sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O MACHISMO DO COMERCIAL DA HOPE E O FALSO ARGUMENTO DA CENSURA

São apenas 16 segundos - tempo mais que suficiente para reforçar o machismo ainda dominante em nossa sociedade. No primeiro quadro, vestido curto branco, coçando a cabeça, a modelo Gisele Bündchen surge constrangida para dizer ao marido que "bateu o carro dele". A tela estampa: "errado". Em seguida, Gisele, agora sedutora, calcinha e sutiã vermelhos, expressão marota e mãos na cintura, quase rebolando, volta a anunciar - "amor, bati seu carro, de novo". E essa é a maneira considerada "certa" pela peça publicitária (trata-se de uma campanha da marca Hope) de dar a informação ao marido.

Pois bem, nada contra Gisele Bündchen. Mas o anúncio de fato ajuda a reforçar e consolidar preconceitos e uma imagem distorcida da mulher. A mensagem final que fica é que, em condições normais de temperatura e pressão, apenas usando argumentos e sendo sincera, a esposa não será capaz de conter a ira do marido (que aliás parece preocupar-se mais com o automóvel avariado do que com a própria companheira acidentada). Já quando se expõe de forma apelativa, anunciando-se apenas como objeto sexual, mercadoria do desejo, uma coisa que promete barganha, recompensa e prazer (ao macho), aí sim reunirá as condições para muito provavelmente ouvir do marido "tudo bem, benzinho, não se preocupe, não tem problema... agora chega de conversa e vamos para a cama". 

A Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM, popularmente conhecida como Ministério da Mulher), mobilizada por reclamações e protestos indignados, publicou nota de repúdio à campanha, lembrando que a propaganda "promove o reforço do estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual de seu marido e ignora os grandes avanços que temos alcançado para desconstruir práticas e pensamentos sexistas. Também apresenta conteúdo discriminatório contra a mulher, infringindo os artigos 1 e 5 da Constituição Federal". 

A SPM solicitou ainda ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) que recomende a suspensão da campanha. Vale lembrar que o próprio Conar, no artigo 19 de seu Código de Ética, diz que “toda a atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e aos símbolos nacionais”. Determina ainda o artigo 20 que “nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou de discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade”.

Sem demora, a solicitação feita pela SPM ao Conar já vem sendo tratada como “prática de censura”. Em artigo (disponível para assinantes) publicado nesta sexta-feira na Folha de São Paulo, o jornalista Fernando de Barros e Silva reconhece o que chama de “fashion-cafajestada” da propaganda, destacando ainda seu machismo vulgar; escreve também o colunista, no entanto, que a iniciativa da Secretaria das Mulheres é “uma medida obscurantista, além de desencadear o efeito contrário ao pretendido por essas feministas de tesoura”.

Certamente a liberdade de expressão é pilar fundamental da democracia – e a censura, uma prática a ser sempre repudiada e combatida. Mas será que a livre manifestação de ideias pode servir de álibi para falas e imagens que só fazem agredir a dignidade humana? Será que a liberdade de expressão não deve estar acompanhada da garantia e efetivação de outros direitos, além de harmonicamente articulada com deveres e responsabilidades? Pode ser considerada de forma isolada? Em nome dela, humorista pode impunemente dizer que “comeria a mãe e o bebê” ou “judeus de Higienópolis não querem ver o metrô por lá porque não desejam ser lembrados dos trens que os conduziam para os campos de concentração”? Será que, por conta da liberdade de expressão, deputados têm a prerrogativa absoluta de detonar e de se referir de forma mais que pejorativa e agressiva aos homossexuais? Pode uma peça publicitária, em nome de suposto humor, menosprezar a condição e a inteligência femininas, fazendo funcionar o vale tudo mercadológico, o vender a qualquer custo, pois se não for assim a liberdade de expressão estará sendo cerceada? Pode o livre pensar e dizer garantir o “direito” de pronunciar atrocidades contra negros e pobres, manifestando livremente preconceitos e exclusões? A trabalhar com esse raciocínio (perigoso), no limite Hitler teria todo o “direito” de vociferar publicamente e de defender a perseguição aos judeus, não? Caso contrário, se alguém ousasse pedir ou sugerir que o líder nazista fosse contido, estaria praticando censura... É assim que funciona? Mesmo? Notem só o terreno pantanoso por onde estamos nos arriscando caminhar.

Quem me conhece e acompanha meus textos neste Blog sabe bem que sou desde sempre, desde antes de nascer, convicto adversário da censura e fervoroso defensor da liberdade de expressão – que deve vir acompanhada, andar lado a lado, de forma coesa e coerente, do respeito à dignidade humana. Preocupa-me tremendamente o fato de “hoje em dia, o uso da expressão censura ter sido deturpado e estar servindo para sustentar o discurso dos empresários da comunicação quando a sociedade civil toma medidas contra veículos. A palavra (censura), que tem finalidades específicas, vem sendo usada para defender interesses comerciais”, como alerta com precisão o advogado e jornalista Rogério Farias de Tavares, professor do Centro Universitário UMA, de Belo Horizonte (MG), em entrevista recentemente publicada pelo Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP).

Penso que o Conar prestaria de fato um serviço à democracia brasileira caso acatasse a solicitação (não é imposição) da Secretaria de Mulheres e recomendasse a suspensão da exibição do anúncio da Hope (porque o órgão de classe é instância consultiva e também não tem poder para simplesmente tirar a peça do ar). Não se trata de censura. Mas de respeito à dignidade humana e de responsabilidade social.
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Em tempo - o anúncio da Hope não é, claro, o único a desconstruir e menosprezar a condição feminina. Que o digam os comerciais de cervejas... Que o debate seja então ampliado. A democracia brasileira só terá novamente a ganhar.

11 comentários:

  1. Você fala tanto em dignidade humana que acaba trasnformando seu texto inteiro num grande CLICHÊ! Condição feminina? Você acha que as mulheres brasileiras, que estão representadas na presidencia, vão se ofender com uma propaganda de calcinha? Se ficarem também, é só parar de comprar a marca.
    E por favor, não cite Hitler. Isso mostra como você tem preguiça de pensar

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  2. Falar em dignidade humana representa transformar o texto em clichê? E citar Hitler significa ter preguiça de pensar??!!! É... Pois então está combinado, caro Anônimo (gostaria muito de poder chamá-lo pelo nome, de forma bem mais educada, mas você se esconde, não se apresenta).

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  3. Pois, eu já acho justamente o contrário. Acho que a posição de censurar e repudiar tal propaganda se mostra, inclusive, mais machista e patenarlista. Quem disse que a mulher que gosta de sexo e usa a sedução como brincadeira (com seu próprio marido) é mero objeto sexual? Por que seduzir, usar uma lingerie bonita, e, em um momento de descontração fazer uma brincadeira, é visto como algo negativo? Não podemos usar nossa sensualidade a nosso favor? O homem também não usa táticas extra-palavras quando quer convencer a mulher de algo? Quantos filmes não temos de homens comprando chocolates, flores, etc etc, para se desculpar não existem?

    O problema, na nossa sociedade, é que mulher que gosta de sexo e do jogo da sedução é vista como “vadia” e esse posicionamento das feministas confirmam ainda mais esse argumento.

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    1. Para uma mulhere escrever isso significa que os deboches masculinos sobre nossa inteligência não estção muito longe da verdade...minha filha,me liste camapanhs publicitárias que colocam os homens nas mesmas situções em que somos colocadas.Vc mesma falou aí que eles compram chocolate,etc,não disse que eles tem que ficar pelados para não tomar uma sova nossa.E mulher que gosta de sxeo não se reduz a objeto sexual,não utiliza a sexualidade como mercadoria de troca.
      Estude um pouco sobre feminismo e aindustria de exploração sexual feminina midiática antes de vir auqi postar besteiras que se voltam contra vc mesma.

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  4. Flavia, eis o machismo, que você bem explicita: a mulher que gosta de sexo é "vadia"; o homem é "pegador". Esse é o pensamento tosco e torpe que move boa parte de nossa sociedade, infelizmente. Mas, penso, uma coisa é usar a lingerie para a sedução, para o encanto, para a conquista do parceiro, por iniciativa própria. Ótimo, lindo! Outra, bem diferente, é estar vestida - e não ser capaz de, nessas condições, dar uma notícia ruim - e ter então de apelar e de se expor como um objeto, de se apresentar quase nua apenas para desviar a atenção do marido. É superficial, forçado, conservador. Essa é uma visão, penso, machista, preconceituosa e estereotipada. Foi essa a reflexão que procurei levantar. E obrigado pelas contribuições! Abraços.

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  5. Definitivamente, sempre aplaudirei seus textos professor!Parabéns! Toda essa discussão que está ocorrendo é muito importante! Como indivíduos e sociedade, precisamos revisar nossos conceitos!Evoluir!Abraços

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  6. Como achar pêlo em ovo com Chico Bicudo!

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  7. Oi Francisco.
    Parabéns pelo blog.
    Adorei seu texto.
    Ainda bem que neste país tão machista e patriarcal existem homens inteligentes como você.
    Gosto da Gisele Bündchen. É bonita, elegante e parece ser boa pessoa pois ela ajuda instituições de caridade.
    Mas, na boa, ela tem que refletir melhor sobre seus projetos comerciais.
    Participar de desfiles de grifes de casacos de pele e estrelar propagandas sexistas, só queimam o filme dela.
    O que trolls masculinistas alegam é que as "feias" detestam o comercial porque a Gisele é linda e aparece de calcinha e sutiã.
    Que alegação ridícula e burra!
    Primeiro: a mulher ser feia ou bonita é irrelevante frente ao talento e inteligência. Eles pensam tipo: "mulher inteligente é feia". Ou seja eles mostram o quanto NÃO sabem de mulher!
    Segundo: a queixa não é sobre a Gisele usar lingerie, e sim, o contexto machista da propaganda em que ela precisa ficar de calcinha e sutiã e falando com voz de "criancinha" o que fez de errado!
    Terceiro: as coisas erradas que ela faz são clichês misóginos, tipo: estourar cartão de crédito do marido e bater o carro...DO MARIDO!
    Enfim, não acho que a propaganda deveria ser retirada e sim questionada, haver uma discussão do papel da mulher na publicidade.
    Não deveria ser retirada pelo resultado reverso, ou seja, o que tá acontecendo várias pessoas defendendo uma propaganda cretina da mesma forma que várias pessoas defenderam o filme trash "Serbian Filme" apenas pela censura.
    Enfim, é um passo. Mas, acredito que propagandas de cerveja que mostram a mulher como "pedaço de carne" e editoriais de moda que expõe fotos de modelos em poses e situações que fazem apologia à violência física, sexual e o homicídio como foi o caso da marca Triton devem ser retiradas.
    Beijo.
    Sucesso.

    Internet Girl.

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  8. Internet Girl, Nubia e Cassia, muito agradecido pelas contribuições! Passem sempre por aqui! Abraços.

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  9. Olá, Francisco.
    Há muito gostaria de comentar aqui no seu blogue sobre esse assunto, mas achei que deveria esperar a poeira baixar, pensar mais um pouco e ver o final da história. Leio hoje no jornal que o Conar resolveu arquivar o processo e liberar a propaganda. O que considero uma medida mais que coerente, pra dizer o mínimo.
    A propaganda é só isso, uma propaganda. Acreditar inflamando os mais incautos para o que ela poderia ser (propaganda machista/facista) é um sofisma exagerado. Ainda mais se usarmos uma outra propaganda, com a mesma propagonista e criar um mesmo juízo que pretende proteger as mulheres contra o nosso machismo.
    A Sky veiculou durante algumas semanas, com direito a viral na internet da própria Gisele limpando chão e cantarolando uma música do Roberto Carlos, um filme no qual um marido ausente, preguiçoso e manipulador, dispensava a companhia da esposa pra ver TV [http://www.youtube.com/watch?v=PoCfYcUawwI]. Num dos filmes, ele pede, com jeitinho, para a esposa buscar uma cerveja gelada pra ele. Que ela prontamente atende [http://youtu.be/I8_FRFTmpkQ]. A comunidade de defesa dos mais altos valores femininos não fez tamanha gritaria na época, ou fez, posso estar enganado. Pelo menos não foi notícia na mesma proporção. Aqui no seu blogue fiz uma busca rápida usando as palavras-chave "Sky" e "Gisele" e não encontrei texto denunciante de tal propaganda.
    O que concluo com isso que o problema da Hope não foi retratar a personalidade de alguma mulher brasileira… E sim a lingerie… Você achou os conjuntos mal acabados? Será que a Secretária Iriny Lopes não gostou das cores? Dois pesos, duas medidas? Is it "So much Ado About Nothing"?
    Mulher submissa pode… Mulher auto-confiante/manipuladora/espirituosa não pode?

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    1. Meu amigo,utilizar mulher-objeto como sómbolo de emancipação feminina é uma tática machista que inclusive tem confudidos muitas mulheres,vide nossa amiga Flavia lá em cima.

      Outra tática de defesa do machismo:

      "Gosto da Gisele Bündchen. É bonita, elegante e parece ser boa pessoa pois ela ajuda instituições de caridade."

      Traficante também,mas isso não anula os crimes que ela faz,anula?
      Se o conteúdo fosse racista,não restariam dúvidas para protestar,por que machismo tem sempre "um porém"? O que mais me assusta e revolta são os argumentos com pretenções filosóficas,recheados de palavars bonitas e difíceis para justificar nossa opressão,sempre viondo de "homens entendedores de Democracia e liberdade de expressão".Não digo neste blog especificadamente,mas na internete de uma forma geral...

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