domingo, 27 de abril de 2014

A COPA COM E SEM LOUÇA

"Meu jogo de Copa inesquecível"

Ricardo Paes Carvalho, jornalista


Tá cheia, como sempre. Afinal, quem gosta de lavar louça? Absolutamente ninguém. Mas eu gosto. Trata-se de uma boa terapia. Aquela esponja molhada, cheia de graça, com o sabonetão, geralmente enquadrado em um recipiente plástico e que, não importa a cor, termina por fazer boa espuma. Espessa, grossa, capaz de tirar toda a gordura de cada utensílio ali arremessado. Vidro, ferro, madeira, plástico, resto de comida, até cuspe e cinza de cigarro, às vezes. Uma verdadeira sopa escura e que ninguém quer nem mesmo pensar em colocar a mão. Pois eu ponho. Todo dia. Então, quando hoje gritam “não vai ter Copa”, é possível entender, não é verdade?

Estava eu com o caneco na mão, ou seja, lavando louça, quando meu camarada ligou fazendo o convite para escrever sobre a Copa, evento que começa em menos de dois meses corridos. Cara, eu gelei, né? Vale lembrar que esse amigo de fé, apesar dele ser ainda mais ateu que eu, foi meu professor, e dos melhores! Grande mestre. Por isso pensei: vou falar daquilo que eu entendo. Copa e cozinha.

Acontece que esse irmão camarada, além de grudar lambe-lambe de foice e martelo, é um puta de um boleiro. Para quem não o conhece, é daqueles com um físico franzino, mas uma cabeça que é um trovão. Talvez daí a projeção com a bola, que brilha nos seus pés. Além de saber tudo de bola, pelo simples fato de ter nascido assim, nossa única semelhança de nascimento é que ambos nascemos pelados, mas ele, com certeza já batia bola com a placenta.  É o cara que assiste até terceira divisão, se empolga nos debates de boteco quando o velho escrete está em pauta, levanta, articula os braços, arregala, por trás de seus característicos óculos, aqueles olhinhos azuis irrequietos, saltitantes, sempre percorrendo tudo e todos, enfim, este é o Chiquinho Bicudo.

Um gigante, por quem tive o privilégio de ser orientado em um trabalho de iniciação científica e no de conclusão de curso também. Fizemos uma revista sobre educação e histórias em quadrinhos, enfim, H.Q.  Com a parceria de um maninho de coração, Diego. Colocamos em texto corrido o que já foi muito fatiado, afinal, a HQ fatia sua história. Vale lembrar que Chiquinho também era meu bisavô. Fazendeiro, de Espírito Santo do Pinhal. Conheci também. Foi pouca coisa, mas o suficiente para ter um vínculo afetivo. Ele chamava seus netos e bisnetos de “seus filhos do diabo”, e ria com a gente. Referências.

Mas vamos à Copa. Putz, são muito limitadas as minhas lembranças, bem menos do que as memórias de nosso nobre anfitrião Chico. Mas farei um esforço aqui.  Assim como os quadrinhos, minhas lembranças da Copa são todas recortadas, editadas nesse meu HD interno. Creio que isso se deve à minha infância e tenra juventude bem longe deste esporte bretão. Meu pai, um cardiologista pernóstico e ranzinza, embora saiba tudo da medicina clínica, coração, teatro, cinema, arquitetura, macramê, pintura, música, dança e escultura, sempre teve uma espécie de asco ao esporte mais popular de nosso país, e claro, do mundo. Tinha orgulho em dizer que seus filhos (somos em quatro irmãos homens) não batem bola por aí. Besta. Pois digo também com orgulho que este autor que vos escreve aqui joga bola há mais de dez anos com muitos amigos queridos. Ganhei até apelidos carinhosos, como Boneco de Olinda, jogador de jogadas espíritas, os quais demonstram realisticamente um carinho enorme e inversamente proporcional ao jogo, quando a bola chega aos meus pés.

Nesse meu emaranhado de memórias, o primeiro fio de lembrança que puxo é o da Copa de 82, é isso? (Peço a licença de dizer que não me responsabilizo por datas e nomes de jogadores corretos, sou péssimo nisso, mas me esforçarei na descrição e contextualização para que vocês, que sabem de tudo, possam localizar a resposta certa, combinado?). Devia ser por aí, pois estava no antigo ginásio do colégio. E lembro como se fosse hoje, a garotada comprando caixas e caixas de chicletes, só para pegar a figurinha dos jogadores. Eu, fissurado por chiclete na infância, me contorcia de dó ao ver tanto chiclete espalhado no chão no pátio. Era uma pena mesmo. Confesso que em alguns momentos, escondidinho, ia lá, pegava alguns, dava uma assopradinha, e mandava pra dentro. Sem medo de ser feliz. Era engraçado. É, tirava um sarro daqueles meninos engomadinhos de um colégio legal, mas cheio de firula, e que de Santo só tinha o nome.

Mas a Copa de que mais lembro foi aquela maldita em que o Paulo Rossi nos freleu.  Teve a do Zidane também.  A mão de merda do Maradona, tão canalha quanto sabia jogar bola. Mas sabe o que acontece? Não olho o futebol como estratégia, mas sim como complemento, um momento festivo, social. Como bem disse o pai de uma amiga minha, “o futebol é um reflexo da sociedade brasileira”. Grande, seu Fernando.

Lembro dos encontros dos amigos, com a família, as brincadeiras. Aquela energia boa em saber “Na casa de quem vamos assistir a Copa hoje?” Por exemplo, as dos anos oitenta, apesar de lembrar mais das olimpíadas do que das copas, lembro de assistir com minha família, com os amigos, comendo pipoca, fazendo bagunça. Outra delas foi a de 1994. Bom, vocês com certeza lembram. Nessa Copa eu tinha descoberto o circo. Era o Circo Escola Picadeiro, que ficava ali na esquina da Cidade Jardim, colado com o Rio Pinheiros. Assisti a vários jogos no telão montado no meio do picadeiro. Zé Wilson, o dono, era trapezista, e dos bons. Era de uma família tradicional chamada “Os Mouras”. Foi quem me ensinou  a magia do trapézio de voos. Cheguei a ter a manha de desenvolver todas as aptidões circenses ali, do trapézio ao malabares, pirofagia e, claro, perna de pau. Talvez essa habilidade eu deva ter trazido ao futebol também.

Zezão, com sua pança enorme e que conhecia o corpo como ninguém, contava que tinha conseguido aquele terreno numa doação do Guarnieri, aquele que escreveu “Eles não usam blacktie”. Ficou ali por décadas, até que a prefeitura, não sei qual, tomou o que já era do povo. Pois além do circo, tinha 3 campos de futebol, jogos importantes da várzea. Lembro até do bar que ficava entre o circo e os campos. Boteco chulé mesmo, mas fazia o Zezão largar a aula de trapézio, deixando tudo na nossa mão, e ficava lá, a tomar umas cachaças. Lembro de ir lá buscá-lo uma vez e, chegando, vi que no bar tinham vários passarinhos na gaiola, de rolinha a sabiá. Estranhei, mas precisava levar o Zé pro circo, pois só assim conseguíamos armar a rede de segurança para iniciar a aula. É uma pena isso tudo ter terminado. Mas persiste, com os alunos que, hoje, tornaram-se professores.

E com o tempo, acabei caindo de paraquedas em dois grupos de futebol. E como já diriam os amigos que me aguentam na peleja semanal, continuo um perna de pau, mas até que atrapalho bem os atacantes adversários, ali na zaga. Temos o nosso religioso futebol todos os sábados, lá na quadra do Ipiranga. É aí também que aprendo um pouco mais sobre essa nobre arte com a qual nunca tive afinidade. Como já disse, sou de uma família de 4 irmãos, cujo pai se orgulhava em dizer que seus filhos não batem bola, que é coisa de ralé, de povão. Eu sempre discordei e por isso estou aqui, escrevendo um texto sobre a Copa, mais que isso, sobre o futebol e tanta coisa boa que ele me ofereceu.

Agora, essa Copa, bom, como direi, espero que todos se divirtam, sim, torçam muito, reúnam-se, gritem, esperneiem, cornetem deus e o mundo, pintem muros, postes de luz, avenidas inteiras, pendurem bandeirinha, xinguem a televisão, façam “catiça”, cruzem os dedos, usem uma mesma camisa dias a fio, rosnem, estourem rojões, bombinhas, traques, arrebentem com o sofá, quebrem cascos de cervejas (desde que não seja na cabeça de ninguém, né), tomem um porre, ufa... afinal, é sim um momento de celebração, e como todo ritual, deve ser feito em conjunto, em comunhão. Assim, desse jeitinho mesmo, como eu e meu camarada estamos fazendo aqui. 

Agora deixa eu voltar pra cozinha que a pia já está cheia de novo. Pelo menos ali, também tenho um companheiro que dá voz a tudo isso que foi dito, o radinho de pilha. Mas esta é outra história (que saudade me dão as estórias nesse momento).


Bola na rede e beijos pra todos.

domingo, 20 de abril de 2014

O TORCEDOR, ESSE RIDÍCULO

O xará Xico Sá escreveu em sua coluna (“García Márquez e o futebol”) de sábado (19 de abril) na Folha de São Paulo que o genial escritor colombiano, autor do clássico “Cem Anos de Solidão” e prêmio Nobel de Literatura, rendeu-se aos encantos do futebol e deu-se conta de que tinha virado torcedor (tardiamente, é verdade, aos 23 anos) quando constatou que “ao ver a bola rolando em campo, havia perdido o senso do ridículo”. Bingo. Talvez seja essa uma das mais precisas definições de “torcedor” – não espanta, portanto, que tenha sido formulada pela mente brilhante de Gabo. Porque, quando a gente torce, é capaz de expulsar a sogra da sala, sem dó nem constrangimento, com todas as letras e altivez, sem pensar nas consequências para o casamento, se achar que ela está dando azar para o time do coração. Vale usar a mesma roupa durante as 38 rodadas do campeonato, às vezes sem deixar lavar a indumentária, dependendo da importância da partida (se for decisão, nem pensar!), incluindo calça furada bem na bunda. Um baita rombo. Quem quiser que olhe. Dane-se. Ridículo. E daí? A calça é minha, a bunda é minha. Torcer significa ficar de joelhos na frente da telinha da TV – ou na arquibancada no estádio – na hora da cobrança de qualquer pênalti, mesmo que as hérnias da coluna e as tendinites e estalos do joelho digam “não faça isso, por favor”.  Quando a gente torce, mas torce mesmo, com a alma, fala um bando de palavrão pela janela, com o vizinho do apartamento do lado olhando espantado e pensando com os botões dele “caramba, esse sujeito é tão educado e pacato quando não tem futebol, me cumprimenta toda vez que me encontra no elevador, mesmo que sejam seis da matina e o sono venha inevitavelmente acompanhado de um péssimo humor, daqueles de querer chutar o primeiro que aparece pela frente”. Não tem problema também ficar sem tomar banho em dias de jogos, se a experiência, por acaso, deu certo numa vitória qualquer – e precisa, obviamente, ser repetida. Em time que está ganhando não se mexe. Em caso de derrota, todos os aparelhos de televisão serão automaticamente desligados, para não correr risco de, naquela zapeada, parar em algum programa esportivo que esteja exibindo os gols do adversário. Quer ver telejornal? Vá procurar em outra freguesia. Jornais impressos ficam também suspensos. Perder um jogo é quase motivo para cancelar a assinatura. Nada de análises táticas, de notas para os boleiros, de próximos jogos. Faz bem dar um descanso para os olhos, buscar outras leituras, não esportivas. É saudável. Ajuda a mudar de assunto. Em situações extremas, aqueles resultados vexatórios, é permitido ficar alguns dias sem falar com a esposa, com a namorada, com a mãe, com o pai, com o irmão, com o filho, com o melhor camarada, com o mundo, cara fechada, expressão de pouquíssimos amigos, até que o remédio para o fígado e o cotovelo façam finalmente efeito. Pois é isso, Gabo, torcedores somos ridículos mesmo. Fazemos cada coisa... E esse ano ainda tem Copa do Mundo no Brasil, imagine você. Fico por aqui. Vou lá vestir meu uniforme da sorte. É domingo de estreia do Santos no Brasileirão. Precisamos começar com três pontos na tabela. Continua torcendo por um mundo melhor daí, a gente vai tentar fazer a nossa parte daqui. Serão anos eternos de solidão, nesses tempos de desamor e de cólera. Cuide-se e fique bem. Obrigado por tudo. 

terça-feira, 15 de abril de 2014

NÃO NOS COMOVE A TRANSPARÊNCIA

Elisa Marconi, radialista e professora universitária


Eram 11h20 quando fechei o jornal e olhei no relógio. Se eram 11h20, eu estava no avião, sentadinha no meu lugar, havia uma hora, tempo suficiente para alguém dar uma informação mais substanciosa e precisa sobre por que ainda não havíamos levantado do solo paulista. O voo estava marcado para 8h. O Santos Dumont reabrira - depois de uma manhã caótica - às 10h. Embarcamos 10h20. E passados 60min, nenhuma previsão de partida.

Enquanto me levantava e percorria as 12 fileiras de poltronas (com um ou outro lugar vago, mas de um modo geral, preenchidas) até chegar à frente do avião e perguntar à comissária quanto tempo mais levaria aquela espera, me dei conta que as pessoas não estavam, ou ao menos não pareciam, nem um pouco incomodadas com a espera, com o atraso, ou - me custa acreditar - com a falta de informação. 

Na minha família de origem - vá lá, talvez seja um desvio de formação - não ter informação sobre algum acontecimento que nos toca diretamente é imperdoável. É uma afronta a um direito básico. Estar bem informado, com informações de qualidade e confiáveis é um direito. Assim me foi ensinado e assim procuro ensinar meus filhos.

No entanto, as comissárias na aeronave e os homens de solo responderam a todas as perguntas com evasivas. Eram genéricos, repetiam incansavelmente as respostas que nada informavam. Alguma previsão para a abertura do Santos Dumont? "Não senhora. São problemas meteorológicos/metereológicos" (Aqui variavam no português). É possível desviar o voo para o Galeão? "Nenhum voo está sendo alternado, senhora". Mas nem diante dessa confusão? Não seria prudente enviar algumas aeronaves para lá? "Nenhum voo está sendo alternado, senhora". O voo 3908 já começou o embarque? "3900 e 3904 aqui nessa fila, senhora". Mas e o 3908? "3900 e 3904 aqui nessa fila, senhora". Depois de embarcarmos, qual é a previsão de saída do voo? "Estamos esperando o embarque terminar". Sim, mas a que horas está prevista a decolagem? "Estamos esperando o embarque terminar". Comissária, 1h de espera dentro do avião. Alguma previsão? "Estamos esperando o embarque terminar".

Foi aí que eu me dei conta de que informação é uma moeda quase sem valor para uma parcela significativa da população, que não treme de indignação diante das tentativas de ludibriá-la. Ora, bolotas, em sã consciência, quem acredita que o piloto não sabe mesmo que horas vai partir? Eu duvido. Quem acredita que as comissárias não têm essa informação? Eu não acredito. E me enche de raiva reparar que, de verdade, tanto faz como tanto fez para os passageiros ali acomodados. Gente... Como assim? Ao menos saber o que estão prevendo para a sua vida, não?

Acho que não é o fato de eu vir de uma família de jornalistas e comunicólogos que me faz indignar diante de situações assim. É a ideia de que a transparência é um valor a ser cultivado. Ela toca diretamente um trocinho - sagrado para mim - chamado dignidade. Um doente tem o direito inviolável de saber de seu estado de saúde. Ninguém lhe pode negar. Um cidadão, da mesma forma, tem o direito constitucional de saber o que estão fazendo com os votos que ele depositou na urna, ao aderir a uma ou outra proposta. E a um cliente está assegurado o direito de conhecer em que pé estão os negócios. 

Não consigo entender que meu destino e minhas escolhas estejam nas mãos de alguém e eu não tenha o menor poder de interferência. Pois é a isso que estamos acostumados neste país. As decisões pequenas e grandes que mudam e moldam nossas vidas não nos interessam. Somos absolutamente blasès diante delas. Tanto faz.

E não vai adiantar nada vociferar na rua que se quer um país diferente se, na gestão da própria vida, os cidadãos de bem, aqueles que pagam seus impostos e que votam, sabe?, erguem a velha bandeira do "me ne frego", algo como "pouco me importa, estou me lixando".

Vou aceitar feliz se os leitores me disserem que estou equivocada e que o comportamento estava restrito àquele voo que não decolou, ou no qual eu não decolei, porque me cansei e fui embora. Tomara que eu esteja errada, mas não é o que tenho visto. 

domingo, 13 de abril de 2014

E O PENTA VEIO NUMA MANHÃ DE DOMINGO

MEU JOGO INESQUECÍVEL DE COPA DO MUNDO

(*) Luiz Paulo Montes, jornalista




Primeiramente, obrigado ao Chico, meu querido primo e inspiração para a minha carreira de jornalista, pela oportunidade de escrever aqui a respeito de uma partida memorável de Copa do Mundo. É um prazer dividir as minhas lembranças com todos vocês. Espero que gostem!


A madrugada do dia 30 de junho de 2002 foi uma das mais longas da minha vida. O tempo não passava. Chegava a Copa de 2006, mas não chegava 6h30 para eu acordar, colocar o uniforme e ficar angustiado antes do jogo. As horas que antecediam Brasil x Alemanha, pela final da Copa, pareciam meses, anos. Durante a madrugada, acordei diversas vezes. Uma agonia.

Levantei da cama com os gritos de minha mãe. Admito, sempre dei trabalho para levantar, mas neste dia pulei rapidinho. A camiseta estava separada no cabide, como havia feito em todos os outros jogos, mesmo que, no dia seguinte, ela fosse comigo, na mochila, para a escola. Era um ritual, pé-de-coelho, seja lá o que for. Estava dando certo.

Uns dias antes ficou combinado que eu, meus pais, meu irmão e a namorada dele na época iríamos assistir à partida na casa de meus tios, Chico e Stella Maris. Guardei para mim, mas não fiquei feliz. A companhia era ótima, risadas garantidas se ganhássemos, abraço de conforto se o Brasil fosse derrotado. Mas não me agradava mudar a rotina. Os outros seis jogos até a final eu assisti em casa, pelo menos um tempo. Por que mudar justo no mais importante duelo? Paciência. Seja o que Deus quiser.  Meu pai acho que teve o mesmo pensamento que eu, e resolveu ficar em casa.

Saímos de casa um pouco atrasados (claro), mas não sem antes pendurarmos uma enorme bandeira do Brasil, que meu pai havia comprado antes do início da Copa, no lado de fora do carro. Não havia viva alma nas ruas de São Paulo. Ruas desertas. Olhava para o relógio e via o horário da partida se aproximar. E nada de chegarmos. Farol vermelho aqui, farol vermelho ali. 8h em ponto chegamos e, enquanto minha mãe estacionava o carro, ouvimos o comecinho pelo rádio. Que agonia... “E agora, e se sair gol enquanto estivermos no elevador? Todos vão gritar e vou saber antes”, pensava.

Chegamos ao 9º andar, que, àquela altura parecia que era 28º, e antes de cumprimentar a todos corri para ver se estava 0 a 0. Estava. “Bom dia, bom dia, bom dia”. Uma mesa repleta de guloseimas estava pronta para o café da manhã. Comer? Só depois do jogo. Tratei de achar um lugarzinho no chão, sentado bem de frente para a TV.

O trio Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo estava muito bem marcado pelos rivais, e pouco criavam. Jogo equilibrado, parelho. Claro, final de Copa. O Fenômeno perdeu duas chances de gol no primeiro tempo, que me fizeram soltar palavrões e xingamentos. Em um deles, tomei uma bronca: “Olha a boca, Luiz Paulo”, brigou minha mãe. “Oras, é final de Copa. Não enche”. Kleberson chutou uma bola perto do gol, uma na trave, e Ronaldo perdeu um gol cara a cara no último minuto. “A bola não entra. Goleiro desgraçado!”. Fim de papo. Faltavam 45 minutos, eu estava impaciente...

Passamos o intervalo conversando, discutindo os melhores lances, palpitando e pitacando. Tomei um copo de Coca Cola, levei outra bronca (“Refrigerante a esta hora? Que bonito...”), e, de novo, sentei no meu lugarzinho. Faltavam 45 minutos. Eu queria ver o segundo título da seleção (em 94 tinha apenas quatro anos, mas lembrava direitinho da partida, inclusive da ordem e acontecimentos da disputa de pênaltis.)

A etapa final começou tensa. A Alemanha, em três minutos, tinha chegado muito perto de marcar. “Sai, sai, saaaaaaaaaaaaaaaai”. O clima na sala da minha tia estava tenso. Comecei, internamente, a pensar: “Eu deveria estar na minha casa. Por que inventamos de sair de lá? P... q...p...”. Ufa, a pressão deles passou. “Calma, Brasil. Tem que jogar direito!” E o tempo passava..

“Ai, vou ao banheiro”, disse a então namorada de meu irmão, lá pelos 20  minutos. Sábia decisão. “Rivaldo abriu espaço, bateu pro gol, Oliver Kahn, Ronaldinho bateeeeu”.. GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL! GOOOOOOOOOOOOOOOOOL! Pulei, abracei meus primos, tios. Uma festa só. Opa, a Bruna estava no banheiro. Antes que eu falasse, alguém soltou: “A Bruna vai ficar no banheiro até o fim do jogo. Pé fria. Fique lá, de porta fechada”.

Cornetas (não eram Vuvuzelas), gritos, chapéus. Estávamos comemorando. Mas ainda faltavam 25 minutos de jogo quase. O time da Alemanha era bom, bem arrumado, tinha Klose, matador. Nada estava ganho. E eles foram com tudo para cima. Roque Junior, Edmilson e Lúcio era um trio que me dava medo, mas estava bem, seguro. O relógio, que não passava de madrugada, voltou a ficar lento. Olhava de tempos em tempos, achando que 10 minutos se passaram, mas tinha sido apenas míseros 60 segundos.

“Vamos, vamos fazer o segundo. Vai Lúcio, cuidado aí meu filho. Não perde a bola. Vai Lúcio. Solta essa merda, Lúcio. Vai, vai, vai. Uuuuuuh. Agora volta para marcar!!!!!”. O zagueirão (que eu viria a xingar 11 anos depois), curtiu uma de ponta direita, fez uma linda jogada arrancando do meio-campo, até chegar na lateral da grande área e cruzar. A zaga afastou.

Estava amadurecendo o segundo gol. E se não saísse, não tinha problema. Não podia tomar outro. A presença da ex-cunhada me intrigava. “Catso, quando ela saiu foi gol. Está na cara”. Só tirei aquilo da cabeça quando Ronaldo fez o segundo. Méritos de Roque Junior, que afastara uma bola de cabeça no campo de defesa, de Kleberson, que puxou o contra-ataque, e de Rivaldo, que fez um corta-luz lindo. O camisa 9 bateu com precisão, perfeição, classe, categoria. GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL!

Ameacei puxar um “É campeão”, mas fui repreendido. Não me lembro por quem, mas ouvi um “calma, calma, faltam pelo menos 10 minutos”. E olha que os gringos deram um sufoco danado. Marcos fez linda defesa, os caras chutaram, cabecearam, tentaram de todas as maneiras Mas tudo conspirava para nós. “Acabou, juiz. Acabou!!!!!!! Acaba, sem vergonha. Segura a bola aí, Denilson. Segura, segura. Falta, juiz! Acabooooou!!!!!!!!!!!”

“Chora agora goleiro de merda, chora. Melhor da Copa é? É campeão!!!!!!!!”, gritava, olhando para a televisão que mostrava o desolado Oliver Kahn, ajoelhado no gramado e com cara de vocês sabem o que”. Comemorei, abracei a todos, brinquei com a cunhada. Peguei o telefone e liguei para o meu pai, que, a essa altura, chorava bastante. “É campeão, pai!”. “Seu avô deve estar muito feliz”, disse ele, lembrando de seu pai. “Um beijo, pai. É campeão”.

E lá fomos nós, tomar café da manhã. Depois de fazermos festa, comemorar, soprar a corneta, pegamos o carro, coberto pela bandeira, e voltamos para casa. Buzinando, como todos na rua, e comemorando. Que venha o hexa!'

domingo, 6 de abril de 2014

ARGENTINA E INGLATERRA - LA MANO DE DIOS

MEU JOGO INESQUECÍVEL DE COPA DO MUNDO

(*) Guto Bicudo, professor de Educação Física



Meu jogo inesquecível de uma Copa do Mundo???? Foi em 22 de junho de 1986.
Dois dias antes, tinha completado dez aninhos de idade. A minha festa de aniversário, no entanto, aconteceu no dia 21/6. Foi quando meu padrinho Galdino me deu de presente uma chuteira do Sócrates e uma camisa listrada azul e branca...

Me lembro que, nos dias que antecederam esse jogo, via a toda hora matérias e imagens de guerra entre os dois países e fui me informar sobre as razões de tanta rixa, de tanta falação. Além das Malvinas, descobri que, na Copa de 1966, o jogador argentino Rattin “zuou” a bandeira inglesa e sentou no tapete vermelho exclusivo da rainha, motivos suficientes para a falação da imprensa, que usava isso para temperar ainda mais a partida.

Acompanhei a Copa inteira e via a seleção da Argentina sempre jogando com muita raça e vontade, além de ter um jogador que começava a chamar a minha atenção: Diego Armando Maradona.

Assisti àquele jogo dos hermanos com meus pais e irmãos e fui o do contra (rsrs). Todos lá torcendo para a Inglaterra e eu com a minha camisa azul e branca nova e torcendo timidamente para Maradona e companhia. O estádio estava lotado, mais de 110 mil torcedores e mais uma coisa começava a mexer comigo: a torcida argentina. Como gritavam e vibravam! Era também o duelo dos Barras Bravas contra os Hooligans.

Dentro de campo, um jogo disputado. Eram nítidas a dedicação e a vontade de ganhar o jogo dos argentinos. Eu só tinha 10 anos de idade, mas já odiava perder. Qualquer coisa. Melhor, podia até perder, desde que se lutasse até o fim e ficasse com a camisa suada, assim como os gringos faziam. Se não dá na técnica, vai na raça.

Fim do primeiro tempo: 0 x 0.

O segundo tempo nem bem tinha começado - e Maradona sobe para disputar a bola com o goleiro Shilton e “discretamente” usa a mão para empurrar a bola para o fundo das redes. Ele ainda deu uma olhadinha para o juiz e saiu para a comemoração (em uma entrevista, mais tarde, ele diria que pediu rapidamente aos companheiros que o abraçassem, para o juiz cair na manha dele). Os ingleses reclamaram, mas o gol foi validado. Foi o famoso gol com “a mão de deus”.

Clima quente, jogo tenso. É aí que Maradona pega a bola no meio de campo e dribla um, dois, três, quatro, cinco, seis jogadores ingleses e marca um gol fantástico, antológico. Um dos gols mais bonitos que já vi. Gol que marcou a minha vida, gol que me fez ver aquela seleção, aquele jogador, aquele país com outros olhos. Era uma seleção que realmente jogava pelo e por seu país.

Os anos foram passando e aquela torcida tímida passou a ser uma torcida declarada. Hoje, já não preciso disfarçar mais (para a “alegria” dos meus irmãos rsrs). Devo ter sido portenho na outra encarnação...

Ah, depois daquele golaço, a Inglaterra ainda cresceu no jogo e fez um gol. A Argentina segurou o resultado e venceu a “guerra”, comemorando muito aquela vitória. Para eles, aquele jogo valia mais do que a própria Copa.


Argentina classificada para a semi-final (contra a Bélgica) e depois para a final, contra a Alemanha. Foi mais um jogo inesquecível.