quarta-feira, 24 de julho de 2013

ESCREVER É SEMPRE UM ATO DE PACIÊNCIA E DE CORAGEM



Confesso: sou alguém cada vez mais arrebatadoramente apaixonado pela escrita. Descobrir (e testar, errar, voltar, desviar, recomeçar) os atalhos e os caminhos que transformam palavras e frases soltas em narrativas com começo, meio e fim é das habilidades mais fascinantes que a espécie humana foi capaz de conquistar. Claro, a produção de textos, equilibrada combinação de razão e sensibilidade, é tarefa singular. Não há fórmulas, trajeto único, modelo infalível, pote de ouro garantido no final do arco-íris. No meu caso, diante de um tema, uma pauta, uma provocação, tudo o que consigo tocar nesse primeiro momento é a dúvida, a angústia, a escuridão densa de um "e agora?". Vale para qualquer texto, com diferentes gradações e níveis de sofrimento: um post no facebook, matéria ou crônica no Blog, reportagem para um frila, entrevista, artigo para uma aula. É obsessivo, maníaco, quase patológico. Assumo.  

Vêm as leituras, pesquisas, anotações, rabiscos sobre números e dados, um olhar perdido e pensativo, repentino, na mesa do bar, no meio de um encontro de amigos, o silêncio contemplativo, enquanto todos falam desbragadamente. Quando surge alguma ideia, apresso-me a agarrá-la no ar, esboço sorriso. Bem de leve. Os filhos percebem o estado de transe, "pai, ei, acorda, em que mundo você está?"; a esposa, que já sabe de longa data como funciono, brinca e diz "seu pai está montando um texto. Ou fazendo alguma análise sociológica".

Umas manchas ainda desbotadas começam a ser anunciadas. Com mais um pouco de paciência, coragem, força, alcançam o status de ideias - soltas, perdidas, fragmentadas, sem fazer muito sentido. Aparecem nas situações mais inusitadas - no banheiro, numa reunião importantíssima (e o interlocutor não para de falar, é desesperador), durante o jogo decisivo de futebol, nos sonhos (levantar e registrar? Não, acho que consigo lembrar amanhã...). É um estágio pautado não pelo acaso, mas por dinâmica e efervescente intuição, porque estímulos elétricos já tinham sido disparados, fazendo o tico conversar com o teco, em sinapses que provocam tremeliques de desejos e ansiedades. Legal, mas o que fazer com esse turbilhão tão bagunçado de possibilidades?

Algumas ideias são anotadas; outras, rapidamente descartadas. Lixo, bobagem. Há ainda aquelas que merecem uma segunda chance e são cuidadosamente depositadas numa caixa reserva, em repouso, para serem regadas e fermentadas. E não é que aos poucos começam a conversar entre elas, em diálogos cada vez mais barulhentos? Engates surgem, por semelhanças ou estranhamentos, proximidades ou oposições. Os estilhaços ganham contornos de conjuntos, cada vez mais afinados, harmônicos, em sintonia. Na cabeça, tudo está muito claro. Cristalino. Passo e repasso a história, as cenas, as falas, o clímax, os argumentos, os personagens. Já temos começo, meio e fim!

Arrisco uns rabiscos no papel. A folha fica cheia de asteriscos, comentários, anotações, flechas, acréscimos, orações inteiras riscadas e cortadas (pode ser feito também direto no computador, recorrendo às cores e ao comando "controlar alterações" acionado. Mas não substitui a beleza do rascunho manuscrito). Primeira versão concluída. Crise. Não gostei. Porcaria, na cabeça estava tudo tão bem resolvido, evidente. Agora está burocrático, sem alma, apesar de tecnicamente correto. Deixo de lado. Respiro. Repenso. Ando sem parar. Fico agoniado. Viajo mais um pouco, solto o pensamento. Melhorar onde? Como? Tento de novo. Peço para alguém ler e dar sugestões. Leio em voz alta. Procuro perceber as lacunas e a sonoridade da história.

Vamos lá. Concentração. Sento. Reescrevo. Segunda versão. Vá lá, há avanços, já tem carinha de história. Mas dá para mexer mais. E mais. Decisões frenéticas. Sobe frase. Desce parágrafo. Junta trechos. Resgata anotações. Como é que deixei essa fala de fora? Experimento outro abre. Mudo o final. Opa, vai sair, estou gostando! Só mais um pouquinho, umas mudancinhas extras que me ocorreram neste momento derradeiro (porque tem sempre o prazo. Podem ser horas, dias, semanas. Mas o "termina já!" sempre se faz presente, atormenta).

Mais umas duas versões depois, o coração está mais tranquilo, já é possível sorrir de encantamento, sem fazer muito esforço. Acho que ficou razoável. É, ficou bom. Reviso. Reviso. Reviso. Pinta certo cansaço, aquele sentimento de "ponto máximo, é o melhor que posso fazer. Não dá mais. Se insistir, vai virar bode. Pior". Imprima-se. Publique-se. O que será que os leitores vão dizer? Pedras ou confetes e serpentinas? E é inevitável - quando volto a ler a versão já publicada, agora com relativo grau de distanciamento, os dedos começam a coçar, ouriçados. Deveria ter escrito diferente aqui, ali, acolá. Não acaba nunca. Bom sinal. Fantástico.

Qual é mesmo o assunto do próximo? O prazo?

Um comentário:

  1. No meu caso as melhores inspirações são aquelas da madrugada. Por isso é bom sempre ter um caderno e um caneta por perto, pois é na hora que deveria ser de descanso que a cabeça teima em funcionar, criar...

    ResponderExcluir