sexta-feira, 24 de maio de 2013

SEM VERGONHA DE SER RACISTA

Série "Crônicas da Classe Média Paulistana" - 


Final de tarde, escritório de um amigo. Só gente fina e elegante, na estica, alegorias e adereços, firulas disso e daquilo, celulares de última geração, sobrenomes quatrocentões, roupas de marca e títulos acadêmicos a distribuir. Reunião de chamados "formadores de opinião". Boa parte deles se concentrava num canto do salão retangular, perto de uma enorme janela, sem piscar ou desviar o olhar, embriagados pela telinha mágica que exibia a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. "Bem, amigos da Rede Globo! Haja coração!". Do lado de lá, grupos musicais típicos do país se apresentavam, com roupas coloridas, tambores e contagiante alegria. Por aqui, com o respaldo efusivo e barulhento dos poucos que permaneciam nas mesas de trabalho, ao som também de risadas histéricas, a audiência classe média paulistana sentia-se à vontade para dizer, sem qualquer pudor ou constrangimento: "nossa, já imaginaram como estão fedidas essas negras suadas pulando como macacas no palco? Credo, jamais chegaria perto dessas pessoas. Que coisa horrorosa. É primitivo mesmo. Eita pobreza, eita país atrasado".

Cortamos para o mês de outubro, se a memória não falha, mesmo ano (certamente), mesmo escritório. Quase todas as mesmas pessoas, plateia esclarecida, gente fina, elegante e sincera, inebriadas novamente pelo príncipe eletrônico, agora a mostrar espetacularmente a ocupação de favelas cariocas pela Polícia Militar. "Fecha naquela imagem! Aproxima a câmera!". Gritos. Urros. Uivos. Clima de guerra. "São a escória, mata, pega, não deixa fugir. Atira mesmo, é para matar. Esse povinho não merece viver. Que polícia incompetente. Se fosse aqui em São Paulo, o problema estaria resolvido, não sobraria um. E ninguém ia sentir falta. Direitos humanos para bandidos? Poupe-me". 
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Do Jessé de Souza, sociólogo e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF): "A nossa classe média é singularmente perversa e infantilizada, apenas por ser o suporte social mais típico de uma visão de mundo narcísica que transforma exploração em generosidade, impedindo todo aprendizado possível e toda crítica. Mas a cegueira e o atraso da consciência moral comprometem a sociedade como um todo."

2 comentários:

  1. ótimas descrições! Série importante, Chico. Só dá uma ajeitada nessa menção ao Jessé de Souza, pois algum desavisado poderá achar que ele escreveu os parágrafos acima!

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  2. Os participantes dessa "reunião de chamados formadores de opinião" devem morar no condomínio que você descreveu na crônica "Visitas pelo elevador de serviço?".
    Esse condomínio chamado Bra...
    Da-lhe Chico!

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