sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A ÁGUA E O BODE

Média histórica de chuvas para o mês de fevereiro foi superada. O nível do Cantareira chegou a 9,5% - do segundo volume morto, é bom que se lembre, para reforçar que ainda estamos a dever um montão. Apesar das boas novas, o cenário continua sendo para muito mais de crítico e preocupante, e torneiras e chuveiros permanecem secos e soltando ar comprimido em muitas das regiões e bairros da cidade, várias horas por dia, diversos dias por mês. Confirmado está também que a culpa pela penúria não pode ser atribuída ao santo que responde pelo nome de Pedro e cuida das comportas do céu. O ver-da-dei-ro res-pon-sá-vel pe-la cri-se hí-dri-ca em São Pau-lo, governador Geraldo não falta água, não vai faltar água Alckmin, já se assanha e comemora sambando com dedinhos em riste atrás do bloco pós-carnavalesco. Avalia o nosso cuidadoso protetor das águas que, se o nível do Cantareira chegar a 14% até o final de março, não haverá necessidade de racionamento/rodízio - ou con-tin-gen-ci-a-men-to téc-ni-co de re-cur-sos hí-dri-cos. Galhofa. Faz-me rir. Vá lá, não demora muito e os paulistanos concederão ao nobre governador um prêmio de melhor gestor do país, por ter evitado uma catástrofe. O DataAquelaCoisa talvez publique pesquisa revelando índices estratosféricos de aprovação da administração tucana. Es-ta-mos tra-ba-lhan-do. O fato é, meus queridos, que continuaremos a chafurdar no lodo, amparados novamente por visão oportunista e de curtíssimo prazo, a contar com a sorte e a benevolência da natureza, sem preparar a cidade, a população e os mananciais para relações sustentáveis, sem vislumbrar o como será amanhã. Ainda que chegue aos 14% (o que, segundo 'j'ênios assessores seria suficiente para enfrentar a estação seca), o Cantareira continuará a operar usando o volume morto. O reservatório ainda estará seco, sequinho de marré deci. Quando setembro chegar, estará o Geraldinho novamente jogando a responsa nas costas de Pedroca e convocando sessões diárias de pajelança e de dança da chuva no salão principal dos Bandeirantes. Resolve-se o agora. O depois? Sei lá. Deixa para lá. E estamos falando de um depois que vai chegar em seis meses. Sabe aquela do bode fedido na sala bagunçada? Quando tira o bicho, o ambiente parece ter ficado uma belezura. É a impressão que fica. Mas respire um pouquinho mais fundo. Isso, bem devagar. Sentiu a catinga? Um horror, né? Pois o bode do volume mortíssimo continua lá.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

E O IMPEACHMENT DO GERALDO?

Em mais um capítulo de um enredo que, ao que tudo indica, pretende oferecer verniz 'legal' a um movimento golpista, o advogado Ives Gandra Martins (professor da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra) produziu um parecer jurídico que sustenta ser possível o pedido de impeachment da presidenta Dilma.
Cena seguinte: na Folha de São Paulo de ontem, Gandra tentou traduzir o juridiquês do documento para o público leigo, argumentando que existem evidências de "omissão, imperícia, imprudência ou negligência" de Dilma em episódios relacionados às denúncias de corrupção na Petrobras, o que daria fundamentação jurídica para o impeachment.
Confesso que fiquei cá encasquetado querendo saber quem teria encomendado o tal parecer. Ou Gandra o teria escrito espontaneamente, de livre vontade e iniciativa?
Pois bem. Corta. Próxima tomada: na mesma FSP, edição de hoje, a resposta: o parecer foi solicitado por José de Oliveira Costa. advogado... que trabalha para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O ilustre doutor integra inclusive o Conselho do Instituto FHC. Mera casualidade, não tenho dúvida. Pura coincidência. Não se trata, evidentemente, de peça ou ação política. É exclusivo registro técnico.
A cena seguinte não está no script original, mas quero sugeri-la ao roteirista: a considerar os argumentos apresentados por Gandra no já famoso parecer - repetindo: "omissão, imperícia, imprudência ou negligência", atributos administrativos que jogaram São Paulo numa trágica "crise de recursos hídricos" - e se somarmos a eles o estelionato eleitoral (fato escondido e negado durante toda a campanha para beneficiar a própria candidatura), parece-me que estão colocadas também juridicamente as condições para que se peça o impeachment do governador reeleito Geraldo Alckmin, do PSDB.
O diretor vai querer incluir essa cena no filme? O advogado José de Oliveira Costa, que garante trabalhar independentemente das colorações partidárias de seus clientes, solicitará esse novo parecer? Ives Gandra, emérito professor, produzirá o documento? FCH vai reverberar em seus artigos a argumentação técnica? A Folha de São Paulo abrirá espaço para textos dessa natureza e com esses fundamentos? O enredo, afinal, é praticamente o mesmo. Trocamos apenas os personagens e as crises.
O parecer que venta lá vai ventar cá também? Vamos sugerir e discutir o impeachment do governador tucano Geraldo Alckmin?
São apenas perguntas.