domingo, 11 de março de 2012

REPENSANDO...


É tempo de refletir sobre a proposta do Blog e as tarefas que ele pode cumprir. Sugestões serão bem recebidas. Balanços como esse são sempre saudáveis - e necessários. 
Volto em breve. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

PORTAIS DESTACAM TRÂNSITO. E ESQUECEM CICLISTA ATROPELADA.

Escrevi inicialmente nas redes sociais, mas decidi trazer a discussão também para o Blog, na tentativa de aprofundar as reflexões, diante de mais um episódio lamentável e tenebroso de desserviço prestado pelo nosso jornalismo. 

No final da manhã de hoje, a esposa e companheira Elisa Marconi, que estava na avenida Paulista,  lamentou, também nas redes, a morte de mais uma ciclista, atropelada por um ônibus na maior avenida da cidade. 

Comecei a procurar informações sobre a tragédia (mais uma, reforço). O coração já pulsou de raiva quando li a manchete do portal Estadão: "Ciclista morre atropelada na Paulista e acidente provoca congestionamento". Fiquei ainda mais indignado quando descobri rapidamente que não se tratava de narrativa isolada, mas da identidade e da marca registrada da cobertura feita pelos portais. 

O lide (abre) da matéria do UOL dizia que "uma ciclista morreu na manhã desta sexta-feira após ser atingida por um ônibus na avenida Paulista, na região central de São Paulo. Por volta das 11h40, a via permanecia com duas faixas interditadas e acumulava cerca de 1 km de filas". No IG, no meio do texto, em destaque (cor azul, diferente do restante, para chamar a atenção), li que "por conta do acidente, duas faixas da pista sentido Consolação foram interditadas, provocando congestionamento de cerca de 2 quilômetros na região. A pista foi liberada às 12h50". 

O G1 trazia ainda mais detalhes sórdidos. "Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), duas faixas da Avenida Paulista estavam bloqueadas às 12h por causa do acidente. Por conta do bloqueio, havia quase 5 km de filas no corredor Bernardino/Jabaquara, formado pela sequência das avenidas Bernardino, Vergueiro, Noé, Domingos e Jabaquara. O congestionamento ia da Alameda dos Guatas até a Avenida Paulista, altura da Rua Pamplona, onde a colisão aconteceu. No horário, a CET recomendava aos motoristas evitarem a região da Avenida Paulista devido às filas que estavam se formando. Equipes da companhia estavam no local orientando os melhores desvios aos motoristas". 

Finalmente, o Terra destacava que "de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), o acidente ocorreu no lado direito da avenida Paulista, onde existe uma faixa preferencial para ônibus. Duas, das quatro faixas da via no sentido Consolação, estavam interditadas aguardando perícia”.

Nos quatro portais visitados, a preocupação primeira, nem disfarçada, quase exclusiva, com maior ou menor intensidade, foi com o trânsito da cidade, com os carros que ficaram parados, com o tempo que os motoristas, coitadinhos, tiveram de esperar para seguir caminho, com o alcance do congestionamento, e não com a vida perdida, com o ser humano. As atenções estiveram todas voltadas para o caos no trânsito. A ciclista foi esquecida. Inevitável não lembrar de "morreu na contramão atrapalhando o tráfego" (Construção, de Chico Buarque). 

Em momento algum parece ter sido motivação de nossos portais jornalísticos lançar um olhar mínimo de compreensão sobre a tragédia, buscar construir a melhor versão possível da realidade, contextualizar o episódio, mostrar que não se trata de fato isolado, que os atropelamentos de ciclistas têm sido cada vez mais frequentes, que os usuários de bicicletas são vistos como um estorvo por boa parte dos motoristas que trafegam pela cidade, que os automóveis (e já são sete milhões deles na capital paulista) assumem cada vez mais faceta de perigosa arma nas mãos de muitos (amparados pelo sucesso vendido pelas peças publicitárias, pelo status, pela sensação de que tudo podem, pela impunidade, pelo consumismo desenfreado, pelos vidros escuros que tudo escondem...), que a cidade é pensada e planejada antes de mais nada para dar conta das quatro rodas, em detrimento de qualquer outro tipo de transporte – e até mesmo dos pedestres. 

O comentário da professora universitária Andrea Florentino, postado em minha página no Facebook, resume o drama de quem ousa desafiar os motores e andar de bicicleta pela cidade. "Ciclista não é nada. Porque os pedestres nos xingam quando em alguns trechos perigosos usamos a calçada (sei que não é o mais adequado) e os carros, quando usamos a rua, não nos respeitam. Nem ouso mais sair com as crianças de bike durante a semana". 

Também no Face, o jornalista Fabio de Castro contou que "uma vez um ônibus quase me pegou, passando a dez centímetros, em vez do 1,5 metro exigido na lei. Tinha uma viatura de polícia no local e eu reclamei. O PM me disse que eu deveria "pedalar na calçada", mostrando que não conhecia o Código de Trânsito". 

Os depoimentos mostram que a cidade, estimulada fortemente por seus administradores e gestores públicos, fez sua opção. O jornalismo descaradamente reforça essa postura: o que interessa são os motoristas compromissados e apressados e suas maravilhosas máquinas turbinadas; às favas, paulistanos, com as bicicletas e afins. 

São sintomas de uma sociedade doente. Gravemente enferma.