quinta-feira, 9 de maio de 2013

GENTILEZAS

Estava ainda sonado. A noite tinha sido agitada, dorme e acorda, cochila e desperta, virando na cama de um lado para o outro. Na madrugada, levantou para tomar água duas vezes. Estava ansioso. Como se daria aquela estreia? Seria bem recebido? Tudo era gostosa novidade - as matérias, os amigos, a sala, os livros, os cadernos, o estojo, a mochila, o parque, a quadra. 

- Vamos, mãe. Não quero chegar atrasado. 

Estava prontinho, uniforme tinindo e brilhando de novo, trinta minutos antes do horário combinado. Desceu do carro com um frio na barriga. Acomodou a mochila nas costas. Curvou-se para frente. Estava pesada. Caminhou em silêncio. Mas, ao passar pelos porteiros, abriu um sorriso e disse um sonoro e contagiante "bom dia!". Desejou o mesmo para a faxineira que terminava de limpar o banheiro, logo na entrada da escola. Espantados, os funcionários demoraram a compreender. Retribuíram. 

Avançou pelos corredores calmamente, sem apressar o passo, pedindo "licença, por favor" e acenando com outros "bons dias" àqueles rostos até então desconhecidos com quem ia cruzando. Entrou na sala de aula cumprimentando todos os novos colegas, que olharam para ele com evidentes expressões de pontos de interrogação. Achou por bem dizer "muito prazer, sou o Tales. Sou novo na escola. Tudo bem?". As testas franzidas indicavam estranhamentos ainda mais evidentes. Acomodou-se em carteira da primeira fila, perto da janela. Acenou para o professor que entrou para a primeira aula - História, que ele adorava!. Aproveitou para pedir licença e apresentar-se mais uma vez. 

Ouviu atentamente as explicações sobre o conteúdo da disciplina, os temas que seriam discutidos, o sistema de avaliação, os trabalhos de pesquisa. Cuidadoso, empolgado, registrava tudo no caderno. Não tão discretamente, o professor esticou o pescoço e os olhos e procurou alcançar aquelas anotações, num sentimento misto de satisfação e de nostalgia. Já não estava mais acostumado com aquela postura. Leve sorriso. Tales ergueu a mão. Aguardou pacientemente até ser chamado.

- Professor, por favor, pode explicar novamente o trabalho que vamos fazer sobre a Grécia? Fiquei com dúvidas...

Prestou redobrada atenção ao que o professor disse. 

- Muito obrigado, agora está bem mais claro. 

Na saída, despediu-se de todos - diretor, professores, colegas de classe, funcionários. "Até logo, fiquem bem, bom descanso para todos. Até amanhã".

Um mês depois, a escola nova já não era um mistério, embora ele ainda sentisse que faltava algo, um vazio que não sabia explicar. Não raro, achava que falava sozinho. "Vou me acostumar, talvez seja só impressão". 

Numa manhã ensolarada de outono, segundo bimestre em curso, foi chamado à diretoria. Gelou. O que será que tinha feito de errado?

Não recebeu advertência, tampouco anotação na caderneta ou bilhete para os pais. Depois de ouvir muitos elogios, parabéns pela educação exemplar, ganhou uma medalha dourada onde se lia "honra ao mérito". 

Agradeceu, como de costume. Mas não entendeu. 

3 comentários:

  1. É um prazer conhecer um gênio feito você!

    ResponderExcluir
  2. Não é raro causar estranhamento quando a gente se abre e exerce a gentileza.

    ResponderExcluir
  3. Dera esse ser o comportamento natural... Parabéns!

    ResponderExcluir