O texto abaixo foi escrito pelo poeta Thiago de Mello (nascido no Amazonas, perseguido pela ditadura militar e exilado no Chile, onde tornou-se amigo de Pablo Neruda), numa ocasião em que trocou e-mails com uma muito querida e guerreira amiga minha, também jornalista. Conversavam os dois sobre versos e pensamentos poéticos - e o que o poeta fez foi presenteá-la com reflexões sensíveis e profundamente tocantes sobre a beleza da vida e os encantos da existência humana. Com a devida autorização, decidi compartilhar essa maravilha com os leitores do Blog. Porque, em tempos tão duros de protofascismos, manos, chacinas, rampas contra mendigos, proibições infinitas, Pinheirinhos, higienes sociais, "quem não reagiu está vivo" e quetais, é preciso - fundamental - respirar esperança, para sentir a alma pulsar novamente. Muito obrigado, Thiago!
"Para começar, acho que a vida do homem neste lindo lugar tão maltratado chamado Terra, nossa morada, está ficando cada dia mais complicada, mais difícil. Simplesmente viver já é uma aventura arriscada e mal sucedida, para milhões de seres humanos, só neste país marcado pelo abismo infame entre poderosos que têm tudo e querem ter cada vez mais e a legião de miseráveis que mal conhecem o cheiro do pão de cada dia. A sobrevivência honrada, digna da beleza da condição humana, é esmagada pela injustiça, pela desavergonhada corrupção. E a convivência, que é, afinal, o que dá verdadeiro sentido à existência humana? Cada dia mais complexa, mais difícil. O homem se transforma cada dia mais num animal que tem medo do homem. Que desconfia dele. A pessoa amedrontada fica agressiva. O homem e a sociedade.
A indiferença sufoca a solidariedade. O respeito ao semelhante deu lugar à fúria do individualismo, que é, sim, uma forma de violência. Tanto quanto a fome.
Dentro desta realidade social, onde você vê a vida simples? A vida não é simples nem para a Natureza tão bondosa, que vive para ser útil à vida dos animais, inclusive ao seu filho mais ilustre, o homem. Sei o que estou dizendo, porque consagro muito de mim, com a minha palavra e a minha vida, pela preservação da floresta amazônica, o mais precioso patrimônio de vida, o maior parque genético do planeta, cada dia mais perigosamente ameaçado pela cobiça internacional e indiferença dos governantes e falta de consciência do brasileiro.
E no entanto, pois lhe digo com toda a naturalidade, faz tempo, entre o apocalipse e a utopia, optei pela utopia. Acho que é possível, sim, a construção de uma sociedade humana solidária. Vai demorar, vai ser preciso educação e consciência, de que cada um pode fazer a sua parte para mudar o que deve ser mudado. Apesar de todas as ferocidades do nosso tempo que se abatem contra a esperança da vida que o ser humano merece.
A grande crise que mancha a vida humana é a falta de esperança, é o desamor. A indiferença pela dor alheia. A mentira que degrada a palavra.
De minha parte, sigo fiel ao que escrevo: "Aqui tenho a minha vida, pronta para ser usada. Vida que não se guarda, e nem se esquiva assustada. Para servir ao que vale a pena e o preço do amor."
Thiago
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