movimentos silenciosos e cúmplices do Ministério da Saúde).

De tudo o que consegui reunir, me parece que há consenso médico: em situações-limite, extremas, complicadíssimas, torna-se necessário recorrer à compulsória. Mas é isso: exceção da exceção, último recurso, não regra. Não se vai sair por aí internando qualquer um e todo mundo. Deve ser medida avaliada com responsabilidade por qualificada e bem formada equipe multidisciplinar - e a mesma dimensão de atendimento multiprofissional e de longo prazo deve ser posteriormente garantida aos usuários nessa condição.

O intuito, aqui, é permitir que a pessoa que, por diversas e diferentes razões, está mergulhada na merda absoluta possa ter resgatada sua condição humana, para então ter a prerrogativa de decidir se quer ou não continuar o tratamento. É uma questão de direito humano, de cidadania, a ser considerada a partir do viés de saúde pública. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece que “em situações de crise de alto risco para a pessoa ou outros, o tratamento compulsório deve ser determinado, sob condições específicas e período especificado por lei”.

Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, escreve hoje na Folha que "há uma necessidade premente de que as autoridades se responsabilizem pelos doentes mentais. O débito do poder público com essas pessoas é gigantesco. O dependente de crack, muitas vezes, é portador de algum transtorno mental e carece, antes de qualquer coisa, de atendimento médico. Se a internação à força for apenas o início de um processo de tratamento para aqueles que precisam de atendimento e não o têm, aí sim teremos uma iniciativa correta por parte do governo".

Até mesmo Dartiu Xavier, psiquiatra, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e uma das principais vozes que se levanta contra a compulsória, reconhece que há momentos em que ela se impõe. “Todo uso de drogas pode trazer algum risco de vida, mas a internação compulsória é um dispositivo para ser usado quando existe um risco constatado de suicídio. A outra situação é quando existe um quadro mental associado do tipo psicose, seria quando a pessoa tem um julgamento falseado da realidade: se ela acha que está sendo perseguida por alienígenas ou se acredita que pode voar e resolve pular pela janela. Nessas situações de psicose ou um risco de suicídio é quando poderíamos lançar mão de uma internação involuntária”, afirmou, em entrevista publicada pela revista Caros Amigos.

O xis da questão: a mentalidade e o propósito da administração estadual tucana nesse caso - em mais esse caso - são bem outros: limpeza social. Higienização. Prisão. Vistos pela parcela conservadora da sociedade como a escória que não tem mais jeito, os farrapos fedorentos, violentos, ameaçadores, monstros, bandidos, os usuários precisam ser rapidamente retirados das ruas porque enfeiam a paisagem e incomodam as elites diferenciadas. O sujo deve voltar a ser limpo, cartão postal a ser vendido aos turistas e admirado pelos puros nativos. Até porque tais esclarecidos limpinhos têm plena certeza de que sabem, sempre, o que é melhor para os outros. São autoritários, absolutos, donos da verdade. Há nessa postura também evidente componente moralista. Vamos chamar a tropa de choque e recorrer às algemas. 

A lógica da truculência prevalece sobre a perspectiva do resgate humanista. Os usuários são tratados como caso de polícia, o lixo a ser varrido, a qualquer custo, à força, para debaixo do tapete. É medida estética, pontual, desconectada de tantas outras iniciativas relevantes. Para esse raciocínio tão simplista quanto reacionário, se esse zé povinho noiado estiver longe das ruas, escondido, confinado, vivendo em guetos, já terá sido suficiente, uma política de sucesso. Ainda que não tenham sido desenvolvidos esforços para ressocializá-los. Ainda que a dimensão de saúde pública tenha sido ignorada. O que estão a pedir esses iluminados é “afastem da gente esses animais selvagens e desqualificados”.

Continua Antonio Geraldo da Silva: “a internação requer indicação médica, quer seja voluntária, involuntária ou compulsória. Caso contrário, a iniciativa não passaria de uma limpeza urbana, uma triste eugenia”. Dartiu Xavier é ainda mais incisivo: “na verdade, o que vai acontecer é que isso vai funcionar – funcionar entre aspas porque não será eficaz – nas populações carentes. Porque quem é classe média e alta e tiver fumando crack na rua, vai ser pego, mas o papai vai colocar ele numa clínica chique, vai ficar uma semana, e vai para casa depois. Então é um sistema bastante questionável do ponto de vista ético, porque vai ser aplicado nas populações "indesejáveis".

Ao patrocinar a internação compulsória de inspiração e natureza policialescas, o governo paulista está a reforçar o “danem-se os dependentes químicos, às favas com a saúde pública”. O importante mesmo é prestar contas aos apelos e à grita dos adeptos do “prende e arrebenta”, que ficam alegres e comemoram. Em movimento de mão dupla, e satisfeita com esse respaldo, a administração pública dorme tranquila.  

2 comentários:

  1. O tema é indigesto. E, infelizmente, tem revelado mais os preconceitos de classe do que qualquer outra ação, ou intenção, de terapia e reabilitação.

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  2. Seu blog é óptimo,gostei dou-lhe meus parabéns.
    Com votos de grandes vitórias.
    PS. Se desejar fazer parte dos meus amigos virtuais, faça-o de forma a que possa encontrar seu blog para segui-lo também.
    Sou António Batalha.

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