sexta-feira, 2 de março de 2012

PORTAIS DESTACAM TRÂNSITO. E ESQUECEM CICLISTA ATROPELADA.

Escrevi inicialmente nas redes sociais, mas decidi trazer a discussão também para o Blog, na tentativa de aprofundar as reflexões, diante de mais um episódio lamentável e tenebroso de desserviço prestado pelo nosso jornalismo. 

No final da manhã de hoje, a esposa e companheira Elisa Marconi, que estava na avenida Paulista,  lamentou, também nas redes, a morte de mais uma ciclista, atropelada por um ônibus na maior avenida da cidade. 

Comecei a procurar informações sobre a tragédia (mais uma, reforço). O coração já pulsou de raiva quando li a manchete do portal Estadão: "Ciclista morre atropelada na Paulista e acidente provoca congestionamento". Fiquei ainda mais indignado quando descobri rapidamente que não se tratava de narrativa isolada, mas da identidade e da marca registrada da cobertura feita pelos portais. 

O lide (abre) da matéria do UOL dizia que "uma ciclista morreu na manhã desta sexta-feira após ser atingida por um ônibus na avenida Paulista, na região central de São Paulo. Por volta das 11h40, a via permanecia com duas faixas interditadas e acumulava cerca de 1 km de filas". No IG, no meio do texto, em destaque (cor azul, diferente do restante, para chamar a atenção), li que "por conta do acidente, duas faixas da pista sentido Consolação foram interditadas, provocando congestionamento de cerca de 2 quilômetros na região. A pista foi liberada às 12h50". 

O G1 trazia ainda mais detalhes sórdidos. "Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), duas faixas da Avenida Paulista estavam bloqueadas às 12h por causa do acidente. Por conta do bloqueio, havia quase 5 km de filas no corredor Bernardino/Jabaquara, formado pela sequência das avenidas Bernardino, Vergueiro, Noé, Domingos e Jabaquara. O congestionamento ia da Alameda dos Guatas até a Avenida Paulista, altura da Rua Pamplona, onde a colisão aconteceu. No horário, a CET recomendava aos motoristas evitarem a região da Avenida Paulista devido às filas que estavam se formando. Equipes da companhia estavam no local orientando os melhores desvios aos motoristas". 

Finalmente, o Terra destacava que "de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), o acidente ocorreu no lado direito da avenida Paulista, onde existe uma faixa preferencial para ônibus. Duas, das quatro faixas da via no sentido Consolação, estavam interditadas aguardando perícia”.

Nos quatro portais visitados, a preocupação primeira, nem disfarçada, quase exclusiva, com maior ou menor intensidade, foi com o trânsito da cidade, com os carros que ficaram parados, com o tempo que os motoristas, coitadinhos, tiveram de esperar para seguir caminho, com o alcance do congestionamento, e não com a vida perdida, com o ser humano. As atenções estiveram todas voltadas para o caos no trânsito. A ciclista foi esquecida. Inevitável não lembrar de "morreu na contramão atrapalhando o tráfego" (Construção, de Chico Buarque). 

Em momento algum parece ter sido motivação de nossos portais jornalísticos lançar um olhar mínimo de compreensão sobre a tragédia, buscar construir a melhor versão possível da realidade, contextualizar o episódio, mostrar que não se trata de fato isolado, que os atropelamentos de ciclistas têm sido cada vez mais frequentes, que os usuários de bicicletas são vistos como um estorvo por boa parte dos motoristas que trafegam pela cidade, que os automóveis (e já são sete milhões deles na capital paulista) assumem cada vez mais faceta de perigosa arma nas mãos de muitos (amparados pelo sucesso vendido pelas peças publicitárias, pelo status, pela sensação de que tudo podem, pela impunidade, pelo consumismo desenfreado, pelos vidros escuros que tudo escondem...), que a cidade é pensada e planejada antes de mais nada para dar conta das quatro rodas, em detrimento de qualquer outro tipo de transporte – e até mesmo dos pedestres. 

O comentário da professora universitária Andrea Florentino, postado em minha página no Facebook, resume o drama de quem ousa desafiar os motores e andar de bicicleta pela cidade. "Ciclista não é nada. Porque os pedestres nos xingam quando em alguns trechos perigosos usamos a calçada (sei que não é o mais adequado) e os carros, quando usamos a rua, não nos respeitam. Nem ouso mais sair com as crianças de bike durante a semana". 

Também no Face, o jornalista Fabio de Castro contou que "uma vez um ônibus quase me pegou, passando a dez centímetros, em vez do 1,5 metro exigido na lei. Tinha uma viatura de polícia no local e eu reclamei. O PM me disse que eu deveria "pedalar na calçada", mostrando que não conhecia o Código de Trânsito". 

Os depoimentos mostram que a cidade, estimulada fortemente por seus administradores e gestores públicos, fez sua opção. O jornalismo descaradamente reforça essa postura: o que interessa são os motoristas compromissados e apressados e suas maravilhosas máquinas turbinadas; às favas, paulistanos, com as bicicletas e afins. 

São sintomas de uma sociedade doente. Gravemente enferma.

6 comentários:

  1. Como eu faço para sumir, deixar de existir, ir para outro planeta? Alguém pode me ajudar? Pois esses são os desejos que tenho quando fico sabendo dessas coisas. Não tenho carro nem moto, e acho que só existem para fazer barulho, matar, atrapalhar e servir de ostentação para muitos. Mas sou execrado quando falo isso. Fazer o que, né? O ser humano é uma parasita de si próprio, se é que isso faz sentido. Destroi a si mesmo ao se infligir sofrimento e dor.

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  2. Outro planeta anônimo?? Basta vc ir para a Dinamarca, Holanda ou Suécia. Isso definitivamente não ocorre por lá... Pra ser sincero, acho que lá é outro planeta mesmo...

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  3. "Andar de Bicicleta não é perigoso. Perigoso é como se permite dirigir motorizados em nossas ruas."

    Realmente nossa Sociedade está doente, como dissestes gravemente enferma.
    Eu complemento, está sofrendo de Normose.

    "Mais que de máquinas precisamos de Humanidade." Charles Chaplin.. fazem anos que ele disse isso !!!!

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  4. Juscelino kU transformou cinquenta anos em cinco.
    Cinquenta anos de ferrovias jogados no lixo, fomentou rodovias e a produção automotiva, daí então tudo foi feito em função do carro/caminhão etc.
    Pagamos por isso, mas os 'emergentes" não estão nem aí, o negócio é consumir, bicicleta é coisa de pobre ou fresco.
    Nosso país sempre está na contramão mundial...

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  5. É vergonhoso o trânsito, mas é mais vergonhoso ainda a forma como os ciclistas são tratados nele.
    muitos trazem discussões e debates, mas queremos ver as soluções para tantos dilemas.
    Está é a proposta deste blog abaixo, olhem que interessante o que é sugerido: http://movimentomunicipalista.wordpress.com/2012/03/06/bike-integracao-bicicleta-e-metro-solucoes-simples/

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  6. Nossa gente, eu me sinto mal toda vez que leio essas matérias. A carapuça não me serve porém eu vejo que todos só falam dos ciclistas que morrem, e esquecem dos pedestres, dos motoristas sim (os do bem, pq eu sou motorista), motoqueiros, e todos os outros motorizados. Pensei quinhentas vezes antes de escrever, pois já fui muito criticada numa página no facebook de uma conhecida minha pro sua irmã. Os ciclistas, de um modo geral, apontam muitos os erros da cidade, mas não apontam uma solução. E todos nós sabemos que isso vem de uma hierarquia. O DETRAN que não controla a qualidade dos motoristas(sim, porque tem muita gente que COMPRA carta), as industrias automobilisticas que não param de fábricar carros e mais carros, empresas de publicidade que fazem comerciais que realmente enchem os olhos dos consumistas por carros. Quantas propagandas de bikes vcs conhecem? Eu só lembro da Caloi quando era criança... só! Tem que haver uma saída pra isso. Na Europa a coisa anda porque o preço de um estacionamento é exorbitante, e só por isso a turma vai de bike e pensando bem, está certo, senão tornaria o mesmo caos de Sao Paulo e outras grandes cidades. Isso vem junto com a má indole da pessoa, e a má indole acompanha seja lá que m for, motoristas, ciclistas, pedestres, motoqueiros e o diabo a quatro! Quando estamos no CFC aprendemos direção defensiva, ou seja, vc tem que dirigir pra vc e pros outros também. Tenho levado muita paulada com relação ao meu pensamento, e cheguei a conclusão de quem só deveria trafegar são os carros de ambulancia, policia, CET, caminhões de carga e motoboys... assim sobraria espaço para todos. Os carros de passeio que fiquem na garagem... pq se libera pra uns é necessário liberar pra todos... deveria ser proibido vir de carro para o centro de São Paulo. Que o governo criasse mais linhas de onibus, trem e metro que suprisse SIM a necessidade daqueles pagam muitos TRIBUTOS. Acho que é o minimo a se fazer. Só que eu sei que a realidade é outra e sinceramente, cansei de levar paulada de ciclista que veste a carapuça de coitado. Li todos os jornais no dia que a moça foi atropelada na Paulista. Realmente as informações foram frias.... não existe mais amor nesse mundo... centenas de pessoas morrem todos os dias, na minha familia, na sua familia e nas familias que nos rodeiam. Ninguém está nem ai.... deveria ser o contrário... mas não é. Fico triste por isso. O que entendo é que os veiculos se preocuparam em dar informações para quem está no transito para evitar aquele pedaço. Não sei mesmo onde vamos parar e quantos precisaram morrer para algo acontecer, só acho que a GENERALIZAÇÃO não é um bom caminho. Pessoas de má fé estão em todos os lugares. Face a isso, fui assaltada três vezes por ciclistas e nem por isso jogo todos num mesmo saco e amarro e chuto e bato. Tem muita gente boa por ai. Trabalho com um se chama Philip. Acho legal a batalha dele junto com os colegas para quem sabe um dia esse sonho se tornar real, a igualdade no transito!!!! Um abraço a todos e a vc que já levantou a mão para me bater com as palavras, peço que reflita no que li, não heróis ou bandidos...

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