quarta-feira, 3 de julho de 2013

GRACILIANO RAMOS, UM ESCRITOR EDUCADOR

FLIP 2013

Foto - www.g1.globo.com


A decisão de fazer do alagoano Graciliano Ramos o homenageado da décima primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty aconteceu ainda no ano passado e levou em consideração as inquestionáveis qualidades e contribuições narrativas do escritor, mas acabou casualmente, e por conta do momento político vivido pelo Brasil, assumindo ares de decisão ainda mais acertada e pertinente. Afinal, se Graciliano fosse vivo, estaria certamente e de alguma maneira, talvez usando a própria escrita, colocando-se ao lado dos indignados que tomam as ruas do país para exigir mais democracia e serviços públicos com qualidade e para todos. "Ele fazia uso de uma linguagem concisa e clara, nada pomposa, para refletir em sua obra a respeito de duas vertentes de crueldade: a opressão do meio físico, a exploração estabelecida pelo mais forte, como se vê em Vidas Secas, e um outro tipo de maldade, mais difícil de explicar, de uma violência gratuita, marcada por vingança e ressentimento, como aparece em Infância. Tinha uma postura ética que recusava o cinismo e a indiferença diante das chagas sociais", destacou o escritor Milton Hatoum, na Conferência de Abertura da FLIP, realizada nesta noite de 03 de julho.

Num ensaio instigante e habilmente construído, lido linha por linha e a viajar por diferentes obras e com citações a diversos críticos, Hatoum sugeriu que uma das pistas para compreender Graciliano é a relação que se pode estabelecer entre os personagens por ele criados e a esfera da Educação. Quando prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, entre 1928 e 1930, Graciliano já evidenciara em seus relatórios administrativos essa sensibilidade social, caracterizada pela preocupação com as minorias e por um profundo fervor democrático, que se materializaram no enfrentamento com os coronéis, no eleger a questão fundiária como uma de suas prioridades e no incentivo à construção de escolas e à formação de professores. "São questões que em seguida seriam fortemente exploradas em seus livros", completou Hatoum.

Como se viu na Conferência, Graciliano é um autor que permanentemente pensa sobre o sentido do aprendizado, questionando a pouca disposição das elites em educar os de baixo e denunciando a palavra como instrumento de exploração. Em Angústia, de 1936, Julião Tavares é um filho de negociante que fala sem qualquer sofisticação, recorrendo sempre aos pensamentos que abusam dos adjetivos, mas vazios de conteúdo. Em Caetés, de 1933, Evaristo Barroca é um advogado capaz de improvisar contundentes discursos - e que acaba se dando bem e virando político. A linguagem marca os territórios e espaços sociais por onde os dois transitam.

A mesma provocação pode ser encontrada em São Bernardo, de 1934 - o protagonista Paulo Honório não gosta de mulheres sabidas. Não aceita a insubmissão da esposa Madalena, professora bondosa e altruísta, conhecedora das coisas do mundo, que domina a palavra e exige melhores condições de vida para os trabalhadores rurais. "Sem a presença de Madalena, a história se resumiria a um homem bruto, que enriquece de maneira ilícita", ressaltou Hatoum. Em Vidas Secas, de 1937, a mesma pegada: a palavra falta, e os personagens são vítimas da opressão e da miséria imposta pelo meio e têm profundas dificuldades para pensar e evidentes carências de saber, comunicando-se muitas vezes por gestos, quase grunhidos. No final do livro, a esperança de que o futuro dos filhos, que frequentariam a escola, pudesse ser diferente. "Ainda assim, é um sonho incerto, impreciso, que se coloca no condicional, no futuro do pretérito", destacou o conferencista. 

Para ele, Graciliano sempre procurou escancarar em suas obras as relações desiguais, sem jamais se submeter a propagandas ideológicas, em narrativas marcadas pela brutalidade do Brasil, mas que ao mesmo tempo falam da humanidade que está em todos nós. "Era conhecido por ser áspero e intratável, mas foi sempre profundamente afetuoso com os amigos e muito rigoroso consigo mesmo", afirmou. Miguel Conde, curador da FLIP, completou: "Graciliano foi um sujeito desconfiado da mistificação da figura do escritor, que pensou criticamente o seu lugar na sociedade e que rechaçava a cultura letrada como espaço de demarcação das diferenças sociais". 

Um comentário:

  1. Parabéns pela resenha... parece-me muitíssimo bem com um acompanhamento reflexivo.

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