Foto - Divulgação FLIP |
O inglês Geoff Dyer já escreveu a respeito de jazz, ioga e fotografia; John Jeremiah Sullivan, estadunidense, acaba de publicar no Brasil um livro que reúne textos sobre um festival cristão de rock, o furacão Katrina e o ídolo pop Michael Jackson. Com temas tão diversos, o que têm em comum? O fato de terem alcançado a condição de mestres na arte do ensaio, gênero tão sedutor, se considerarmos seus atrativos literários, quanto controverso, quando se pretende conceituá-lo, e que mais recentemente vem cavando espaços importantes por aqui, em revistas como a Piauí e a Serrote. Juntos na última mesa da FLIP, já em clima de final de festa, desafiando as formalidades e investindo mais num bate-papo divertido e bem humorado, os dois escritores, em discursos afinados, arriscaram algumas respostas para a dúvida principal que incomodava boa parte da plateia presente: afinal, o que é um ensaio?
De fato, a primeira definição foi sugerida pelo mediador do debate, o escritor, jornalista e editor da Serrote, Paulo Roberto Pires, para quem "ensaios são textos movidos por curiosidade sobre os mais diferentes assuntos, narrativas impecáveis, com estilo, sem preconceitos, que pensam e fazem pensar. Não pretendem concluir, mas sugerir. É um texto para alguém que deseja algo além do jornalismo e aquém do que fazem os especialistas".
Ajudando a desenrolar o novelo conceitual, Dyer afirmou que o ensaio está presente em nossas vidas desde a educação básica, quando somos obrigados a fazer dever de casa, escrevendo redações que exigem pesquisa, registro de notas e citações. "É uma espécie de ensaio, que agora tornou-se moda. O fato é que nunca parei de fazer essa tarefa de casa", completou. Foi a estratégia que encontrou para garantir um processo contínuo de auto-educação, que escapasse das aulas à distância e das escolas formais, mas permitisse manter a disciplina para aprender sobre assuntos que lhe interessam. Para o autor inglês, a vida acadêmica tende a limitar e afunilar a trajetória intelectual - e o ensaio é a brecha para fazer exatamente o movimento contrário, de anti-especialização. "É uma miscelânea de saberes, de áreas e de temas. E só funciona por conta desse hibridismo". Trata-se, em essência, de uma jornada que nos conduz da ignorância ou da curiosidade para algum tipo de conhecimento. E, mais fascinante ainda, o leitor é também um convidado privilegiado dessa viagem, a compartilhar com o autor esse processo de descobertas. "O ensaísta é um exímio contador de histórias", cravou.
As reflexões de Sullivan também exaltaram essa mistura, que representaria justamente a principal virtude do ensaio. "É uma forma solta, informal, que funciona bem para amadores", completou. Ele não nega: é confusa mesmo, gera dúvidas e arrepios dos mais puristas e que gostam de rótulos absolutos, uma mescla anárquica de reportagem jornalística, precisão conceitual e espírito literário. "Não há separação explícita entre gêneros. É propositalmente bagunçado. O ensaio é como aquele pasto comum nas aldeias inglesas, algo natural, lugar que todos desejamos visitar e onde nos encontramos", comparou. Para ele, os assuntos devem obrigatoriamente ser diversos, múltiplos, e o bacana é poder aprender sobre o que se deseja. O escritor estadunidense disse que não briga com essas características - ao contrário, as aceita e também reconhece que são as características marcantes de um bom ensaio. O que deseja é escrevê-los da melhor maneira possível. "Eu me sinto privilegiado por poder fazer perguntas que me encantam e seduzem o meu leitor. O ensaio é o veículo para alcançar essa empatia". Por fim, revelou que a ausência de relação de autoridade é outra qualidade que o empolga. "O que dizemos para nossos leitores é: que tal sentarmos juntos para pensar sobre esse problema?".
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