segunda-feira, 30 de junho de 2014

30 DE JUNHO - QUE COPA É ESSA?

Eu já estava esfregando as mãos e me preparando para a versão brasileira futebolística da Batalha de Argel. Foi por um trisquinho. Não deu. O novo Maraca vai ser mesmo palco da antiga rivalidade franco-alemã. Em disputa, os dois países sabem disso, muito, mas muito mais que o controle das minas de ferro e de carvão da Alsácia-Lorena. Esqueçam o Tratado de Versalhes. Vale vaga na semifinal da Copa do Mundo, meu povo. Recomendo fortemente cancelar todos os compromissos da sexta à tarde, por favor. Questão de juízo. Já fiz isso. A peleja é imperdível. Na sequência, Brasil x Colômbia no Castelão. Demora muito para chegar sexta? Quando essa encrenca toda começou, com a divulgação da tabela do Mundial lá no já longínquo começo de dezembro de 2013, achei, um tanto desolado, vá lá, resignado, que veria mesmo os jogos pela TV. Tudo bem, compro uma maior, tela plana, altíssima definição, função futebol. Um monte de penduricalhos. Mas seria sempre televisão, pombas. Paciência. Sem fazer alarde, apareceu um ingresso para Argentina x Irã. Já me dava por satisfeito, confesso. Numa manobra ousada, a considerar período de aulas, preços de passagens, quase um bate e volta, carimbei passaporte para Fortaleza. Uruguai x Costa Rica. Muito bom. Quando menos esperava, mensagens desbragadamente trocadas por celular, decisão em tempo recorde, segura aí, não deixa vender, só vou fazer as contas, cravei mais dois ingressos. Itaquerão. Uruguai x Inglaterra. Chile x Holanda. Quase o jardim do Éden, se ele existe. Foi uma espécie de mini Copa América particular. A inenarrável sensação de ver um jogo de Copa com o Daniel; outro, com a Luiza. Pensem num pai explodindo de felicidade. Transbordando satisfação. Esse cara sou eu. Não deu para as oitavas. Ainda não desisti das quartas. Nem da semi. Muito menos da final. Numa dessas... Estamos aí. Certo? O escritor colombiano (três batidas na madeira) Gabriel García Márquez dizia que somos aquilo que lembramos. Memórias. As de junho/julho de 2014 vou carregar sempre comigo. Ainda que, bem velhinho, talvez numa casa de repouso, as inevitáveis falhas de comunicação entre neurônios exaustos se manifestem. Não importa. As cenas continuarão lá, bem guardadinhas. Numa caixinha especial do cérebro. Num cantinho privilegiado da alma. Ainda que eu já não mais consiga expressá-las. Serão minhas. Uma Copa é feita de várias copas singulares. São enredos costurados para além dos lindos lances, gols e defesas que estamos vendo nas tais arenas. Um Mundial que não acontece em campo. Em Belo Horizonte, conheci um taxista que estava encantado com a festa feita pelos colombianos (batam de novo na madeira). "Adoraram a caipirinha, ficaram loucos com a bebida. Não conheciam", divertia-se. Foi o mesmo motorista que se ofereceu para, depois de me deixar no Mineirão, porque o relógio andava mas o trânsito não, deixar minha mochila na portaria do hotel. Em Fortaleza, foi também um taxista quem muito gentilmente nos alertou, ao nos deixar numa avenida onde iríamos procurar lugar para matar a fome, para depois seguir para o hotel: "muito cuidado. Não andem sozinhos pelos lados de cá. É barra pesada. Para lá, tudo livre e sossegado". Na saída do estádio, depois do Castelazo uruguaio, dois amigos costarriquenhos devidamente uniformizados se abraçavam e ajoelhavam. Dei parabéns a eles. Só conseguiam dizer "gracias, gracias, gracias". Sem parar. Estavam em transe. Tiramos até fotos juntos. Não sei se lembram. O metrô de São Paulo foi alçado à condição de atração obrigatória. A gente nem se importa com os vagões lotados. Ao contrário - torcemos incrivelmente mesmo para que estejam bem cheios. De sotaques de todos os timbres, cores de todas as bandeiras. No dia da abertura, os croatas desenharam a Paulista em vermelho e branco. Caixas e caixas de cerveja empilhadas nos bares. Vi os franceses cantando a Marselhesa a plenos pulmões no Vale do Anhangabaú. Em casa, os últimos vinte dias foram marcados por acaloradas mesas-redondas domésticas. Pai, o Felipão não deveria ter escalado o Hulk. Foi pênalti, sim. O meio da França é muito bom. O da Alemanha é melhor. A Bélgica está decepcionando. Luiza e Daniel assumiram ares de Paulo Vinicius Coelho, Paulo Calçade, Antero Greco. Eu, amigão, e Elisa, my friend, atuamos como modestos moderadores. O bate-bola esteve sempre com eles. Linha de passe. O aparelhinho da TV esteve permanentemente sintonizado na ESPN Brasil. Será assim até a final. No bolão da família, continuo na briga. Terceiro lugar. O Dani foi perdendo fôlego. Não se conforma. Promete reagir nessa reta final. Meu celular acabou se transformado numa Central da Copa. Dispara mensagens. Recebe mensagens. No Itaquerão, passei um frio de rachar. E um calor de derreter. Vi inglês trajado de cavaleiro templário falando palavrões em sequência interminável. Código Da Vinci. Robert Langdon não perdoaria o sujeito. Vi chileno que dormiu o jogo inteiro contra a Holanda. Não podia ser ressaca de balada. Era um senhorzinho! Provavelmente exausto por conta da maratona copística. A mesma peregrinação que parece jamais cansar os argentinos. Os hermanos fizeram onda azul e branca no Rio de Janeiro. Transformaram BH em Belôs Aires. Invadiram Porto Alegre. Estão tomando conta de São Paulo. Os caras são fanáticos. Têm meu respeito. Marcam presença mesmo. Tem neguinho que foi para a capital mineira de carro. Li hoje na Folha a história de dois estudantes, uma garota e um rapaz, que saíram de San Isidro, perto de Buenos Aires, com trezentos dólares nos bolsos. Só viajaram de carona. Na boléia de caminhões. Estão dormindo em sofás solidários. Li também que os jogadores gregos doaram o prêmio da classificação para as oitavas para a construção de um centro de treinamentos para a seleção deles. Golaço. De placa. Pode colocar no DVD dos melhores momentos do Mundial. Ontem, durante o jogo da Costa Rica, país que não tem exército e não sabe o que é golpe de Estado, grudei um olho na TV e outro no twitter do presidente costarriquenho, Luis Guillermo Solís. "Estamos com vocês! As melhores vibrações para Keylor Navas! Somos gigantes! Passamos! É a história!", foi narrando. Só em Copa do Mundo mesmo. No Maraca, o mano Guto Bicudo viu os colombianos (madeira mais uma vez) nas arquibancadas torcerem para o Brasil, na disputa de pênaltis. Vídeo que está circulando nas redes sociais mostra os jogadores alemães Podolski e Schweinsteiger festejando a classificação do Brasil. Quase fazendo um poropopó com os funcionários do hotel onde os germânicos estão concentrados, em Santa Cruz de Cabrália. Vai ver que é por essas e por tantas outras que 38,5% dos jornalistas estrangeiros afirmam, em enquete feita pelo insuspeito UOL, que essa é a melhor Copa que já cobriram. Batemos de longe a Alemanha, 2006 (19,7%), a África do Sul (5,1%), os Estados Unidos (4,3%), a Itália (3,4%), a França (também 3,4%), o Japão e a Coreia (os mesmíssimos 3,4%), o México, 86 (1,7%), o México, 70 (também 1,7%) e a Alemanha, versão 74 (0,9%). Para desespero dos profetas do apocalipse, que já começam a bradar imagina depois da Copa! Imagina nas eleições! Imagina nas Olimpíadas! Imagina! Imagina! Imagina! Imagina que participar dessa festa não é sinônimo de alienação, de analfabetismo político. Continuamos de olho nas nossas profundas injustiças sociais, no autoritarismo e no cinismo dos nossos governos. Protestando. Ocupando as ruas. Com consciência. Sem abrir mão de viver esse evento de perto. Dentro das quatro linhas, a Copa nos brindou hoje com as exibições fantásticas da Argélia e da Nigéria. Mama África aplaude, orgulhosa. Dignidade e futebol vistoso. Dois grandes goleiros, no torneio que é também o dos arqueiros. Um ingresso para Argentina x Suíça chegou a passar bem pertinho das minhas mãos. Mas voou. Ideia da Luiza, imediatamente aceita, vamos ver os hermanos amanhã na telona do cinema. Mais uma experiência inédita nesse Mundial de tantas novidades. Conto depois. Aguardem.  

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