sábado, 20 de agosto de 2016

RECADO DE NELSON RODRIGUES



Nelson Rodrigues já tinha cantado a bola - o escrete nacional precisa de carinho. Melhor ainda se for uma abundância de afagos, de beijos e abraços, transformados em intensa paixão, fundamental para para embalar a canarinho (e também para chupar um picolé). Nelson tinha orgulho danado da linda e extraordinária história dessa Seleção. Era a pátria dele. A pátria de chuteiras. Nos últimos anos, no entanto, se vivo fosse, desconfio que os textos inigualáveis dele estariam destilando raiva e transbordando impropérios sem fim. O que estão fazendo com a Seleção?!, esbravejaria. Por obra e graça dos intensos esforços da Confederação Brasileira de Falcatruas, entre Parreiras e Dungas, Teixeiras e Del Neros, Marins e gaúchos de bigodes, Paraguai e Peru, sete a um martelando na cabeça, apagões e eliminações vergonhosas acumuladas, futebol burocrático e brucutu desfilando em campo, o Brasil que encantou o planeta boleiro e foi imortalizado em verso e crônicas por Nelson passou a ser achincalhado. Motivo de piada. Bordoadas de todos os lados. Quando o Brasil entrava em campo, ele sentia falta "do choro que vem das entranhas, da dor que irradia e derrama dos olhos, do grito que rasga a garganta". Não havia mais paixão. Da sua cadeira cativa no Maracanã, talvez Nelson escrevesse - está uma porcaria mesmo. Mas não são os jogadores, estúpidos. Não maltratemos nossos jogadores. Não vamos destruir nosso craque. É a engrenagem. A cartolagem. "Em futebol, o pior cego é o que vê só a bola". Demitam todos. Deixem nossos boleiros jogar. Com a alma e a arte do nosso futebol. Nelson não conseguiu conter a alegria quando o anãozinho mudo foi defenestrado. Quem sabe? Cerrou os punhos e comemorou a contratação daquele outro gaúcho que fala bonito nas coletivas e que acha que os adversários falam muito. Será? Aplaudiu a manutenção do técnico que já estava no comando da olímpica. Bravo! Torceu o nariz e deu murros na mesa, é verdade, nos dois primeiros jogos do escrete. Com todo o respeito, mandou, não dá para empatar com África do Sul e Iraque. Continua faltando alma! Temeu a tragédia da desclassificação na primeira fase. Abriu um discreto sorriso de canto de boca na vitória contra a Dinamarca. Está com mais cara de Brasil. Voltou a chamar de canarinho após a goleada contra Honduras. Fazia tempo que não se referia dessa maneira à Seleção. Antes da final, avisou logo: não é revanche. Não tem nada que pensar em devolver os sete a um. Nelson chegou cedo hoje ao Maraca. Estava apreensivo. Tomou assento no lugar de sempre. Passou os cento e vinte minutos, mais os pênaltis, sem dizer uma palavra. Apenas mirava o campo. Comemorou como Pelé, saltando e socando o ar, o inédito ouro olímpico. No celular (sim, Nelson achou por bem aposentar a velha olivetti), ainda em êxtase, antes da cerimônia de premiação, digitou a crônica do campeão. "Amigos, falemos ainda do Brasil. Nesse momento, o mundo todo está de novo de olho no fabuloso escrete brasileiro. Eis a caridade que nos faz o escrete: dá ao roto, ao esfarrapado, uma sensação de onipotência. Não há distância entre nós e a equipe verde-amarela, ou por outra: há uma distância falsa, uma distância irreal. Na verdade, estamos encarnados no escrete". Não, ainda não é a redenção, completaria Nelson, já em casa, mais comedido, banho tomado, adrenalina da final já tendo passado. Talvez tenhamos começado a renascer. Hoje, continuou, vimos dribles e triangulações em campo. Tabelas. Um jeito mais alegre de jogar. Esquema mais bem definido. Alma. Oxalá seja mesmo um recomeço. Do além, do olimpo dos cronistas, terminou mandando um recado: 'Tite, não se esqueça. O escrete precisa de carinho'.

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