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A decisão de fazer do alagoano
Graciliano Ramos o homenageado da décima primeira edição da Festa Literária
Internacional de Paraty aconteceu ainda no ano passado e levou em consideração
as inquestionáveis qualidades e contribuições narrativas do escritor, mas
acabou casualmente, e por conta do momento político vivido pelo Brasil,
assumindo ares de decisão ainda mais acertada e pertinente. Afinal, se
Graciliano fosse vivo, estaria certamente e de alguma maneira, talvez usando a
própria escrita, colocando-se ao lado dos indignados que tomam as ruas do país
para exigir mais democracia e serviços públicos com qualidade e para todos.
"Ele fazia uso de uma linguagem concisa e clara, nada pomposa, para
refletir em sua obra a respeito de duas vertentes de crueldade: a opressão do
meio físico, a exploração estabelecida pelo mais forte, como se vê em Vidas Secas,
e um outro tipo de maldade, mais difícil de explicar, de uma violência
gratuita, marcada por vingança e ressentimento, como aparece em Infância.
Tinha uma postura ética que recusava o cinismo e a indiferença diante das
chagas sociais", destacou o escritor Milton Hatoum, na Conferência de
Abertura da FLIP, realizada nesta noite de 03 de julho.
Num ensaio instigante e habilmente
construído, lido linha por linha e a viajar por diferentes obras e com citações a diversos críticos, Hatoum
sugeriu que uma das pistas para compreender Graciliano é a relação que se pode
estabelecer entre os personagens por ele criados e a esfera da Educação. Quando
prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, entre 1928 e 1930, Graciliano já
evidenciara em seus relatórios administrativos essa sensibilidade social,
caracterizada pela preocupação com as minorias e por um profundo fervor
democrático, que se materializaram no enfrentamento com os coronéis, no eleger
a questão fundiária como uma de suas prioridades e no incentivo à construção de
escolas e à formação de professores. "São questões que em seguida seriam
fortemente exploradas em seus livros", completou Hatoum.
Como se viu na Conferência, Graciliano é um autor que
permanentemente pensa sobre o sentido do aprendizado, questionando a pouca
disposição das elites em educar os de baixo e denunciando a palavra como
instrumento de exploração. Em Angústia, de 1936, Julião
Tavares é um filho de negociante que fala sem qualquer sofisticação, recorrendo
sempre aos pensamentos que abusam dos adjetivos, mas vazios de conteúdo. Em Caetés,
de 1933, Evaristo Barroca é um advogado capaz de improvisar contundentes
discursos - e que acaba se dando bem e virando político. A linguagem marca os
territórios e espaços sociais por onde os dois transitam.
A mesma provocação pode ser encontrada
em São Bernardo, de 1934 - o protagonista Paulo Honório não gosta de mulheres
sabidas. Não aceita a insubmissão da esposa Madalena, professora bondosa e
altruísta, conhecedora das coisas do mundo, que domina a palavra e exige
melhores condições de vida para os trabalhadores rurais. "Sem a presença
de Madalena, a história se resumiria a um homem bruto, que enriquece de maneira
ilícita", ressaltou Hatoum. Em Vidas Secas, de 1937, a mesma
pegada: a palavra falta, e os personagens são vítimas da opressão e da miséria
imposta pelo meio e têm profundas dificuldades para pensar e evidentes
carências de saber, comunicando-se muitas vezes por gestos, quase grunhidos. No
final do livro, a esperança de que o futuro dos filhos, que frequentariam a
escola, pudesse ser diferente. "Ainda assim, é um sonho incerto,
impreciso, que se coloca no condicional, no futuro do pretérito", destacou
o conferencista.
Para ele, Graciliano sempre procurou
escancarar em suas obras as relações desiguais, sem jamais se submeter a
propagandas ideológicas, em narrativas marcadas pela brutalidade do Brasil, mas
que ao mesmo tempo falam da humanidade que está em todos nós. "Era
conhecido por ser áspero e intratável, mas foi sempre profundamente afetuoso com
os amigos e muito rigoroso consigo mesmo", afirmou. Miguel Conde, curador
da FLIP, completou: "Graciliano foi um sujeito desconfiado da mistificação
da figura do escritor, que pensou criticamente o seu lugar na sociedade e que
rechaçava a cultura letrada como espaço de demarcação das diferenças
sociais".
Parabéns pela resenha... parece-me muitíssimo bem com um acompanhamento reflexivo.
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