domingo, 24 de maio de 2015

NÃO TEVE FESTA PORTUGUESA NO PACAEMBU

Noite de sábado em São Paulo é sinônimo de balada. Melhor dizendo, de reunir a boleirada para uma festa, com certeza. Cantiga de amor pelo ludopédio, mui fremosa senhoura. Toca o fado, roda e gira e bate o pé. Deixa chegar a charanga da Leões da Fabulosa. Tem Portuguesa e Brasil de Pelotas pela série C. A tradicional Lusa do Canindé contra o centenário xavante gaúcho, num dos jogos mais cheios de charme da terceira divisão do Brasileirão. Vesti minha camisa verde e vermelha patrícia e zarpei para o Paulo Machado de Carvalho, 'o meu, o seu, o nosso Pacaembu', como não se cansa de cantar a voz grave do locutor oficial do estádio mais aconchegante e querido da cidade. Mas tem jogo mesmo? Boleiros e boleiras, a praça está às escuras. O portão principal, fechado. Subimos sozinhos a ladeira que dá acesso ao setor laranja. Não há flanelinhas cobrando sei lá quantos reais para tomar conta do carro, a dizer 'patrão, pode deixar, fica sossegado que vai estar direitinho quando o senhor chegar'. Os vendedores ambulantes não dão o ar da graça. Nada de cerveja, nada de água, nada de refrigerante, nada de 'aqui é gelada e duas por cinco'. Cadê aquele cheiro irresistível de churrasquinho de gato? Sanduba de calabreza? Nem mesmo os pequenos comerciantes de calçadas que vendem camisas genéricas de times de futebol montaram suas banquinhas. A rua é só silêncio. Até que no meio do caminho encontramos um fila. Grandinha, até. Para comprar ingressos. Encontra um, encontra outro, abraça, cumprimenta, como vai você, histórias de Éneas, Djalma Santos, Toquinho, Jorginho, menino Dener, Rodrigo Fabri e da Barcelusa lembradas com orgulho nostálgico. E nada de a bicha andar. Um gajo avisa que é porque as entradas ainda não chegaram na bilheteria. Fiquei sem saber se era verdade ou piada de português. Um passinho para frente, por favor. Começou a vender. Só um guichê funcionando. É de lascar. O futebol brasileiro não é para amadores. Só sobrevive quem gosta muito do tal jogo. Nossos gestores - tenho ódio dessa palavra, confesso - tratam pessimamente o torcedor, esse pobre coitado. O gado segue em frente, paciente. Quem sabe um dia estoure uma revolução boleira dos cravos, quando alguém começar a cantar nas arquibancadas Grândola, Vila Morena. Pá, pelo menos a Lusa começou acelerada, decidida como a esquadra de Cabral. Gol com menos de três minutos. Meio desajeitado, é verdade, chute estranho, bola mascada. Mas está lá, com sotaque arrastado bem da terrinha, no fundo do gol. Lusa-ê-ô. Lusa-ê-ô. A torcida bem que tentou empurrar. O time em campo, no entanto, estava mais para ensaio sobre a cegueira do que para as armas e os barões assinalados de uma ocidental praia lusitana. Difícil. A começar pelo goleiro Felipe, também conhecido como Mão de Alface. O lateral direito, coitado, deve ter recebido ordem da coroa portuguesa para não cruzar jamais a linha do meio do campo. Tratado de Tordesilhas. Houve momento em que um torcedor mais exaltado, provavelmente nutricionista de formação, achou por bem questionar os hábitos alimentares do atleta. 'Comeu feijoada no almoço, seu palhaço?'. A zaga chutava para onde o nariz apontava, como se costuma dizer lá na minha vila, Tudo bem, é jogo de campeonato. Mas só bola para o mato? Lateral esquerdo? Nem sei se entrou em campo. Quase pedimos licença ao árbitro para interromper a peleja por alguns segundinhos, só para que fosse possível apresentar a pelota para os volantes e meias. Atenção, gajos, essa é a bola. Tratem com carinho. Os atacantes não teriam lugar numa pelada de amigos de sábado, casados contra solteiros. Talvez nem no banco de reservas. A Lusa, tão detonada e achincalhada nos últimos tempos por diretores paspalhos e de duvidosa índole e por mandarins da confederação que rege o mais popular esporte do país, merece muito mais. 'Meu Jesus do céu, que time medonho, dai-me forças para suportar essa partida', lamentou um patrício perto do alambrado. 'Está parecendo jogo de pebolim. Só bate e rebate'. O raparigo tinha plena razão. Era bicanga para todo lado. A pelota passava mais tempo viajando pelo ar do que correndo lisa no gramado. E o juizão, hein? Sua excelência o árbitro merece capítulo à parte. Se a competência de nossos homens de preto (agora de amarelo, de vermelho, de rosa, com patrocínio na camisa, fones nos ouvidos) já é bastante duvidosa na série A, tentem calcular o que é um apitador da terceirona. Rabos de arraia e cotoveladas fartamente distribuídos. E o sujeito do apito a ordenar 'segue o jogo'. Foi quando me dei conta que um jogador da Lusa que não tinha sido anunciado na escalação, nem mesmo entre os suplentes, era um dos destaques em campo. Elemento surpresa, vai ver. Estratégia do técnico. O nome dele: Baralio. Incrível, a torcida quase todinha o conhecia. Gritava o nome dele. Dava ordens. 'Vai, Baralio. Corre, Baralio. Sobe, Baralio. Encosta, Baralio. Toca, Baralio'. E o Baralio lá, tentando se virar nos trinta para tentar dar conta do recado. Sem ligar para o Baralio, num lance bonito, o guerreiro xavante deixou o lateral da Lusa - aquele que não despreza uma boa feijuca no sábado - quase com a bunda no chão, para soltar uma bomba  no ângulo do Mão de Alface. Não dava mesmo para pegar, nem que fosse Mão de Tijolo. Irritadíssima, a torcida da Lusa mandou ver no festival de palavrões. Anotei alguns que, confesso, desconhecia. Os apelos ao Baralio, coitado, tornaram-se ainda mais intensos. 'Que merda, Baralio. Seu morto do Baralio. Faz alguma coisa, Baralio. Joga na área, Baralio. Está acabando, Baralio. Rápido, Barálio'. Não deu. Terminou empatado mesmo. A Lusa tem só um ponto na tabela da classificação. Tinha sido derrotada pelo Londrina na primeira rodada. Enfrenta o Madureira na próxima rodada, no Rio de Janeiro. Não vai ser fácil cruzar o Atlântico para voltar para a série B. O torcedor ao meu lado ainda tentou acomodar, exercício profundo de auto-convencimento, a lembrar que 'tudo bem, o time é novo, está apenas começando, é só treinar que vai melhorar'. Achei melhor não contrariar, chamar o fulano à realidade, mandar um 'cara, me desculpe, mas o time é muito ruim, dos piores que já vi em campo. Não vai dar'. Continuei quieto. Afinal, esse é o time da Lusa que vai passar no Tejo daquele torcedor nesta série C. Só resta continuar navegando.  

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