sexta-feira, 31 de outubro de 2014

NAMORO POLITICAMENTE PROIBIDO

Pediu licença, deu boa noite a todos. Primeiro jantar com a família da namorada. Estava tenso. Levou flores. Aceitou um copo d'água. Conversaram sobre amenidades. O calor, a brisa fresca, o trânsito, que loucura, cada vez mais caótico, futebol, a rodada do final de semana promete. Sorte de principiante, descobriu que torcia para o mesmo time do pai da moçoila. Agradou. Arrasou. Bastante articulado. Inteligente. Boa impressão. Engraçado. A mãe chamou a filha na cozinha. Precisava de ajuda. Não se conteve. 'Filha, muito simpático esse rapaz! Será que ele não quer ir para Miami com a gente no final do ano? A casa foi reformada, vamos passar o mês todo lá. Convida, vai! Convida!'. Riram baixinho. No jantar, antes que o convite pudesse ser feito, a conversa escorregou na política. Eleições. Segundo turno. Ousou dizer: 'votei na Dilma'. Cinco segundos de um silêncio pesado. Corrupto, safado, sem-vergonha, ladrão, burro, ignorante, mensalão, devolve o dinheiro da Petrobras, vai para Cuba viver com bolsa esmola, petralha! A garota chorava copiosamente. 'Mentiroso, cretino, você não me falou nada. Me enganou!'. Foi expulso da casa. O namoro? Proibido. A garota nunca mais ouviu falar dele.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

AMIGOS, ESTOU PENSANDO EM CASAR DE NOVO

Confesso que andava meio acabrunhado com o facebook. Vontade danada de sumir por uns tempos, fazer hibernar minha conta, acatando conselho de alguns amigos que se arretaram e decidiram se afastar do festival de asneiras que assola a rede. Já não tinha mais Dramin B6 que desse jeito nas náuseas. Estava quase concordando com uma amiga muito querida, que costuma chamar o face de anticristo, por conta das intolerâncias, preconceitos e namoros com a Idade Média que encontramos por aqui. Mas eis que a engenhoca criada pelo geniozinho Zuckerberg me fez sorrir de novo. Acorda, Chico, deixa de ser ranzinza. Quanto pessimismo. Não reclama. Sua vida é bela. Fui obrigado a concordar. Compungido. Tomei um choque de realidade. Depois do que li hoje, nada mais tem importância - o fedor do debate político que anda insuportável, o fato de o Brasil estar sendo varrido por onda conservadora, os tempos cinzentos que se anunciam no horizonte. Tudo bobagem, babaquice e mesquinharia. Fundamental é mesmo prestar irrestrita solidariedade a quem confiou piamente em padrinhos de casamento e foi mortalmente traída. Sabes o que é isso? Terrível! Uma desgraça! Você entrega seu futuro nas mãos de alguém que você considerava pra caramba e... fica a ver navios. Abandonada. Esquecida. Jogada às traças. Como assim? Foi o que aconteceu com uma pobre coitada que resolveu usar o face para fazer um tocante e justíssimo desabafo. Em resumo, a rapariga dizia no texto que postou "estar muito chateada com um casal de padrinhos que não tem noção do quanto custa pra fazer um casamento". O drama: quando fez os convites, a moçoila especificou para cada casal convidado para abençoar o matrimônio quais os presentes que deveriam ser ofertados, definindo ainda prazos para as entregas. Ela precisava montar a casa dela, oras bolas. Como a data estabelecida já tinha estourado, e um presente ainda não havia chegado, ela resolveu conversar com os padrinhos furões. Tudo com muita educação e elegância, claro. Regras de etiqueta. Pois não é que os maledetos e ingratos tiveram a ousadia de dizer que não poderiam mais arcar com o presente combinado, pois tinham investido em equipamentos de um curso para o filho? Quanta audácia. Não satisfeita, a dupla teve a pachorra de dar apenas 500 reais para os afilhados, em espécie, para que pudessem gastar a verba da forma como julgassem melhor. Aí já é demais. Quinhentos mangos? E a noiva é lá senhora de aceitar esmolas? Justo para ela, que detesta e abomina o bolsa família, essa migalha doada a vagabundos. Teve impulso de rasgar o dinheiro, de cuspir nos padrinhos. No face, a rapariga traída escreveu "o que eu faço com 500 reais? Achei uma falta de consideração da parte deles. Se não iam poder dar o presente, por que aceitaram ser padrinhos? Depois, se sabiam que tinham uma responsabilidade como padrinhos, podiam muito bem ter esperado mais um pouco para o curso do filho. Afinal, eu estava contando com isso. Tô muito chateada e com muita vontade de desconvidar o casal, mas ele é o melhor amigo do meu noivo (imagina se fosse inimigo) e acho chato chamar alguém tão em cima da hora". Que situação. Daqui, só posso dizer: minha filha, tens toda a minha incomensurável solidariedade. Tremenda sacanagem. Absurdo. Que raios de padrinhos são esses que não entendem esse negócio chamado casamento? Mais, querida do face: preciso te agradecer, do fundo do coração. Porque você me acordou para a vida, me deu uma ideia genial. Vou pedir de novo a mão da Elisa Marconi em casamento. É, nossa união é apenas civil, vamos agora investir forte no matrimônio religioso. Sagrado sacramento mercantilista. Certamente vamos aprender com os erros tão tristemente relatados pela senhorita. Antes de fazer os convites para os padrinhos, faremos uma reunião solene e exigiremos declarações de imposto de renda, holerites e extratos de movimentações das contas correntes dos últimos três meses. A partir dessa triagem, será estabelecida a divisão dos presentes. Tudo com muita parcimônia. Queremos um apartamento novo, área nobre da cidade, terracinho gourmet, sauna, piscina, quadras, academia e pelo menos quatro vagas na garagem. Óbvio, câmeras de segurança espalhadas pelo condomínio, cercas eletrificadas e homens de preto nas guaritas e nos muros, armados, para reforçar proteção. Uma casa em Orlando, para passar as férias com o Mickey. Viagem de lua de mel para Cancún. Tinha pensado numa SUV, mas diferenciados já me disseram que é meio brega. Melhor exigir uma mercedes. Ah, vá, tudo bem, pode ser uma SUV também. Para variar. Ostentar. Tudo a nossa cara, Elisa! Nada mais de vida miserável! E seremos felizes para a sempre, até que a morte nos separe. Meus amigos, por essas e por outras é que não saio mesmo do face. Não arredo pé. É muita felicidade. Um manancial de ótimas ideias. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

VOU-ME EMBORA PRA REPÚBLICA DO NORDESTE

Meus queridos irmãos nordestinos, lamento muito, peço desculpas, mas a latrina fedorenta foi novamente destampada pelos bandeirantes civilizados aqui do estado que é a locomotiva da nação. E aí vocês já sabem como é, diarreia esclarecida e água barrenta diferenciada para todos os lados. Alto nível, sempre. Não do Cantareira. Das falas nossas de cada eleição. Porque aqui somos todos bem educados, muito informados, graduados, especialistas, doutores. Nada de grotões, dos quais queremos distância. E tome 'bolsa vagabundo, só pensam em ter filhos, ignorantes que não sabem votar, vermes da nação' e outras elegâncias quatrocentonas. Óbvio, já resgataram e vociferam o progressista e ancestral 'é preciso separar São Paulo desse resto do país. Não dá mais para aguentar essa ralé nordestina'. Pois querem saber, meus companheiros aí de cima? Tomem as rédeas do processo e da história e definam a separação. Desenhem as linhas divisórias. Proclamem a independência da República Nordestina. Antes que algum aventureiro o faça. Deixem o Sul maravilha a ver navios. Só peço que me concedam, por gentileza, a cidadania nordestina. Para mim, Elisa Marconi, Luiza e Daniel. Será uma honra imensa pular o muro, atravessar a fronteira e conviver com nossos iguais. Nas dores e nas delícias de sermos o que somos. Humanos. Recebam em terras de vocês essa família que tanto respeita e admira essa região e seu povo. Que prazer. Que alívio. Muito obrigado. De coração.