segunda-feira, 22 de julho de 2013

ESCRITORES FALAM SOBRE DIVERSIDADE DE TEMAS NA LITERATURA BRASILEIRA



Dúvida cruel de uma tarde de domingo - acompanhar o debate sobre "A nova prosa brasileira", 15h, na Virada da Livraria Cultura, ou ver pela televisão os meninos da Vila contra o Coritiba, às 16h? Pensa de lá, calcula de cá, ajusta trajetos e desejos. Decidi finalmente substituir o "ou" pelo "e". Apostei na conciliação. Lá fui eu curiosamente ouvir os escritores Andréa del Fuego, Joca Terron e Daniel Pellizzari, legítimos representantes da chamada literatura nacional contemporânea, em debate mediado por André Conti, editor da Companhia das Letras. O jogo veio em seguida (os quinze primeiros minutos ouvi pelo rádio, no carro, na volta para casa, comemorando o gol do Neílton e ainda degustando as análises literárias e as histórias que tinha ouvido).

Instigados pelo mediador, os três autores dedicaram-se inicialmente a considerar e avaliar a multiplicidade de temas que marca nossa atual produção de livros, cenário diferente daquele vivido há quinze ou dez anos, quando o espectro de assuntos parecia bem mais limitado. Andréa concordou que é inegável o surgimento de novas vozes literárias e que, em breve, talvez cheguemos a um estágio onde todo leitor também será de alguma maneira escritor, principalmente por conta da internet. "A produção textual tem aumentado significativamente. Tem muita gente saindo do armário para as prateleiras, ainda que de forma independente. Claro que vamos ter de pensar sobre a qualidade de tudo isso. Pode ser ingenuidade, mas me parece interessante que seja assim, pois ainda temos poucos apreciadores da literatura brasileira, quando comparamos com os estrangeiros e os best sellers". Ela citou como exemplo o primeiro romance que escreveu, "Os Malaquias", lançado em 2010, uma narrativa rural, marcada por experimentalismo mágico, que se passa na roça de Minas Gerais, e que acabou conquistando elogios do público e dos críticos, garantindo-lhe inclusive o Prêmio José Saramago de 2011. "Era muito específico. Foi uma surpresa", reconheceu.

Depois de uma literatura pós-ditadura militar, nos anos 1990, marcada essencialmente por histórias urbanas, relacionadas à violência e à exclusão social, a constatação de Joca Terron é que seria obrigatório e inevitável que essa produção explodisse e se tornasse multifacetada, a representar divergências da própria sociedade brasileira. Ele alertou, no entanto, que esse movimento é ainda limitado, pois nossas principais editoras estão concentradas no eixo Sul-Sudeste, e quem produz literatura num outro cenário (o Centro-Oeste, por exemplo), com outras dicções e enredos, acaba por encontrar barreiras complicadas e nem sempre é bem recebido. "É cada vez mais evidente que a literatura é constituída coletivamente. Não dá mais para apostar só naquele gênio, que tem seu público cativo e seu estilo consolidado", reforçou. Para Pellizzari, a diversificação temática é um fenômeno diretamente associado ao amadurecimento dos autores - impactados pela internet, começam a escrever cada vez mais cedo. "Nos anos 90, a dinâmica era muito verticalizada e pautada pela mídia. Havia espécies de juízes específicos do gosto do público. Hoje, há dezenas de sites e de blogs, que recomendam autores distintos. Talvez mudanças nos escritores tenham sido empurradas por essa leitura mais horizontal. A partir daí, um autor influencia o outro, há trocas, impactos mútuos, até por contrastes, e nasce um circuito mais amplo".

Movimentando-se do geral ao particular, os três escritores não se furtaram também a explicitar características específicas de suas obras, sobretudo dos livros mais recentes de cada um deles. Pellizzari revelou que demorou muito - sete anos - para escrever "Digam a Satã que o recado foi entendido". Depois de apostar, em romances anteriores, naquilo que chamou de tradição mais formalista, queria falar sobre pessoas, desenvolver os personagens com mais profundidade, abordar variados pontos de vista, sugerindo como se formam consciências. Teve várias crises, não sabia muito bem como construir e conduzir essa história. "Foi uma mudança de perspectiva. Acho que consegui concretizar a polifonia que desejava". Terron afirmou que a ficção é uma arte relacionada à maturidade e que leva tempo para um escritor desenvolver e consolidar sua técnica. Ele lembrou que, ao final de "A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves", muitos leitores perguntaram as razões que tinham levado o autor a abandonar as frases mais longas e rebuscadas. "Talvez porque elas fossem ruins", reconheceu. Assim como Pellizzari, preferiu apostar firme nos personagens. "É fascinante desenvolvê-los. É a isso que tenho me dedicado nos últimos tempos", completou.

Andréa já tinha uma carreira reconhecida com os contos e as narrativas infanto-juvenis. Depois do que chamou de uma corrida de dez quilômetros, ainda tinha dúvidas se teria fôlego e capacidade para correr uma maratona - escrever um romance. O de estréia, "Os Malaquias", representava mais acerto com relações familiares, consagrando o que ela chamou de oferenda aos ancestrais. A linhagem estava esgotada. Caminhar para onde? "Nesses momentos, é fundamental estar disposta a ser afetada", contou. Começou a estudar Filosofia. Foi apresentada a um escritor grego do século II, Artemidoro de Daldis, que era mestre em interpretar sonhos. Nasceu dessa inspiração o novo romance dela, "As miniaturas" (nesse momento, a plateia fez Andréa também reconhecer que "em botecos, já interpretara sonhos de amigos", com relativo sucesso e acertos...). A obra foi escrita enquanto ela estava grávida ("tinha nove meses, não sabia como ia ser minha vida com o bebê"). Sofreu ainda a pressão do patrocinador. Ela teve financiamento da Petrobras - e havia prazo fechado para a conclusão do livro.

"Se há amadurecimento literário, está justamente em ser mais capaz de perceber os exageros do texto e em jogar coisas secundárias fora. Fiquei satisfeita com o resultado final, mas prometi não ir mais atrás de bolsas. Teria trabalhado com mais tempo e paciência", contou. Talvez nadando contra a corrente, Andréa disse que gosta de ser editada e que jamais finaliza um livro sozinha. Lembrou de uma situação, durante a escrita de "As miniaturas", em que foi convocada pelo editor André Conti para discutir algumas passagens da obra. Sentiu um frio na espinha, imaginou que ouviria "é uma porcaria". Nada disso. Eram anotações e sugestões pontuais. Numa delas, num canto de página, Conti havia indicado: "brega!". Com exclamação mesmo. Era um trecho da trama onde descrevia masturbação masculina. "O garoto jamais diria isso que está escrito, me alertou o André. Tive de concordar com ele. Mudei".

Conti não se lembrava da anotação. Riu, junto com a plateia. Disse que seria interessante resgatar esses originais. Eu, confesso, fiquei curioso para saber como a cena foi resolvida. Vou ter de esperar mais um pouco. O livro de Andréa deve ser lançado na primeira semana de agosto.

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