domingo, 21 de julho de 2013
O RÁDIO, ESSE MEU INSEPARÁVEL AMIGO FUTEBOLÍSTICO
Na semana que passou, em mais uma atividade das agitadas férias, Luiza e Daniel participaram de uma oficina de locução para crianças na rádio CBN. Estiveram no estúdio, leram e gravaram os textos, acompanharam um tantinho da rotina de uma emissora. Ao final, empolgadíssimos e realizados, ganharam de presente um CD com gravações, nas vozes de Osmar Santos, de Oscar Ulisses e de Osvaldo Maciel, de 40 gols importantes do Santos, entre 1978 e 2012, de Juary a Neymar, passando por Serginho Chulapa, Giovani e Robinho. Bateu a nostalgia. As narrações me fizeram lembrar que um tanto (e não pouco) dessa paixão que tenho por futebol, em geral, e pelo Santos, em particular, vem das ondas do rádio.
Trancado no escritório, meu avô ouvia os jogos do Peixe num daqueles antigos Motoradios (herança, hoje está comigo) que, ao final das partidas, eram oferecidos ao craque do jogo, em votações animadíssimas feitas pelas equipes esportivas. Ficávamos do lado de fora, à espreita, ouvidos colados na porta, tentando adivinhar pelos gritos dele e pelos tapas na escrivaninha o que estava acontecendo em campo. Depois, humores variados, dependendo do resultado, ele vinha nos dizer "filho, o speaker da Atlântica falou que o Santos jogou bem hoje". Ou "o speaker da Excelsior desceu a lenha no time". Ou ainda "segundo o speaker da Bandeirantes, o técnico do Santos substituiu errado". Ele era do tempo em que se dizia 'offside, corner, back...'. Intrigado e curioso, um dia meu irmão, lá com seus cinco, seis anos, já santista de quatro costados, criou coragem e foi direto ao ponto: "mas, vô, esse seu speaker está em todas as rádios... Afinal de contas, em que rádio ele trabalha?".
Não tinha erro ou furo, era sagrado - todas as manhãs, de segunda a sexta, meu pai sintonizava logo cedinho e assim que pulava da cama no Jornal da Manhã, da Jovem Pan. A gente tinha arrepios, confesso, porque quando tocava o "vambora, vambora, olha a hora, vambora, vambora...", era sinal de que tínhamos de ir para a escola. Ao mesmo tempo, adorávamos quando os repórteres esportivos da rádio entravam no ar para fazer o giro dos clubes. Eram os tempos do Jornal de Esportes, da mesma Pan, e do Globo Esportivo, quando ficávamos sabendo as escalações, as contratações, ouvíamos as entrevistas.
Na época das vacas magras do Santos, quantos não foram os aparelhos de rádio que meu irmão estourou na parede, a cada gol que tomávamos, a cada derrota que colecionávamos. Teve um, me lembro bem, coitado, rolou a escada do sobrado onde morávamos. Parrudo e teimoso, continuou funcionando. Ainda em São Bernardo, final dos 70, numa noite de quarta-feira, meu outro irmão, mais novo, prendeu o dedo numa dobradiça de carrinho de bebê. Esguichava sangue, a ponta do dedo ficou pendurada. Não tinha jeito. Correram para o pronto-socorro. Assustado, com muito medo, corri para o quarto do meu pai, torcendo para ficar tudo bem com meu irmão. Por instinto, liguei o rádio-relógio e fiquei ouvindo, mais chiado que narração, um Santos e Velo Clube de Rio Claro, campeonato Paulista. Meu irmão voltou bem, tomou alguns pontos, mas ficou tudo certo. O Santos? Ganhou de 3 x 2.
Quando as partidas acabavam, era hora de sintonizar no "Show de Rádio", com o Zé das Docas e o humor inteligente da turma do Estevam Bourroul Sangirardi - no meio da semana, eram eles ("show de rádio, o bom humor, do futebol, salve o torcedor brasileiro") que embalavam meu sono, radinho ligado bem baixo, até Morfeu se fazer presente. Não tínhamos TV a cabo, 488 canais a escolher, campeonatos europeus com quem competir, ainda não havia canal campeão nem informação é nosso esporte. O Paulista e o Brasileiro radiofônicos nos embalavam, narrados por Fiori Gigliotti - 'abrem-se as cortinas, começa o espetáculo' -, Osmar Santos - 'ripa na chulipa, pimba na gorduchinha' - e José Silvério - 'ela pediu me chuta, ele encheu o pé'.
Em 2002, na reta final do Brasileiro, quando a fila ficava cada vez mais para trás, participei, na noite da segunda semi-final contra o Grêmio, de uma banca de Trabalho de Conclusão de Curso, em companhia de outro professor e amigo também santista - e o projeto era justamente uma reportagem sobre o técnico Lula, do esquadrão de Coutinho, Pelé e Pepe. Nos intervalos da apresentação, dividíamos afobados um fone de ouvido e tentávamos decifrar o que acontecia no Olímpico, em Porto Alegre. Quando a banca acabou, voei para pegar um táxi. O motorista estava ouvindo a rádio Cultura FM. Não me aguentei: "meu senhor, também gosto de música clássica, mas hoje é dia de jogo decisivo do Santos. O senhor pode por favor mudar de estação?". Ele se recusou. Não tive dúvida: mandei parar, paguei a breve corrida, desci e procurei outro táxi - antes de dizer o destino, impus minha condição: vamos ouvir o jogo do Santos. Deu certo. Passamos para a final.
Sem jamais ter perdido o adorável vício, boa parte da campanha do terceiro título da Libertadores eu acompanhei pelo rádio. Por conta das aulas noturnas, não raro foi preciso pedir ajuda ao amigo falante. Os tempos eram outros e, dos três narradores que marcaram minha infância e juventude, só o Silvério continuava firme e forte, embora a voz já estivesse prejudicada. Mas a emoção era a mesma. Imaginem o que foi acompanhar no carro, na volta para casa, as defesas milagrosas do Rafael no jogo contra o América do México, tentando imaginar como seriam aquelas pontes e espalmadas, e com taquicardia por saber que a partida era duríssima...
No embate derradeiro com o Cerro, no Paraguai, ainda na fase de grupos, quando era ganhar ou adeus, Libertadores, ouvi o primeiro tempo no estacionamento da universidade. Quem passava não entendia coisa alguma - eu falava sozinho, fazia caretas, dava murros no volante. A manobra para ouvir a primeira final contra o Peñarol foi coisa de outro planeta. Já estávamos quase em férias, semana de provas substitutivas, classe vazia, sem atividades acadêmicas. Colocaram uma televisão na sala dos professores. Mas tinha muito corinthiano, são-paulino e palmeirense secando. Não vai dar certo, pensei. Fui me esconder num enorme terraço no sexto andar da universidade, agachadinho num canto, rádio do celular ligado. Era junho, a noite estava gelada, um vento cortante, de rachar os ossos. Eu tremia, mas suava de nervoso. Terminei andando de um lado para outro, sem parar. Empatamos. Grande resultado!
A finalíssima eu vi no Pacaembu, ao vivo, claro. No dia seguinte, ouvi todos os programas esportivos de rádio. Perdi as contas de quantas vezes coloquei para rodar as narrações dos gols, os gritos da torcida, o hino cantado a plenos pulmões no Paulo Machado. Até hoje tenho guardadas as narrações dos gols do Silvério e do Deva Pascovicci. No CD que Luiza e Daniel ganharam, posso agora ouvir os gols do Neymar e do Danilo na voz do Oscar Ulisses ("a torcida está vibrando e a rádio Globo traz a emoção").
Acho que não foi por coincidência que casei com uma companheira que talvez seja ainda mais apaixonada por rádio que eu, dentre tantas outras infinitas afinidades que temos. É uma delícia ouvir hoje os meninos andando pela casa e cantando "Osmar Santos vem aí. Garoto bom de bola!". Despeço-me pedindo licença, pois neste domingão tem jogo do Peixe contra o Coritiba. Ainda é cedo, mas já vou lá garantir a diversão e ligar o rádio. Antes, só para esquentar, acho que vou ouvir só mais uma vezinha o gol do Neymar na final da Liberta. É de arrepiar o grito que explode nas arquibancadas, a quase encobrir o narrador. E o Oscar Ulisses: "sabe quem fez? Sabe quem fez? Sabe quem entrou pela esquerda e bateu firme com a perna direita na bola, lá no cantinho? Neymar, o craque. Neymar, o que faz a diferença. Neymar, o dono da quarta-feira".
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Ouço até hoje,a narração do Osmar Santos no gol do RAÍ de falta, contra o Barcelona.
ResponderExcluirE o ritual de diminuir o rádio em um ataque perigoso da equipe adversária???Quando sentia o "perigo" abaixava...rsrsrs
Influenciado pelo pai,até hoje vou trabalhar
escutando rádio(band news).
Ahhh,lembra que escutávamos diariamente,na rádio gazeta "as 20 notícias de Lucas Neto e Antonio Gusman"???
Adoro escutar rádio!!!!
beijuchau
Texto brilhante! Parabéns! Realmente o rádio é insubstituível e eterno, a emoção de ouvir jogos no rádio é indescritível!!! José Silvério pra mim, é um mito, sua voz esta prejudicada mesmo mas a emoção que ele passa até os dias atuais é inigualável!!! Lembro de 2002 da narração dele do gol do Elano, gol que de fato nos deu o Brasileiro daquele ano, estava lá com o "foninho" ouvindo Silvério, até hoje me emociono a ouvir esta narração e tantas outras!!! Realmente o rádio é eterno, também faço parte dos loucos por rádio!!!
ResponderExcluirMais uma vez parabéns pelo texto, foi ótimo lê-lo e lembrar de tantas coisas!!!
Gostei muito do texto. Um relato apaixonado pelas paisagens sonoras do futebol na linguagem do rádio. Parabéns também pela foto das crianças em ação. Aproveito para lembrar que aprendi muito com um trabalho realizado no nosso mestrado por Osório A. Cândido da Silva a respeito de Fiori Gigliotti. No nosso livro Comunicação e Cultura do Ouvir, o título do texto do Prof. Osório diz tudo: "A narração esportiva de Fiori Gigliotti: emoção e sedução na oralidade mediatizada". No mesmo livro temos também o texto de Rodrigo Fonseca Fernandes: "Jogos orquestrais: as jornadas esportivas no rádio". Link para o livro: http://www.casperlibero.edu.br/noticias/index.php/,n=9096.html
ResponderExcluirUm abraço.
O fato é que ainda não há nada mais emocionante que ligar o rádio para ouvir uma partida de futebol... qualquer lance após o meio campo é chance de gol. Tensão por saber quem está no ataque, de quem foi o gol até o narrador soltar o grito. Aaaah, como é gostoso.
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